Acórdão nº 118/11.4TVLSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelVÍTOR AMARAL
Data da Resolução22 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório Carlos, residente (…) ..., Madeira, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra “L - Companhia de Seguros, S. A.

”, com sede (…) Lisboa, pedindo seja a R. condenada a pagar-lhe a quantia de € 34.204,86, a título de indemnização, acrescida de juros de mora desde a citação e até integral e efectivo pagamento, à taxa de 4% ao ano, bem como os valores que o A. foi obrigado a despender para a recuperação daquela quantia, nomeadamente € 1.030,00.

Para tanto, alegou, em síntese, que: - o A. adquiriu, mediante contrato de compra e venda, um veículo automóvel em 02/04/2009, na sequência do que celebrou com a R. contrato de seguro automóvel respectivo; - em Junho de 2009 o A. deslocou-se com o dito automóvel a Espanha, o qual ali foi objecto de furto (o demandante refere que o veículo “lhe foi roubado”), situação logo comunicada às competentes autoridades espanholas e à aqui R.; - instruído processo de averiguação pela R., esta concluiu que deveria assumir a responsabilidade, mediante indemnização ao A. no montante de € 34.204,86, do que informou tal A.; - porém, nunca a R. prestou a dita indemnização, nem após notificação judicial avulsa requerida pelo A., para o que este despendeu € 71,00, tal como despendeu € 500,00 a título de honorários para apoio jurídico, bem como € 459,00 de taxa de justiça. Concluiu pela procedência da acção.

A Ré contestou (fls. 50 e segs.): - impugnando diversa matéria de facto alegada pelo A., designadamente o invocado furto da viatura; - alegando, por seu turno, que: - o veículo aludido havia sofrido um acidente de viação em Dezembro de 2008, quando se encontrava seguro na seguradora “...”, tendo então sido considerado perda total, face aos avultados danos sofridos; - o então proprietário foi indemnizado por aquela seguradora, ao abrigo da cobertura de danos próprios, ficando na posse dos respectivos salvados, situação esta de que a ora R. não tinha conhecimento aquando a celebração do contrato de seguro agora em causa; - caso a R. houvesse tido conhecimento dessa situação, tal influiria na sua decisão de contratar e não teria celebrado o contrato de seguro com o A.; - assim, a R. viu-se forçada a rever a sua posição quanto à assumpção de responsabilidade, sendo que, por outro lado, o A. recorreu à notificação judicial avulsa por sua própria conta e risco.

Concluiu pela nulidade do contrato de seguro celebrado, com a absolvição da R. do pedido, ou pela improcedência da acção por não provada, conduzindo também à dita absolvição.

Replicou o A. (fls. 66 e segs.), impugnando diversa factualidade alegada pela contraparte, mormente quanto à matéria da arguida nulidade do contrato de seguro, e pugnando: - pela existência de pretensão reconvencional, a qual enferma de nulidade processual, decorrente da inobservância de exigências legais processuais, o que determina o indeferimento da respectiva peça processual e o seu desentranhamento dos autos; - por desconhecer o A. se o veículo, anteriormente à sua aquisição, sofreu qualquer acidente de viação, veículo esse que, ao tempo daquela aquisição, estava em perfeitas condições de circulação e sem defeitos visíveis; - pela improcedência do pedido reconvencional, por não provado, e pela procedência da acção, nos moldes constantes da petição inicial.

A R. veio então requerer (fls. 76 e segs.) que se considerasse não escrito, por ilegal, o alegado sob os art.ºs 13.º a 42.º da réplica, com o consequente desentranhamento dos autos desse articulado.

Realizada audiência preliminar, foi decidido que, na inexistência de reconvenção – considerou-se que apenas existe defesa por excepção referente à arguida nulidade do contrato de seguro –, a réplica apresentada configura um articulado legalmente inadmissível, donde que tenha sido ordenado o seu desentranhamento dos autos.

Foi, seguidamente, proferido despacho saneador, afirmando-se a verificação de todos os pressupostos de validade da instância e regularidades processuais, sendo relegado para final o conhecimento da aludida excepção de nulidade do contrato de seguro.

Procedeu-se também à condensação do processo, com definição do elenco dos factos assentes e elaboração da base instrutória, de que não foi apresentada qualquer reclamação.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, tendo sido proferida decisão de resposta quanto à matéria de facto controvertida, de que não foi apresentada qualquer reclamação.

Foi depois proferida sentença, a qual, considerando procedente a excepção peremptória invocada (arguida nulidade do contrato de seguro), julgou a acção improcedente, também por não provada – por o A. não ter logrado provar a ocorrência do sinistro/furto, matéria esta expressamente apreciada na fundamentação de direito da sentença –, com a consequente absolvição da R. dos pedidos formulados (cfr. fls. 142 e segs.).

Desta sentença veio o A. interpor o presente recurso (fls. 151 e segs.), apresentando as seguintes Conclusões 1. - Conclui o Tribunal a quo que “Preenchidos se mostram, pois, os pressupostos da nulidade do contrato, por via da invocada anulabilidade, tal como prevista no art. 429.º C. Comercial”, absolvendo a Ré Seguradora do pedido do A.; 2. - Salvo o devido respeito, o douto Tribunal a quo, tendo em conta a factualidade provada, a qual, como se verá adiante merece igualmente reparo, decidiu mal ao ter concluído que o A. contribuiu, ainda que involuntariamente, para uma “errada” formulação da vontade da R. – que na realidade não existe; 3. - No entender do A., a relação existente entre A. e R., formalizada pelo contrato de seguro n.º ..., não foi abordada pelo Tribunal a quo com o devido sentido, nomeadamente o conhecimento do A., a forma de celebração do contrato firmado, datas em que a R. alega que teve conhecimento, tendo este Tribunal, erroneamente, desconsiderado os pontos supra indicados, com claro e evidente prejuízo para o A., cuja sentença produzirá efeitos contra si, razão do presente recurso; 4. - Entre A. e R. foi celebrado um contrato de seguro do ramo automóvel – motore executive, titulado pela apólice n.º ...

, relativo a um veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 00-AU-00, figurando o tomador do seguro como proprietário do veículo, e que esse contrato teve início em 9 de Abril de 2009.

Das várias figuras contratadas, constava a previsão de furto ou roubo, conforme as Condições Particulares do referido contrato e juntas a fls. 13 a 15 dos autos.

(ponto A e B da matéria assente); 5. - O contrato de seguro em geral é a convenção pela qual uma seguradora se obriga, mediante retribuição paga pelo segurado, a assumir determinado risco e, caso ele ocorra, a satisfazer, ao segurado ou a um terceiro, uma indemnização pelo prejuízo ou um montante previamente estipulado. Trata-se de um negócio formal, já que deve ser reduzido a escrito num instrumento que constitui a apólice de seguro, conforme artigo 426.º do Código Comercial, regulando-se pelas estipulações particulares e gerais constantes da respectiva apólice e, nas partes omissas ou insuficientes, pelo disposto no Código Comercial e, na falta de previsão deste, pelo disposto no Código Civil, ex vi 3.º e 427.º do Código Comercial; 6. - Por sua vez, a institucionalização do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel revelou-se uma medida de alcance social inquestionável, que com o decurso do tempo, apenas impõe reforçar e aperfeiçoar, procurando dar uma resposta cabal aos legítimos interesses dos lesados por acidente de viação. Por isso mesmo, dada a relevância social do regime do seguro obrigatório enquanto meio de protecção directa dos lesados “não é de estranhar que se tenha acolhido com a máxima amplitude o princípio da inoponibilidade das excepções contratuais gerais”; 7. - Saliente-se ainda que, apesar do artigo Art.º 428.º do Código Comercial (C.Com.) falar em nulidade, do que realmente se trata é de anulabilidade, como reconhece o presente Tribunal a quo e é doutrina e jurisprudência assentes.

8. - Assente, assim, que o vício previsto no Art.º 429.º do C.Com. é a mera anulabilidade, e, dando de barato que, no caso concreto, o tomador do seguro possa ter prestado declarações inexactas, que pudessem ser determinantes para que a seguradora aceitasse contratar nos termos em que o fez, e mesmo que pudéssemos concluir que o contrato de seguro em lide poderia, em teoria, sofrer do vício de anulabilidade, porém, e ao contrário do defendido pela R. e suportado pelo Tribunal a quo, tal vício não pode ser oposto pela seguradora aos lesados com o acidente, ou seja, ao A.; 9. - É o que resulta directa e claramente do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, segundo o qual “para além das exclusões ou anulabilidades que sejam estabelecidas no presente diploma, a seguradora apenas pode opor aos seus lesados a cessação do contrato nos termos do n.º 1 do artigo anterior, ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do sinistro”; 10. - A razão de ser do preceito há-de encontrar-se na finalidade essencial do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, na sua institucionalização como meio eficaz de protecção dos lesados, na socialização do risco, que cada vez vai assumindo mais relevo. Tais razões que justificam a consagração do princípio da inoponibilidade das excepções contratuais gerais, restringindo a oponibilidade às situações previstas na própria lei do seguro obrigatório e à resolução ou nulidade nos termos legais em vigor, desde que anteriores à data do sinistro; 11. - Assim, e no que concerne ao aqui presente, o que o preceito determina é que, no âmbito dos contratos de seguro que tenham por objecto a cobertura de riscos sujeitos ao regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel a seguradora só pode invocar perante os lesados...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT