Acórdão nº 0843685 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelOLGA MAURÍCIO
Data da Resolução17 de Setembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 3685/08 ../05.0IDVRL - tribunal judicial de Vila Pouca de Aguiar Relatora: Olga Maurício Acordam na 2ª secção criminal (4ª secção judicial) do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO 1.

No tribunal judicial de Vila Pouca de Aguiar, no âmbito do processo acima identificado, foram os arguidos B.......... e C.........., Lda., acusados da prática, em autoria material e na forma consumada, o primeiro de dois crimes de fraude fiscal qualificada e um crime de falsificação de documento, previstos e puníveis, respectivamente, pelo art. 104º, nº 1 e 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias e 256º, nº 1, al. c) do Código Penal, e a arguida C.........., Lda de dois crimes de fraude fiscal qualificada, previstos e puníveis pelos art. 7º, nº 1, e 104º, nº 1 e 2, do Regime Geral das Infracções Tributárias.

No início da audiência de discussão e julgamento os arguidos requereram a suspensão do processo, ao abrigo do art. 47º, nº 1 do R.G.I.T., até os recursos hierárquicos interpostos dos despachos de indeferimento das reclamações graciosas deduzidas contra os actos tributários de liquidação adicional de I.R.C. e de I.V.A., resultantes dos factos referidos na acusação, estarem decididos.

Por despacho de 7 de Janeiro passado o pedido foi indeferido por se entender que o apuramento do eventual imposto em dívida era irrelevante, uma vez que o que estava em causa era apurar se houve utilização indevida de facturas pelos arguidos.

Realizado o julgamento foi decidido: «

  1. Condenar o arguido B.......... pela prática em autoria material de: - um crime de fraude fiscal qualificada do art. 104º, nº 1, d) e e) e nº 2, da Lei 15/01, de 5.06, na pena de prisão de 15 (quinze) meses de prisão.

    No entanto, o tribunal colectivo considera que a simples ameaça da execução da pena de prisão satisfaz as exigências de prevenção geral e especial, pelo que se suspende a execução da aludida pena da prisão.

  2. Condenar a arguida C.........., Lda. Pela prática de: - um crime de fraude fiscal qualificada do art. 104º, nº 1, d) e e) e nº 2, da Lei 15/01, de 5.06, na pena de 400 (quatrocentos) dias multa a €20,00 (vinte) diários, perfazendo o total de €8.000,00 (oito) mil euros.

  3. Absolve os arguidos dos restantes crimes de que se encontravam acusados».

    1. Inconformada a arguida C.........., Lda. recorreu do despacho que indeferiu o pedido de suspensão, retirando da motivação as seguintes conclusões: «1) A arguida recorrente deduziu Reclamações Graciosas contra os actos tributários de liquidação adicional de I.R.C. e de I.V.A. resultantes da factualidade vertida na Acusação.

      2) As Reclamações foram indeferidas e dos indeferimentos foram interpostos Recursos Hierárquicos que ainda não foram decididos.

      3) Assim, existem 2 possíveis cenários: - O deferimento dos Recursos Hierárquicos, donde resultará provado que da actuação da arguida não resultou qualquer resultado lesivo.

      - O indeferimento dos Recursos Hierárquicos e, neste caso, serão deduzidas as competentes Impugnações Judiciais.

      4) Face ao exposto, e ao abrigo do art. 47º, nº 1 do R.G.I.T., a arguida requereu, no início da audiência de julgamento, que fosse dada sem efeito a audiência e fosse ordenada a suspensão do processo até ao trânsito em julgado das sentenças que viessem a ser proferidas nas Impugnações Judiciais.

      5) A pretensão da arguida foi indeferida pelo douto despacho interlocutório recorrido que decidiu que "... para os presentes autos é irrelevante o apuramento da existência ou não dos montantes em dívida ao fisco pois o que está em causa é a utilização ou não indevida de facturas pela arguida".

      6) Segundo a douta decisão recorrida "... o que está em causa nos presentes autos é a verificação ou não do aludido crime de fraude fiscal. Tal crime está estruturado como um delito de falsidade, embora pré-ordenado à produção de um resultado: o prejuízo patrimonial do fisco. Como, porém, esse resultado lesivo não integra a factualidade típica, o crime consumar-se-á mesmo que nenhum dano ou enriquecimento indevido venha a ter lugar".

      7) Discorda-se do douto despacho recorrido, embora se reconheça que a Fraude Fiscal se consuma quando o agente, com a intenção de lesar patrimonialmente o Estado/Fisco (visando obter vantagens patrimoniais indevidas e consequente diminuição das receitas tributárias), atenta contra a verdade e transparência exigidas na relação Fisco - Contribuinte, através de qualquer das modalidades de conduta legalmente tipificadas, aptas a atingir o resultado lesivo (dano/enriquecimento ilegítimo), mesmo que este não chegue a verificar-se.

      8) Trata-se de um crime de resultado cortado ou de tendência interna transcendente pois que, se no plano objectivo basta que se verifique uma das condutas típicas previstas e a susceptibilidade dessa conduta (em termos de a mesma comportar um risco típico, uma possibilidade séria de produção) causar diminuição das receitas tributárias, no plano subjectivo exige-se, para além do dolo genérico, uma intenção de diminuir as receitas fiscais do Estado.

      9) No quadro do R.J.I.F.N.A. vinha sendo entendido que a ocorrência do resultado lesivo sobre o património fiscal esgota a sua relevância em sede de medida da pena.

      10) Mas no quadro do R.G.I.T., atendendo à redacção do nº 1 do art. 103º (‘susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias"), ainda que se sufrague o entendimento de que o legislador continua a configurar a fraude fiscal como um crime de resultado cortado, que se consuma ainda que nenhum dano ou vantagem patrimonial indevida venha a ocorrer efectivamente, o apuramento do resultado lesivo (que o agente visava alcançar) é, contudo, decisivo para a punição das condutas tipificadas, face ao que dispõe o nº 2 do art. 103º - "os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a € 7.500" (€ 15.000 pelo art. 60º da Lei nº 60-A/05, de 30.12 - O.G.E.).

      11) Este nº 2 do art. 103º do R.G.I.T. consagra uma condição objectiva de punibilidade porquanto sendo o crime de fraude fiscal um crime de resultado cortado, uma vez preenchidos os elementos típicos definidos no nº 1 e não exigindo a lei que o dolo do agente abarque o conhecimento do montante do imposto defraudado, o limite previsto no nº 2 do art. 103º surge como um elemento externo à conduta (típica, ilícita e culposa) do agente, que leva a excluir a punibilidade da mesma.

      12) Atento o exposto, contrariamente ao entendimento perfilhado no douto despacho recorrido, é absolutamente decisivo o apuramento do resultado lesivo e isto quer se considere o limiar de € 15.000 como elemento constitutivo (negativo) do tipo quer como condição objectiva de punibilidade.

      13) Deste modo, opostamente ao determinado, ao abrigo do art. 47º, nº 1 do R.G.I.T., deveria ter-se dado sem efeito a audiência de julgamento e ordenar-se a suspensão do processo até ao trânsito em julgado das sentenças que vierem a ser proferidas nas impugnações judiciais.

      14) O douto despacho interlocutório recorrido violou, por erro de interpretação, os art. 103º e 104º do R.G.I.T. e, por erro de aplicação, o art. 47º do R.G.I.T.».

    2. O Ministério Público recorreu da decisão final, recurso restrito à circunstância de a suspensão da pena aplicada ao arguido B.......... não ter ficado condicionada ao pagamento ao Estado das quantias devidas a título de impostos, concluindo: «

  4. Nos crimes fiscais a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento da vantagem patrimonial indevidamente obtida "ex vi" do nº 1 do art. 14º do RGIT.

  5. Tendo no caso dos autos o arguido sido condenado por crime de fraude fiscal em pena de prisão cuja execução ficou suspensa, deveria a decisão recorrida, em cumprimento do prescrito na citada norma, ter condicionada essa suspensão ao pagamento da vantagem patrimonial indevidamente obtida e consistente a receita tributária que deveria ter entrado, e não entrou, nos cofres do Estado.

  6. Ao omitir tal suspensão, nos termos referidos, a decisão recorrida padece do vício de errada interpretação e aplicação do direito, mostrando-se violada a norma contida no nº 1 do art. 14º do RGIT».

    1. Os recursos foram admitidos.

    2. O Sr. Procurador da República junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso dos arguidos defendendo a manutenção do decidido.

      Por seu turno o arguido B.......... também respondeu ao recurso do Ministério Público.

      Alega que a arguida C.........., Lda., devedora principal, recorreu hierarquicamente dos despachos...

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