Acórdão nº 519/10.5TYLSB-B.L1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GALANTE
Data da Resolução15 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I – RELATÓRIO A Comissão Liquidatária do B, S.A., veio solicitar esclarecimentos sobre os seus poderes no que à administração e gestão da massa insolvente respeita. Refere pretender celebrar uma transacção com um devedor da insolvente que, por ser um acto de especial relevo, colocou à consideração da comissão de credores. Entretanto recebeu uma notificação do credor Estado referindo não poder a transacção ser celebrada sem o seu consentimento, invocando o disposto no art. 685º, nº 4, do Código Civil. Entende a comissão liquidatária que o citado artigo não tem aqui aplicação mas solicita seja a questão esclarecida.

Foi proferida decisão com seguinte teor: “Face a todo o exposto, quer por o consentimento exigido pelo CIRE para a celebração de transacções ser apenas o da comissão de credores, quer por as finalidades subjacentes ao preceituado no art. 685º do Código Civil não serem aqui aplicáveis, quer por os credores com garantia real não terem o direito de interferir e condicionar a liquidação do activo, entende o Tribunal não ter a comissão liquidatária de diligenciar pela obtenção de consentimento para a prática dos actos de liquidação junto de qualquer credor com garantia real.

Notifique incluindo a comissão de credores.” Inconformado, vem o credor Estado, recorrer da decisão, tendo para o efeito, apresentado, no essencial, as seguintes conclusões: 1. Entendeu o Tribunal a quo que não tem a Comissão Liquidatária que diligenciar pela obtenção de consentimento do credor pignoratício para a prática de actos de liquidação, com fundamento em três pressupostos que, todavia, não têm qualquer acolhimento legal, sendo, pelo contrário, infirmados por diversas disposições do CIRE: (a) o consentimento exigido pelo CIRE para transacções é apenas o da Comissão de Credores; (b) as finalidades subjacentes ao preceituado no artigo 685/2 do Código Civil não são aplicáveis em processos de insolvência; e (c) os credores com garantia real não têm o direito de interferir e condicionar a liquidação do activo.

2. No que concerne ao primeiro fundamento invocado para o indeferimento da pretensão do Estado – o de que consentimento exigido pelo CIRE para transacções é apenas o da Comissão de Credores – afigura-se inadmissivelmente redutor tratar a transacção que pretende a Comissão Liquidatária celebrar como um mero acto de cobrança em sede de liquidação.

3. O direito de crédito em causa encontra-se onerado por penhor a favor do Apelante, sendo o resultado dessa transacção determinante no que respeita à definição do objecto da garantia, uma vez que o produto resultante do pagamento pelo devedor do crédito empenhado passará a ser objecto do penhor.

4. Não é, por isso, indiferente ao credor pignoratício o montante pelo qual esse crédito é liquidado, até porque, num contexto de transacção – e não de mero pagamento à massa dos montantes devidos -, é natural que se coloque a possibilidade de ser tal satisfação realizada por um montante inferior ao do crédito efectivamente empenhado.

  1. Acresce que, contrariamente ao que se pretende no despacho recorrido, a comunicação que é devida ao Estado (e, por maioria de razão, a obtenção do seu consentimento), na sua qualidade de credor pignoratício, não pode ter-se por efectuada no seio da Comissão de Credores, pois que, a posição do Estado nessa sede é a de representação de todos os credores e não de defesa dos seus interesses.

    6. Ainda que pudesse entender-se, que não estivesse o credor pignoratício, nos termos do disposto no artigo 685º, nº 4 do Código Civil, na liberdade de receber a prestação fora do processo de insolvência, tal não significa que não deva o mesmo consentir nesse recebimento.

    7. Mesmo no processo de liquidação de instituições de crédito e sociedades financeiras, a que, mutatis mutandis, se aplicam as disposições do CIRE, tem o credor garantido o direito de não ver derrogada a posição que lhe é conferida pelas especiais garantias de que beneficia.

    8. Mal se compreende pois que, sendo a alienação dos bens, na verdade, a concretização da liquidação do activo, e podendo o credor beneficiário de garantia real, em última análise, receber da massa a diferença entre o resultado da escolha do administrador da insolvência, e a proposta por si apresentada, possa o douto Tribunal a quo afirmar que o credor com garantia real não pode interferir na liquidação.

    9. Um acto de liquidação praticado pela Comissão Liquidatária, consubstanciado no recebimento do montante sobre o qual incida penhor de direitos de crédito constituído a favor de um credor garantido (no caso vertente, o aqui Apelante), não pode deixar de obter previamente o consentimento deste último, por força do disposto no artigo 685º, nº 4 do CIRE.

    10. Ao decidir diferentemente, o douto Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente o disposto nos artigos 6852 do Código Civil e 164° do CIRE.

    Termos em que, Deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que reconheça que a Comissão Liquidatária tem de transmitir ao Estado Português, na sua qualidade de credor pignoratício, os termos e, bem assim, obter o seu consentimento, para quaisquer actos de liquidação que incidam sobre os direitos de crédito empenhados a seu favor, nomeadamente quando se trate de transacção visando receber os montantes objecto do direito de crédito dado em penhor.

    Contra-alegou a comissão liquidatária que, no essencial, concluiu: 1. O art. 685º do Cód. Civil visa garantir a eficácia real da garantia.

    2. A liquidação judicial de uma instituição de crédito, tal como a insolvência comum, tem como escopo primordial a satisfação paritária dos interesses dos credores (par conditio creditorum); ou seja, visa impedir que após a declaração da insolvência algum credor possa vir a obter ou adquirir na satisfação do seu crédito urna posição privilegiada ou mais eficaz (mais rápida ou mais completa) do que os restantes credores.

    3. É neste contexto e tendo por base os fins específicos do processo de insolvência/liquidação judicial que assume especial relevo a intervenção do administrador da insolvência, in caso, da Comissão Liquidatária, uma vez que tem a seu cargo as tarefas relativas à administração, gestão e...

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