Acórdão nº 652/03.0TYVNG-R.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Março de 2013

Magistrado ResponsávelARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Data da Resolução07 de Março de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação Processo n.º 652/03.0TYVNG-R.P2 [Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I.

Por apenso ao processo de falência da sociedade B…, LDA.

, sociedade comercial por quotas, NIPC ………, com sede em …, Matosinhos, veio C…, solteira, com o BI nº ……. e NIF ………, residente em Vila Real, instaurar contra a MASSA FALIDA da referida sociedade, os CREDORES DA MASSA FALIDA e a própria FALIDA, acção declarativa com processo comum para verificação ulterior de créditos ou de outros direitos.

Para o efeito, alegou que em 9 de Maio de 2003 celebrou com a B…, Lda. um contrato-promessa de uma fracção num empreendimento que esta estava a construir, tendo pago o sinal de €50.000,00. Em Novembro desse ano a promitente-vendedora entregou à autora as chaves da fracção, tendo a autora passado a usá-la e frui-la de modo exclusivo, publica e pacificamente. Perante o incumprimento da promitente-vendedora da obrigação de celebração da compra e venda prometida, em Setembro de 2007 a autora instaurou uma acção judicial pedindo a sua condenação a restituir-lhe o sinal em dobro, acção que veio a terminar mediante transacção judicial na qual a ré confessou os factos alegados pela autora e esta desistiu da instância em relação aos seus pedidos. Na altura a autora efectuou ainda um reforço do sinal no valor de €2.950,00 e continuou a ocupar e usar a fracção, pese embora esta se encontrar ainda inacabada. Sobre a fracção encontram-se ainda inscritas duas hipotecas a favor de terceiro. Entretanto a promitente-vendedora foi declarada falida e a fracção prometida vender foi apreendida no processo de falência e colocada à venda pelo administrador judicial, o qual não cumpriu o contrato-promessa.

A terminar a autora formulou os seguintes pedidos: A.1] ser proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial em falta substituindo-se a 1ª R. e a 3ª R. pela autora na titularidade na titularidade da fracção objecto da promessa.

A.2] declarando-se transferida a favor da autora tal fracção; A.3] declarar-se que as 1ª e 3ª RR. são responsáveis e devedoras para com a autora do valor que se vier a apurar a título de prejuízos patrimoniais pelos trabalhos em falta na fracção; A.4] declarar-se que assiste o direito da autora de se livrar da sua obrigação de pagar a parte do preço em falta por compensação com esse valor a apurar; A.5] serem os RR. condenados a reconhecer os pedidos formulados em A.1] a A.5; A.6] Propondo-se a autora pagar o preço ainda em dívida no valor que se vier a apurar na fase de instrução por prova mediante perícia técnica; A.7] Serem as 1ª e 3ª RR. condenadas a entregar à autora os montantes dos débitos garantidos pelas hipotecas voluntárias e arresto inscritos no registo sobre a fracção, para efeitos de expurgação de tais ónus os encargos ou o valor neles correspondente à fracção, mais juros respectivos vencidos e vincendos, até pagamento integral; A.8] Declarar-se a extinção e o levantamento da apreensão da fracção no processo de falência; A.9] Serem as RR. condenadas a reconhecer o pedido formulado em A.7]; Caso estes pedidos não obtenham vencimento: B.1] Seja reconhecido o incumprimento do contrato-promessa pela 1ª e 3ª RR.; B.2] Sejam as 1ª e 3ª RR. condenadas no pagamento à autora da quantia de €105.900, a título de devolução do sinal em dobro, e respectivos juros desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; B.3] Declarar-se que a autora é titular do direito de retenção da fracção; B.4] Serem as RR. condenadas a reconhecer o pedido formulado em B.1] a B.3].

Caso estes pedidos não obtenham vencimento: C.1] Declarar-se que a A exerce os poderes de facto sobre a fracção a título de posse, actuando por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade; C.2] Declarar-se a separação ou, caso assim não se entenda, a restituição da fracção autónoma e dois lugares de garagem dos autos à autora; C.3] Serem as RR. condenadas a reconhecer os pedidos formulados em C.1] e C.2], e, em consequência, a procederem à separação ou, caso assim não se entenda, à restituição da fracção à autora, abstendo-se de por qualquer via, forma ou meio perturbarem, impedirem ou impossibilitarem o exercício da posse sobre a fracção autónoma e dois lugares de garagem por parte da autora; C.4] Declarar-se a extinção e o levantamento da apreensão da fracção no processo de falência; C.5] Serem as RR. condenadas a reconhecer o pedido formulado em C.3].

A acção foi contestada apenas pela ré Massa Falida, a qual não se pronunciou sobre os factos alegados e excepcionou apenas a caducidade do direito de acção, com o fundamento de que esta foi instaurada mais de um ano após o trânsito em julgado da declaração de falência.

Findos os articulados, o Tribunal proferiu despacho saneador no qual, conhecendo da excepção da caducidade, decidiu que “caducou o direito da autora propor a presente acção para separação e restituição…, pelo que, também por este motivo, julgo improcedente a acção por extemporânea.” Dessa decisão foi interposto recurso pela autora e, conhecendo do recurso, este Tribunal da Relação do Porto decidiu revogar “o despacho recorrido, na parte em que nele se decidiu julgar procedente a excepção peremptória da caducidade no que tange ao pedido de substituição e/ou restituição de bens, devendo por isso, os autos prosseguir a sua tramitação” Regressados aos autos à 1.ª instância foi proferida sentença, na qual sem qualquer fundamentação se decidiu julgar “a acção procedente e, consequentemente, procedente o pedido principal formulado, com a consequente restituição à autora do imóvel em causa e a sua separação da massa falida.

” Do assim decidido, veio agora a ré Massa Falida interpor recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: A. Nos termos do disposto no art. 164º-A, nº 1, do CPEREF, com a declaração de falência, extingue-se o contrato promessa, sem eficácia real e ainda não cumprido, celebrado pelo falido; B. À parte não falida nesse contrato promessa, não assiste o direito à execução específica; C. O contrato promessa celebrado entre a Autora e a Falida extinguiu-se com a declaração de falência desta; D. O pedido principal formulado pela Autora … pressupõe a existência do direito à execução específica por parte da Autora, assim como a sua procedência; E. Ao julgar este pedido como procedente, a Mma. Juiz a quo, decide expressamente contra a lei, concedendo à Autora um direito que a lei lhe nega especificamente; F. A ausência de impugnação dos factos da petição inicial … nunca implica confissão quanto à matéria de direito, devendo o juiz decidir sempre com respeito pela lei vigente; G. Deve igualmente improceder o primeiro pedido subsidiário formulado, [em B.], uma vez que este pressupõe a titularidade de um direito de retenção da Autora sobre a fracção; H. Só há direito de retenção, quando há um direito de crédito a garantir com a retenção da coisa; I. A Autora não é titular de qualquer crédito verificado ou reconhecido sobre a falida ou sobre a Massa Falida; J. Mais ainda, a ora Recorrente, na contestação à presente acção, alegou expressamente a caducidade do direito da Autora reclamar créditos, ainda que em verificação ulterior, nos termos do art. 205º do CPEREF; K. A caducidade do direito da Autora a reclamar créditos foi julgada procedente na primeira sentença proferida nos presentes autos, sendo certo que a Autora não recorreu quanto a essa parte da decisão; L. Deve igualmente ser julgado improcedente o segundo pedido subsidiário formulado, [em C.], pois que a Autora é uma mera detentora, por tolerância do promitente-comprador, e não uma possuidora; M. À Autora falta o chamado animus, o que só surgiria no caso de ter invertido o título da posse, sendo manifesto, pelos vários factos alegados e pelos pedidos formulados, que tal não aconteceu.

N. A douta sentença recorrida viola … o disposto no art. 164º-A, nº 1 do CPEREF, devendo ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente o pedido.

A recorrida respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Questões a resolver: Devidamente interpretadas e colocadas na correcta sequência lógica, as alegações de recurso colocam este Tribunal perante o dever de resolver as seguintes questões: i) Qual é o objecto do recurso.

ii) Se a autora goza do direito à restituição do imóvel que lhe foi prometido vender apenas em virtude de ter celebrado com a entretanto falida um contrato-promessa que o teve por objecto.

iii) Se a autora anda na posse do imóvel e por isso pode exigir judicialmente a manutenção dessa situação opondo-se à apreensão do imóvel na falência.

iv) Se o direito de retenção emergente do não cumprimento de um contrato promessa sem eficácia real mas em que houve tradição da coisa objecto do contrato prometido obsta à apreensão da coisa no processo de falência e á sua posterior venda livre de ónus e encargos.

III.

Embora não elencados na sentença recorrida, devem considerar-se provados, por falta de impugnação e por documentos autênticos, os seguintes factos alegados na petição inicial: 1] No dia 9 de Maio de 2003, a autora celebrou com a B…, Lda. um contrato escrito que denominaram “contrato-promessa de compra e venda”.

2] Nesse contrato, a B… declarou que no âmbito da sua actividade industrial estava a levar a cabo, na … – Lote ., em Vila Real, um empreendimento habitacional composto por apartamentos e comércio, a constituir em propriedade horizontal.

3] Para tal construção, a B… estava devidamente autorizada mediante licença camarária com o número …/2001 da Câmara Municipal ….

4] Pelo dito contrato, a B… prometeu vender à autora, livre de ónus e encargos, e esta prometeu comprar o apartamento T3, Bloco A – 1D, fracção C, com dois lugares de garagem, daquele empreendimento.

5] A prometida venda foi feita...

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