Acórdão nº 2212/09.2TBACB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Abril de 2013
Magistrado Responsável | PEDRO MARTINS |
Data da Resolução | 18 de Abril de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados: “A” intentou a presente acção contra a Companhia de Seguros “B”, SA, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe 55.630,48€, acrescidos de juros à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento.
Alegou para o efeito, em síntese, o seguinte: que tinha os danos próprios do seu veículo cobertos por um seguro celebrado com a ré, seguro que ainda cobria um complemento de 20% do valor venal do veículo à data do sinistro em caso de perda total; que o seu veículo sofreu, em consequência de um acidente, danos; que a seguradora concluiu pela perda total do veículo; o veículo tinha, à data da apólice, o valor de 47.320€ + 9400€ relativos a extras, o que dá o total de 56.720€; à data do sinistro o veículo tinha 51 meses; durante os 5 meses de vigência da apólice o veículo desvalorizou-se 2,40%, ou seja, 1361,28€; os salvados valem 10.800€; pelo que, no âmbito desta cobertura, a seguradora tem de pagar 56.720€ - 1361,28€ - 10.800€, o que dá 44.558,72€.
A que deve acrescer o complemento de 20% sobre o valor do veículo com extras descontado da desvalorização (56.720€ - 1361,28€ = 55.358,80€), ou seja, 11.071,75€.
A ré, citada a 22/10/2009, contestou, excepcionando a incompetência territorial e, no mais impugnando e excepcionando, sem destrinçar (e para se ver que assim é e também para se ver em que medida é que foram ou não cumpridos os ónus de que se falará abaixo, passa-se a transcrever o essencial da contestação): trata-se de caso muito complexo, que tem de ser devidamente esclarecido, até por envolver suspeitas de ilícito; foi, exactamente, por não ser possível aceitar que se está face a um acidente casual, coberto por um seguro celebrado sem declarações inexactas que a contestante se viu na contingência de ter de declinar a responsabilidade; acresce que só por via de hipotética condenação judicial a contestante pagará a indemnização ao autor, depois de averiguadas no âmbito do processo, todos os contornos da situação, quer no tocante à celebração do contrato de seguro, quer no que respeita à ocorrência do acidente; na presente acção está apenas em causa a validade e exigibilidade da vertente facultativa do contrato, respeitante a danos próprios; assim, no mesmo e nessa vertente, são aplicáveis não só a exclusão genérica de falsas declarações geradoras de nulidade de seguro (ut. art. 429 do Código Comercial), mas também as exclusões específicas previstas nas condições gerais da apólice (ut. arts 6 e 36); o veículo em causa, Mercedes CLS 350, topo de gama de alta cilindrada, com a matrícula 00-00-ZJ, pertencia à “C” Comércio de Peças, Lda, da qual o autor é prestador habitual e permanente de serviços; à mesma “C”, da qual é sócio gerente “D”, pertencia, também, um outro veículo Mercedes SL 500 de matrícula 00-00-SZ, igualmente de alta cilindrada e topo de gama; ambos os veículos Mercedes estiveram seguros, separadamente, pela Apólice nº. ... da contestante, quanto a danos próprios, sendo tomador do seguro a “C”; em Dezembro de 2008 e Janeiro de 2009, foi comunicado que ambos os veículos teriam sido vendidos pela “C” ao prestador de serviços “A”, e ao sócio gerente “D”, que efectivaram novos e similares contratos de seguro individualizados, quanto a danos próprios; significativamente, em ambos os contratos foi proposta uma cláusula pouco usual de agravamento complementar de 20% em casos de perda total; esta similitude de procedimentos, já de si suspeita, tornou-se inaceitável face à circunstância de ambos os veículos terem sido objecto de acidentes em tudo idênticos, conduzidos pelos elementos ligados à “C”, tendo sucessivamente chocado, por invocados despistes, contra pinheiros marginais na mesma semana de 9 a 13 de Maio de 2009; tais choques são inexplicáveis em termos de experiência e senso comuns; não é fácil aceitar que um profissional experiente e encartado desfizesse um carro de luxo e alta segurança no dia 08/05/2009, numa estrada fácil, sem álcool e em dia de bom tempo; e muito menos fácil de explicar se torna ao constatar que o acidente paralelo, ocorrido com o outro Mercedes tivesse muito igual destino ao chocar, no dia 13/05/2009, contra um pinheiro, conduzido, de dia e numa estrada lenta, por um condutor experiente e sem álcool; todavia, as coincidências não ficam por aqui… com efeito, qualquer dos citados contratos de seguro foi feito pelos valores altíssimos, sendo o do veículo invocado pelo autor, por 56.720€ e o do seu patrão por 66.595€, muito superiores aos do mercado e empolados, com a similar invocação de pretensos extras, não sendo os mesmos compatíveis com a realidade do mercado; segundo a Eurotax, tabela referência do mercado de veículos usados, os valores reais não excediam, respectivamente, 48.500€ para o do autor e 60.000€ para o outro, tendo assim a contestante sido induzida em erro; acresce que sendo o autor, tal como seu patrão, profissionais do ramo e sócios ou colaboradores de stands na zona de ..., utilizando veículos de topo de gama, não desconhecem o desajustamento dos valores, obviamente tendente a conseguir um negócio altamente vantajoso e, porventura, útil na conjuntura do mercado; é esta situação que torna inevitável o recurso a uma decisão judicial, uma vez que só através do tribunal se conseguirá o indispensável exame à escrita da sociedade vendedora, que permitirá conhecer qual o valor de venda e de inventário dos veículos e estimar a dimensão do lucro que haveria em vista conseguir; acresce que a contestante se viu obrigada a comunicar ao Instituto de Seguros de Portugal o que se está a passar, em vista a prever a repetição destas situações; por outro lado, e quanto aos valores, é óbvio que o acidente pode ter afectado o veículo, mas não teve incidência sobre a maioria dos extras, amovíveis, pelo que jamais seria aceitável a quantificação do prejuízo feito pelo autor; espera a contestante, através das diligências probatórias, conseguir através dos presentes autos, completar a averiguação das circunstâncias determinantes da situação; de qualquer forma, deve ser julgada procedente a excepção de incompetência territorial e, sempre, uma vez que não comprovado o carácter fortuito e não intencional do acidente, julgada improcedente e não provada a acção.
Replicou o autor, impugnando alguns dos factos alegados pela ré, designadamente que o de que o autor tenha sido empregado ou sócio da “C” e afirmando que o veículo seguro foi avaliado pelos serviços da ré antes da celebração do contrato de seguro.
Depois do julgamento foi proferida sentença julgando totalmente improcedente a acção.
O autor recorreu desta sentença – para que a decisão recorrida seja substituída por outra que julgue a acção procedente por provada - terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: c. Não pode o recorrente concordar com a argumentação expendida na sentença que se mostra deveras tautológica, não se aceitando que se faça a distinção entre “embate” e o acto dinâmico e consequente que é “ficou embatido”.
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O tribunal procedeu à aglutinação do quesitado na base instrutória sob os quesitos 1 a 3, de modo a eliminar o conceito de “acidente” e o subsequente “choque”.
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Acresce que o quesito 4 foi de igual modo, simplificado.
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Não se pode aceitar que o tribunal, a seu bel prazer, reescreva os quesitos, numa manifesta tentativa de poder assim suportar a tese surrealista da ré de que estaríamos perante um conluio entre o autor e um outro terceiro, tendo o acidente sido simulado.
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O raciocínio expendido padece de um inegável vício, violador do preceituado no art. 653/2 do CPC, uma vez que, referindo-se “Para a resposta aos quesitos 1º a 3º o tribunal considerou acessória e instrumentalmente os documentos de fls. 188, 189, 208 a 219 e, em particular, de fls. 227 a 246v, conjugadamente com os depoimentos das testemunhas da ré” não são, todavia, especificados os factos narrados ou sequer as afirmações proferidas por tais testemunhas, decisivos para a concretização da resposta dada a tais quesitos.
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Estranha-se tal entendimento, porquanto nenhuma das testemunhas da ré assistiu ao acidente, não se percebendo o que possam ter referido que contradiga a versão apresentada pelo recorrente.
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Os depoimentos das testemunhas do recorrente que efectivamente acorreram ao local do sinistro foram bastante esclarecedores, não permitindo segundas interpretações do que aconteceu naquela madrugada.
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O facto de ser de noite e de, portanto, não haver luz natural, empobrece os depoimentos.
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Não se pode aceitar que se considere que a descrição do Sr. agente da GNR “F” foi “parca, vaga e inconcludente”.
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Não se compreende o que possa ter levado o Tribunal a “desconsiderar os depoimentos das testemunhas do autor - que, assinale-se, não presenciaram o embate – nos segmentos em que empolaram as consequências do embate, quer para o próprio autor, quer para o veículo”.
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Rejeitam-se peremptoriamente as conclusões retiradas dos depoimentos, porquanto as mesmas demonstram uma inaceitável desconfiança do julgador, que, não se esqueça, deve ser um terceiro imparcial.
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Há que atender aos esclarecimentos prestados pelo Sr. agente da GNR “F” – CD1 12.01.2012, 10:10:23 // 10:24:05 - que refere inclusivamente a ocorrência de acidentes com vitimas mortais na estrada em questão.
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O depoimento do Sr. “G” - CD1 12.01.2012, 10:46:23 // 11:02:58 -, franco e honesto, pouco preciso até em alguns pontos que denota a veracidade e espontaneidade do relatado, torna-se evidente o mau estado em que o veículo ficou, levando a testemunha a temer pela saúde do recorrente.
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A testemunha “H” - CD1 12.01.2012, 11:02:58 // 11:15:55 - cabalmente relatou o que viu naquela noite, não restando quaisquer dúvidas quanto aos danos sofridos pelo veículo.
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As declarações das testemunhas infirmam o expendido na sentença quando se refere “temos por certo e inequívoco não ter o autor logrado fazer prova da ocorrência de facto fortuito causal dos danos...
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