Acórdão nº 0814991 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelJOAQUIM GOMES
Data da Resolução24 de Setembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso n.º 4991/08-1 Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunto: Jorge França.

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto.

  1. RELATÓRIO.

  1. - Na Inquérito n.º .../08.9GDSTS dos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal de Santo Tirso, ..º Juízo Criminal, em que são: Recorrente: Ministério Público.

    Recorrido/Arguido: B.......... .

    foi proferida decisão em 2008/Mai./19, a fls. 28/29 deste apenso que não julgou válido o despacho proferido pelo Ministério Público de sujeição dos autos a segredo de justiça.

  2. - O Ministério Público interpôs recurso deste despacho em 2008/Mai./28, a fls. 2-26 deste apenso, em que suscita a desaplicação, por inconstitucionalidade, da norma do n.º 3, parte final, do art. 86.º, do C. P. Penal, ou assim, não se entendendo, validada aquela determinação, concluindo: 1.º - A Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, com as alterações introduzidas na discussão na Assembleia da República, mudou radicalmente o paradigma anterior e constitucionalmente adequado no que se refere à conformação do segredo de justiça.

    1. - Designadamente quando passou a dispor que, por regra, o inquérito é público, salvo decisão irrecorrível do juiz de instrução que ordene o segredo externo do processo e que no caso excepcional da determinação da submissão do segredo de justiça pelo M.º P.º., esta fica sujeita à validação pelo juiz de instrução.

    2. - O segredo de justiça tutela(va) a integridade e a eficácia da investigação, do ponto de vista do CPP e do interesse público no exercício da acção penal que transporta, prescrevendo então (e agora) o n.º 1 do art. 355.º do CPP que «não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em julgamento» 4.º - A exclusão da publicidade do processo preliminar (o segredo de justiça), num processo de natureza acusatória, mas nessa fase sujeita ao princípio do inquisitório, protegia, pois, do ponto de vista da estrutura, dos conceitos e dos fins, a investigação.

    3. - E foi esse o sistema quando foi constitucionalizado expressamente o segredo de justiça, com a LC n.º 1/97, do segredo de justiça no n.º 3 do art. 20.º («3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.»). Essa era a matriz do segredo de justiça ao tempo da sua constitucionalização.

    4. - A adopção pela Lei n.º 48/2007 de um regime que só, por excepção, admite salvaguardar a relevância primordial da exclusão da publicidade para a integridade da investigação e que faz depender essa excepção não só do responsável funcionalmente pelo inquérito, o Ministério Público, com grave prejuízo da sua função constitucional mas sim pelo juiz de instrução, desenquadrado das suas funções de garantia e protecção de direitos fundamentais a que está vinculado, na procura de equilíbrio entre valores em conflito e que, portanto deveria estar afastado dos resultados da investigação, da sua eficácia, viola a adequada protecção do segredo de justiça (n.º 3 do art. 20.º) e a função constitucional do Ministério Público (art. 219.º) 7.º - É, pois, a norma do n.º 3 do art. 86.º do CPP, inconstitucional por desrespeito do n.º 3 do art. 20.º da CRP, por não constituir adequada protecção do segredo de justiça, na medida em que faz depender a validade da sua determinação pelo Ministério Público da concordância do juiz de instrução, o que viola igualmente os art.ºs 219.º e 32.º, n.º 5 da CRP: o princípio do acusatório e o papel constitucional do Ministério Público.

    5. - Deve, assim, desaplicar-se a parte final da norma do n.º 3 do art. 86.º do CPP, quando sujeita a validação pelo juiz da determinação pelo Ministério Público da aplicação ao processo do segredo de justiça, quando os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, por inconstitucional.

    6. - Tratando-se de um inquérito por eventual crime de maus-tratos, em que o Ministério Público, em obediência a Directiva do Procurador-Geral da República, determinou a aplicação do segredo de justiça, não pode nem deve o Juiz de Instrução Criminal, sem mais, não validar essa determinação.

    7. - Com efeito não pode ignorar as indicações sobre politica criminal constantes das Leis Lei n.º 17/2006 de 23 de Maio e as funções que nesse âmbito atribui ao Ministério Público e ao Procurador-Geral da República e os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2007-2009 (Lei n.º 51/2007), entre os quais se situa a prioridade e eficácia na investigação dos crimes de maus tratos e da promoção da protecção das vítimas especialmente frágeis.

    8. - Assim, e a Directiva invocada pelo Ministério Público no despacho de aplicação do segredo de justiça, apresenta-se também, face às dificuldades criadas pela Lei n.º 48/2007, como um instrumento de concretização dos objectivos da politica criminal, estabelecidos para este biénio e não como um acto voluntarista, infundamentado e desproporcional, que a decisão recorrida pudesse ignorar, apesar do papel que desempenhara no falado despacho não validado.

    9. - A Directiva teve em conta as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/207 em fase de investigação, que justificam, pelas implicações na forma como o Ministério Público deverá dirigir o inquérito e exercer a acção penal, a adopção de orientações adequadas a garantir uma actuação uniforme desta magistratura, tendo em conta o seu carácter unitário e hierarquizado, designadamente quanto ao segredo de justiça quando visam, como no caso, crimes cuja investigação eficaz é prioritária, não só pelo perigo de reincidência que significam, como pelas lesões das vítimas vulneráveis, cuja protecção foi tida igualmente como prioritária.

    10. - O Juiz de instrução criminal, ao validar ou não o segredo de justiça cuja aplicação foi determinada pelo Ministério Público, não pode deixar de ter presente que se trata exactamente de "validar" e não de "determinar" (o que já foi feito), o que postula atitudes e competências diferentes.

    11. - Ao Ministério Público compete, apreciando os parâmetros legais e tendo presente que está num domínio e numa fase de investigação cuja condução lhe pertence, determinar se a aplicação do segredo de justiça é necessária à investigação, à protecção da vítima ou do arguido, e não é excessivamente onerosa.

    12. - Ao juiz de instrução não compete, ao validar essa determinação substituir-se ao Ministério Público no juízo que a este cabe, mas com bom senso e parcimónia, verificar se do seu ponto de vista de juiz das liberdades, existem elementos concretos que permitam afirmar o carácter excessivamente gravoso, desproporcionado daquela determinação.

    13. - Ora, a decisão recorrida extravasa esse controlo, substituindo-se à apreciação do Ministério Público, no seu próprio campo, sem tomar em consideração a Directiva invocada por este, e os objectivos da política criminal.

    14. - Na verdade, a responsabilidade indeclinável do juiz de instrução tem a ver com o equilíbrio e a ponderação entre as exigências da investigação (aceitando, à partida, que essas exigências são como o Ministério Público as configura), por um lado, e o direitos de defesa do arguido, por outro lado; e não o juízo e ponderação a respeito dos interesses da investigação, por si só.

    15. - Nessa ponderação entre os interesses da investigação encabeçados pelo Ministério Público e os direitos de defesa do arguido, deve ter em conta se está perante situações reais de perigo de lesão grave destes direitos, como acontece no caso de aplicação de medida de coacção de prisão preventiva, ou se não o sendo, os direitos de defesa do arguido têm um peso menor, por não comprometidos por espera por fases ulteriores do processo, essas sim já dominadas pelo princípio do contraditório.

    16. - A decisão recorrida mostra-se insuficientemente fundamentada, pois funciona numa óptica reactiva de transferência de uma execução incomportável para o Ministério Público. Entrando num criticismo processual que lhe não cabe invadindo a função constitucional do Ministério Público.

    17. - Por todas estas razões deveria o M.º Juiz a quo ter validado a determinação do Ministério Público de aplicar ao presente inquérito o segredo de justiça.

  3. - O despacho recorrido foi sustentado em 2008/Jul./21, a fls. 133-142, do apenso, referindo-se em síntese: "Não se pode partir de certas situações de crime catálogo e de considerações abstractas e genéricas, teóricas mesmo, para se sujeitar a segredo de justiça um Inquérito e, em específico o presente Inquérito, devendo proceder-se a uma análise casuística; efectuada tal análise no caso dos autos, nada nos permite concluir pela necessidade ou adequação do despacho do Ministério Público, não estando o JIC limitado no despacho a proferir nos termos do art.º 86.º, n.º 3, parte final do Código de Processo Penal, não integrando esta norma qualquer inconstitucionalidade, antes sopesando de forma harmoniosa interesses e direitos constitucionais, não havendo, ainda, qualquer, diligência de Inquérito em curso cujo êxito dependa da manutenção dos autos em situação de segredo de justiça." 4.- Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer em 2008/Jul./29, a fls. 145-151, expressando a sua concordância com a substância da argumentação do recurso, aditando, no essencial, que o juiz de instrução sempre poderia inteirar-se convenientemente da matéria sob investigação para aferir da justificação ou não da vinculação destes autos ao segredo de justiça, não deixando de notar o pouco rigor legislativo da abrangência do conceito dos "interesses de investigação", relembrando ainda o voto de vencido proferido no Ac. R. Porto de 2008/Mai./28.

  4. - Colheram-se os vistos legais, nada obstando que se conheça do presente recurso.

    *O objecto deste recurso relaciona-se com a inconstitucionalidade do art. 86.º, n.º 3, parte final, do Código Processo Penal e, caso assim não suceda, com a verificação dos pressupostos legais para a validação do decretamento do segredo de justiça.

    * * *II.-...

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