Acórdão nº 5523/06.5TVLSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelPIMENTEL MARCOS
Data da Resolução27 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

I “E….”” propôs a presente acção com processo ordinário contra “R….”, pedindo que esta seja condenada a: A)- Pagar à autora a quantia de € 30.302,02 relativa aos valores em dívida a título de serviços prestados em garantia, serviços prestados gratuitamente aos clientes e reparações ordenadas pelo consultor (artigos 16 a 27 da PI); B)- Pagar à autora a quantia de € 34.068,60 relativa aos valores em dívida a título de bónus comerciais (artigos 28 a 47 da PI); C)- Pagar à autora a quantia de € 124.055,18 a título de comparticipações acordadas com referência às renovações das instalações e equipamentos da concessionária (artigos 48 a 90 da PI), ou, em alternativa a C); D)- Reconhecer que por via da respectiva conduta culposa na negociação das comparticipações à renovação das instalações e equipamento da concessionária resultaram para esta danos sendo, consequentemente, condenada no pagamento da importância de € 124.055,18 a título de indemnização; E)- Reconhecer que, por via do incumprimento do contrato de concessão referido em 91 a 130 da PI, provocou danos à autora que assim é obrigada a indemnizar no montante de € 1.841,00.

E pede ainda: o pagamento de juros desde a citação e até ao integral e efectivo pagamento, bem como no pagamento de indemnização correspondente ao dano futuro, em consequência do incumprimento do contrato de concessão, a liquidar no decurso da acção ou em sede de execução de sentença.

Para tanto alega a autora, em resumo, que celebrou com a ré um contrato de concessão comercial de veículos automóveis da marca R..., o qual não foi cumprido pela ré, e, por essa razão, sofreu danos, pedindo o seu ressarcimento.

A ré contestou, excepcionando o pagamento parcial dos créditos invocados pela autora e impugnando motivadamente a generalidade dos factos vertidos na petição inicial, pedindo a sua absolvição de todos os pedidos.

A autora replicou.

Procedeu-se a audiência de julgamento Seguidamente foi proferida decisão final, com o seguinte dispositivo: Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedentes os pedidos formulados pela autora “E…” e, em consequência, condenar a ré “R...” no pagamento à autora da quantia de € 64.370,62 (sessenta e quatro mil, trezentos e setenta euros e sessenta e dois cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal supletiva, a contar desde o dia 7/11/2006 e até integral e efectivo pagamento, sendo os vencidos até 30/3/2011 no montante de € 29.857,07 (vinte e nove mil, oitocentos e cinquenta e sete euros e sete cêntimos), absolvendo-a do restante peticionado.

Dela recorreu a autora, formulando as seguintes conclusões: I. O A. recorre em matéria de direito e o recurso incide sobre a improcedência dos pedidos identificados no articulado de petição inicial com as letras C), D) e E).

  1. No que se refere ao pedido de pagamento de indemnização por conta da promessa de comparticipações por parte da R., foi dado como provado que, por imposição da R. e de acordo com indicações facultadas pela própria R., a A. efectuou avultados investimentos em obras e renovação de parque informático; que a R. sempre garantiu à A. que contribuiria financeiramente para essas renovações e que a A., se não fosse o compromisso assumido pela R., não realizaria quaisquer obras.

  2. A conduta da R. configura incumprimento culposo do contrato de concessão por violação do dever de boa fé.

  3. O dever de boa fé impõe a observância de deveres acessórios de conduta que ultrapassam o teor literal do que estiver expressamente clausulado, garantindo que o cumprimento ocorre com lealdade recíproca colaboração e com respeito pelos interesses legítimos da contraparte, sendo certo que a violação do dever de boa fé constitui a parte faltosa na obrigação de indemnizar.

  4. Justamente porque a boa fé funciona como critério normativo geral de correcção do sentido literal do contrato, não pode funcionar como argumento de sentido contrário a circunstância de a comparticipação da R. não se encontrar expressamente previsto no contrato de concessão.

  5. Em face do exposto, a douta sentença recorrida violou o princípio da boa fé consagrado no art. 762.º, n.º 2, do CC, bem como 798.º, n.º 1 do mesmo diploma.

  6. Quanto à improcedência do pedido formulado em E) do articulado de petição iniciai, a A. não se conforma com a interpretação da douta sentença na parte em que considera que não existe incumprimento do contrato na recusa de fornecimento por parte da R., uma vez que a A. poderia adquirir os bens que entendesse a pronto pagamento.

    VIll. Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida confunde condições de pagamento que a A. deveria cumprir (por já não estar em vigor a convenção de financiamento com a RC…) com a efectiva disponibilidade da R. para continuar a fornecer veículos à A..

    IX A primeira realidade está apreciada no facto provado 20 da douta sentença recorrida; já a segunda realidade está apreciada no facto provado 65.

  7. Os dois factos provados têm relevância autónoma e o facto provado 65 (que é independente de condições ou prazos de pagamento no fornecimento de bens) configura um flagrante incumprimento do contrato por parte da R., susceptível de causar, como causou, elevados prejuízos à A.

  8. Decidindo como dcidiu, violou a duta sentença recorrida o disposto no artigo 798.º do CC.

    E termina dizendo que deve ser revogada a sentença recorrida na parte em que julgou improcedentes os pedidos formulados em C), D) e E) da PI.

    Em contra-alegações formulou a ré as seguintes conclusões: I. O recurso foi limitado pelo Recorrente à matéria de direito, mas a Recorrida exerce o seu direito a ampliar o recurso, subsidiariamente, à impugnação parcial da matéria de facto nos termos no artigo 684.º-A do CPC..

  9. Assim, subsidiariamente, ficam impugnados os factos provados n.ºs 50, 55, 56, 58 e 59, devendo os mesmos terem-se por não provados e eliminados, e o facto provado n.º 65 deve ser aditado da expressão “sem ser a pronto pagamento”.

  10. Por tal se dever a mero lapso evidente do tribunal, que nem considerou os primeiros e já considerou o adiantamento ao segundo, na sentença recorrida, tal como já havia sido referido na fundamentação das respostas aos quesitos; IV. O custo das obras não pode ser considerado responsabilidade da Recorrida, nem por violação da boa-fé, por nunca ter ficado definida a percentagem de comparticipação a atribuir, o que tem como consequência que a Recorrente nunca poderia ter tido qualquer expectativa legítima de os custos virem a ser comparticipados e se o tivesse nunca poderia ter contado com qualquer valor concreto de comunicação para a decisão que tomou de realizar as obras, pois as comparticipações seriam sempre a definir unilateralmente pela Recorrida, na melhor das hipóteses.

  11. Também nunca poderia estar em causa o pagamento integral dos custos das obras, pois apenas se fala em comparticipações, além de nunca poderem dizer respeito a obras realizadas antes de 2004, por ser essa a data sempre alegada pela Recorrente e também nunca poderiam dizer respeito a obras anteriores a 2003, data do Contrato que é a causa de pedir da acção.

  12. Não houve assim qualquer violação do contrato ou do princípio da boa-fé, nem a douta sentença recorrida violou a lei ao negar a condenação da Recorrida a pagar esses custos por obras ao Recorrente.

  13. Aliás, a invocação do princípio da boa-fé é nova, não tendo sido alegada pelo Recorrente em 1ª instância, não se tendo permitido ao Tribunal a quo apreciar essa questão, pelo que não pode ser agora apreciada; VIII. Não houve também qualquer incumprimento do Contrato de 2003 por parte da Recorrida, designadamente por atraso na entrega de veículos, recusa de fornecimento ou permissão de outro concessionário de venda no território da Recorrente; IX. Pois, não se provou qualquer acto ilícito da recorrida violador do Contrato, não se provou qualquer dano e não se provou qualquer nexo causal entre eventual acto ilícito da Recorrida e os alegados danos a existirem.

  14. Os atrasos não provocaram quaisquer danos; não houve qualquer recusa em fornecer, antes o que houve foi que a Recorrente não tinha acesso a crédito por não pagar as suas dívidas e não ter dinheiro para pagamento a pronto, contra o previsto XIV do Contrato; não houve permissão por parte da Recorrida para outros concessionários venderem no território da Recorrente, além de, nos termos do artigo II do Contrato, o concessionário pode vender em todo o Espaço Económico Europeu, por estar vedada qualquer limitação geográfica de venda, por imperativo comunitário.

  15. Não ficaram provados os pressupostos da responsabilidade da Recorrida, não tendo a sentença recorrida violado qualquer normativo, pelo que o pedido tem de improceder, devendo ser confirmada a improcedência destes pedidos da Recorrente e declarado improcedente o recurso.

    E termina a apelada pedindo que o recurso da apelante seja julgado improcedente e, consequentemente, absolvida dos pedidos, ou, subsidiariamente, nos termos do artigo 684.º-A do CPC, que os factos dados como provados sob os n.ºs 50, 55, 56, 58 e 59 sejam dados como não provados e eliminados, e ao facto dado como provado no n.º 65 seja aditada a expressão “sem ser a pronto pagamento”.

    Entretanto, a ré também recorreu, na parte em que a sentença lhe foi desfavorável, assim, concluindo as suas alegações: I. O presente recurso restringe-se à parte da douta sentença recorrida que condenou a recorrente a pagar à Recorrida as reparações em garantia e os bónus comerciais, acrescida de juros de mora; II. Com a devida vénia, entende-se que o M.º Juiz a quo teve alguns erros de julgamento, tendo violado, com a sua douta sentença recorrida, os artigos 264º, 664º e 659º CPC, o Contrato de Concessão Comercial celebrado em 30/09/2003 e o artigo 222º/2 CC.

  16. Podendo ainda admitir-se a nulidade da douta sentença recorrida por violação do artigo 668º, n.º1, alíneas c) e d) CPC.

  17. Desde logo, a douta sentença recorrida errou ao condenar a...

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