Acórdão nº 1247/08.7TBFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Setembro de 2008
Magistrado Responsável | TELES PEREIRA |
Data da Resolução | 23 de Setembro de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1. A....
(Requerente e neste recurso Apelante) requereu o presente procedimento cautelar de arrolamento, em 06/05/2008[1], contra B...
, C...
e D...
(Requeridos[2]), invocando ter celebrado com a primeira Requerida o “Contrato de Aluguer de Viatura nº 5355” (junto a fls. 14/16), respeitando este ao “aluguer” (por 54 meses) da viatura Nissan Navara ostentando a matrícula X...., mediante a contrapartida mensal de €511,35, a pagar pela referida Requerida até ao dia 4 de cada mês posterior à celebração do contrato, valor do qual, nesse mesmo contrato, se instituíram garantes os restantes dois Requeridos.
Tendo a primeira Requerida falhado logo o pagamento da segunda prestação (a de Agosto de 2007), persistindo nos subsequentes meses nesse não cumprimento – e não tendo os dois outros Requeridos, accionada que foi a garantia por eles prestada, satisfeito os valores em dívida –, pretende a Requerente – que entretanto resolveu o contrato – o arrolamento do veículo, imputando à primeira Requerida a persistência no uso da viatura, “[…] provocando-lhe desgaste e desvalorizando-a […]” (artigo 31º do requerimento inicial), invocando adicionalmente a Requerente – e estamos a reproduzir os exactos termos por ela empregues no requerimento inicial – “[…] t[er] fundado receio que [a] primeir[a] Requerida jamais entregue a viatura automóvel […]” (transcrição de fls. 10).
1.1.
Inquiridas as testemunhas oferecidas pela Requerente (acta de fls. 32/33), foi proferida, contendo preambularmente a fixação fundamentada dos factos provados e não provados, a Sentença de fls. 34/50 (paginação corrigida), julgando improcedente o procedimento cautelar e que constitui a decisão objecto deste recurso[3].
Para alcançar tal resultado, entendeu-se inadequado à situação o arrolamento e, aceitando-se a possibilidade abstracta de convolação deste para um procedimento cautelar comum (porventura o adequado), consideraram-se não alegados “[…] quaisquer factos que redundem num efectivo perigo conducente a que a espera pela acção principal redunde num fracasso pelo decurso do tempo” (transcrição de fls. 48).
1.2.
Inconformada apelou a Requerente (fls. 74), motivando o recurso a fls. 75/87, formulando, a rematar essa motivação, as seguintes conclusões: “[…] A. Foi considerado na douta Sentença [de] que aqui se recorre, que não seria o arrolamento o procedimento cautelar adequado a satisfazer as pretensões da Requerente, aqui Apelante, mas sim «um procedimento cautelar comum onde seja requerida a entrega a um fiel depositário».
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Fundamentando tal opção afirma-se na Sentença […]: «com efeito, apenas reflexamente a Requerente pretende evitar o extravio e desvalorização do veículo, dado que o que efectivamente pretende é a sua restituição para voltar a dá-lo de aluguer».
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Salvo o devido respeito, não é correcto o entendimento plasmado na douta sentença, quanto a este assunto.
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Em primeiro lugar porque, é irrelevante o destino que a Recorrente vai dar à viatura automóvel em causa nos autos.
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Isto porque, tendo sido, como foi e abaixo melhor se verá, operada a rescisão do contrato de aluguer, motivos não subsistem para que a Recorrida mantenha em sua posse a viatura do Recorrente.
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Logo, sendo a viatura da Recorrente e não estando obrigada a ceder o seu gozo ou utilização à Recorrida, é direito da primeira dispor da referida viatura, seja para que fim for.
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Sobretudo se atendermos a que, mesmo que a viatura esteja parada e ainda que a Requerida proceda às necessárias revisões e manutenções, o que de todo parece aceitável, a referida viatura continua a sofrer desvalorizações pelo simples decorrer do tempo.
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Desvalorizações essas que conformam avultados prejuízos para a Recorrente I. Visto que quantos mais anos a viatura estiver sem ser vendida, ou de novo alugada, maior vai ser a desvalorização que esta vai sofrer, independentemente do uso dado pela Recorrida.
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Mais, é um facto notório que a viatura continua a ser utilizada pela Recorrente, e que se esta não está disponível para pagar a renda do aluguer, ainda menos estará para gastar um cêntimo que seja na manutenção da mesma.
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Independentemente desta polémica, há algo que é certo: quanto mais tempo a viatura estiver na posse da [Requerida], mais aquela será desvalorizada, já que pelo simples decorrer do tempo as viaturas automóveis vêem o seu valor substancialmente reduzido, sendo tal facto independente das condições em que a mesma se encontra.
L. Pelo que, se a acção principal demorar, como habitualmente acontece, dois ou três anos a ser julgada, irá fazer com que a viatura automóvel, quando for entregue à Recorrente, já não terá qualquer valor comercial relevante.
[…] M. Não foi dado por provado que tenha sido rescindido o contrato de aluguer, em virtude de não ter ficado provada a recepção da carta, junta aos autos no requerimento do procedimento cautelar como doc. 2 pela [Requerida].
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No referido doc. 2, constituído pela carta de interpelação para cumprimento e de rescisão de contrato, enviada pela Apelante à [Requerida], deveria ter sido junto o respectivo comprovativo do aviso de recepção, o que não se fez por se considerar manifestamente desnecessário.
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Contudo, após a leitura da douta sentença, pode-se constatar que o Tribunal considerou tal documento fundamental, pelo que só agora se tornou necessária a sua junção.
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Assim, nos termos do artigo 693º-B a Apelante vem juntar aos autos, como doc. 1, o respectivo aviso de recepção da carta por si enviada à [Requerida], documento esse que se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
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Com a junção do referido doc. 1, deve ser dado por provado que a [Requerida] recebeu a carta, junta como doc. nº 2 no requerimento do procedimento cautelar, pelo que o contrato de aluguer foi devidamente resolvido, tendo por base o incumprimento contratual da [Requerida].
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Encontrando-se o contrato devidamente resolvido, não subsistem razões para não acautelar o direito da Apelante a dispor livremente dos seus bens, sobretudo se, não sendo atendido o presente requerimento de procedimento cautelar, se vier a lesar gravemente e irremediavelmente a Apelante, em virtude de mais delongas processuais.
[…] S. Existe, por tudo o que já foi dito, tanto na presente peça processual, como no requerimento do procedimento cautelar, justo receio da Recorrente que a viatura automóvel se «dissipe» ou até mesmo que desapareça de todo.
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Contrariamente ao afirmado na douta Sentença [de] que aqui se recorre, tal dissipação ou eventual ocultação não é um risco próprio da actividade da Apelante.
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Até porque, ao longo de mais de 10 anos de existência a Recorrente nunca perdeu uma […] viatura.
V. A Recorrente contrata sempre de boa fé, pelo que não lhe é possível prever que irá perder as viaturas que dá ao aluguer.
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Até porque, reiterando o que se disse, tal nunca aconteceu.
X. É séria e irremediável a ameaça que paira sobre a viatura automóvel da Apelante.
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E, indiciariamente, é evidente que a [Requerida] continua a fazer a utilização da viatura, nos termos que sempre fez, ou, diz a experiência da Recorrente, de forma mais negligente e sem nunca proceder às revisões e manutenções, o que ainda acentua mais a desvalorização da viatura.
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Pelo que, ainda que se entenda não ser o procedimento cautelar de arrolamento o […] indicado a acautelar os legítimos interesses da Recorrente, deve ser decretada a apreensão da viatura, visto estarem preenchidos todos os requisitos legais para que tal aconteça.
AA. Com efeito, não pretende a Recorrente mais que assegurar a devida eficácia da decisão a proferir no âmbito da acção principal à qual os presentes autos estão apensos.
BB. Isto porque, atendendo à habitual demora na obtenção de sentença judicial, no âmbito da acção principal, é posto de forma séria em causa o direito da A. a dispor da sua viatura, nomeadamente para os fins que a adquiriu, para alugar.
CC. Afirma-se na douta Sentença […] que não se pode retirar dos autos a existência d[e] periculum in mora.
DD. Não se podendo com tal afirmação conformar a Recorrente.
EE. Até porque, no presente caso o periculum in mora resulta de factos notórios e concretos e da própria experiência comum.
FF. Mais, independentemente da utilização ou não da viatura, ou da realização das manutenções por parte da [Requerida], é evidente que, ainda que parada e resguardada da acção dos «elementos», por força das práticas comerciais do ramo, esta se encontra a desvalorizar a cada dia que passa.
GG. Já para não se indagar aqui novamente, relativamente ao facto de uma viatura automóvel, mesmo que parada, se deteriora e desvaloriza.
Assim, HH. Deve ser decretado o arrolamento da viatura já descrita nos autos, em virtude de existir sério risco de, aguardando pela decisão da acção principal, esta venha a perder a sua eficácia, lesando-se a aqui Recorrente com tal demora, tendo em consideração a permanente dissipação e o sério risco de extravio, ou mesmo ocultação, da referida viatura.
[…]” [transcrição de fls. 82/87] II – Fundamentação 2.
Apreciando a apelação, cujo âmbito objectivo foi delimitado pelo Apelante através das conclusões acima transcritas (artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC), constata-se estar em causa – constituindo o primeiro fundamento do recurso – (1) a pretensão de alteração de um segmento dos factos provados, em função da junção de um documento com as alegações (alínea Q das conclusões). Adicionalmente – e este constitui o segundo fundamento do recurso –, (2) visa a Apelante o reequacionar do julgamento do procedimento cautelar, refira-se este ao arrolamento ou a um procedimento comum (a tal respeito, centra a Apelante a discussão na verificação do requisito geral do periculum in mora).
2.1.
Começando pelo primeiro fundamento (1) acabado de enunciar, sublinha-se a repercussão deste na definição dos factos provados e, consequentemente, a prioridade que ele apresenta relativamente à...
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