Acórdão nº 26879/11.2YYLSB-A.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Julho de 2012

Magistrado ResponsávelMANUEL MARQUES
Data da Resolução03 de Julho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I.

A , instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra B e mulher, C , peticionando que se declare resolvido o contrato de arrendamento em causa nos autos e se condenem os réus a entregar imediatamente ao autor o locado, livre de pessoas e bens, bem como a condenação daqueles na sanção pecuniária compulsória de €60,00 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de entrega que vier a ser decretada por sentença.

Alegou, em síntese, ser proprietário de fracção autónoma designada pela letra "B", do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua de ….., freguesia do Estoril, concelho de Cascais, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o número 0000, imóvel que adquiriu por doação celebrada em 25/08/2005; que o anterior proprietário celebrou com o réu em 11 de Janeiro de 1977 um contrato de arrendamento para habitação; e que os Réus não residem no locado desde pelo menos 2004.

Citados os Réus, vieram estes contestar, deduzir reconvenção, e peticionar a condenação do autor como litigante de má fé.

Na contestação alegaram, em síntese, que efectivamente não habitam o imóvel, mas que tal facto se deve à falta de condições de habitabilidade do mesmo, por se encontrar muito degradado e necessitado de obras; que a causa da falta de residência no locado é imputável ao autor; que várias vezes ao logo do tempo instaram o proprietário do imóvel para que fizesse obras adequadas a tornar o mesmo habitável; que a Câmara Municipal de Cascais concedeu ao autor um prazo para realizar as obras de conservação necessárias à correcção das más condições de salubridade/segurança; que só no ano de 2009 o autor iniciou as obras, numa altura em que os réus já tinham ido morar temporariamente para uma casa da sua filha; que no dia 13 de Novembro de 2009 constaram que as fechaduras do portão, do arrendado e da caixa do correio tinham sido mudadas; e que apesar de terem solicitado a entrega das chaves, não obtiveram êxito.

Na reconvenção, os réus peticionaram a condenação do autor a entregar-lhes provisoriamente o locado e, subsidiariamente, a condenação deste a entregar-lhes, a final, o dito imóvel.

Alegaram, em suma, que as obras foram concluídas, o que foi oficialmente comunicado aos réus pela CM de Cascais em 16/06/2010; que o facto de ainda não terem reocupado o locado deve-se ao autor; por este não lhes facultar as novas chaves do imóvel; e que se justifica que o tribunal decrete desde já a restituição provisória do arrendado.

Por fim peticionaram a condenação do autor como litigante de má fé numa indemnização não inferior a € 25.000,00.

O Autor respondeu à contestação, afirmando, em síntese, que o estado de degradação do locado alegado pelos Réus como motivo justificante do não uso do imóvel se deve precisamente àqueles, ou seja, ao seu não uso desde 2002; que os Réus se recusaram a pagar a renda do imóvel actualizada ao valor de €889,95, correspondente à renda legalmente exigível depois da feitura das obras, motivo pelo qual se recusou a entregar as chaves do locado, assim exercendo excepção de não cumprimento de contrato; que a renda anterior era do montante mensal de €35,00; que gastou na recuperação do locado €40.860; que a Câmara Municipal de Cascais fez uma vistoria às obras, não tendo recebido desta qualquer comunicação oficial a aprovar essas obras e a atestar da sua conformidade com as regras legais e municipais, pelo que também por este motivo não entregou as ditas chaves.

Oportunamente foi proferido despacho saneador, no qual se indeferiu liminarmente a restituição provisória da posse e se admitiu a reconvenção, tendo sido dispensada a elaboração da Base Instrutória.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se julgou a acção parcialmente procedente e foi declarado resolvido o contrato de arrendamento em causa nos autos, tendo, no demais, sido julgados improcedentes os demais pedidos formulados pelo autor e o pedido de restituição do locado formulado em via reconvencional pelos réus .

Inconformado, veio o réu interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:

  1. Ao caso em apreço não se aplica, nem sequer foi invocado, o regime da força maior para justificar a falta de habitação do arrendado.

  2. No caso em apreço, trata-se da impossibilidade de habitar o arrendado por incumprimento do recorrido, tem assim cabimento, neste caso, o recorrente locatário invocar a exceptio non adimpleti contractus consubstanciado no não uso do locado por falta de condições de habitabilidade imputável ao locador. Com efeito, C)Nos termos do art.º 1031° al. b) do CC, é dever do locador assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para fins a que se destina, considerando o contrato não cumprido quando o vício da coisa locada não for removido pelo locador artº1032° al. b).

    D)Neste caso existe incumprimento se o vício for devido a culpa do locador.

  3. Apurou-se que, pelo menos, desde 2004 que o recorrido tinha conhecimento dos vícios que impediam o gozo do arrendado, não sendo exigível, na actual sociedade moderna que um locatário seja obrigado a viver numa habitação onde o telhado deixa repassar água para o interior do locado, provocando infiltrações de água no tecto, paredes e chão do locado, e que foi exigida a remoção desses vícios.

  4. Não obstante ter sido exigida a remoção dos vícios que também foram objecto de relatório efectuado no processo de realização de obras coercivas promovido pela Câmara Municipal de Cascais, o recorrido não o fez voluntariamente, apenas vindo-o a fazer depois de ser notificado pela Câmara Municipal de Cascais para a realização coerciva de obras no locado.

  5. Ainda assim, usou de todos expedientes para prorrogar o início das obras.

  6. Pelo exposto, a falta de residência permanente é justificada e é única e exclusivamente recorrido, imputável ao Autor.

  7. Que agiu culposamente, designadamente "arrastando" as negociações e deixando correr o tempo e prorrogações para iniciar as obras.

  8. Porém, o recorrente e a sua esposa não são obrigados a ter que viver eternamente na casa da sua filha, aliás, casada, e que entretanto teve dois filhos, pelo que o espaço que possa ter disponível em sua casa deve reserva-lo aos seus filhos e não aos seus pais.

  9. Após a conclusão das obras o recorrido comunicou o aumento da renda, direito que lhe assiste por lei.

  10. O recorrente não nega esse direito, mas o mesmo terá que ser aplicado faseadamente nos termos da lei, não sendo, aliás, esta questão objecto do presente processo, mas revela a bondade da conduta do recorrente e a má fé do recorrido.

  11. Após a realização coerciva das obras, o recorrido tem-se recusado a entregar as chaves do locado, pelo que após as obras a falta de habitação pelo recorrente é única e exclusivamente imputável ao recorrido que, voluntária e culposamente, impede o gozo da coisa locada.

  12. Atenta a matéria dada por provada é por demais evidente que o recorrido tem vindo a agir de má fé, com intuito de, culposamente, adiar e impedir, injustificada e culposamente, o gozo da coisa locada ao recorrente.

  13. Pelo exposto, deve pois ser julgada justificada e procedente a exceptío non adímpletí contractus consubstanciado no direito ao não uso do locado por falta de condições de habitabilidade imputável ao locador e por culpas deste, devendo o recorrido ser condenado a entregar o locado ao recorrente e ser condenado como litigante de má fé.

    A sentença recorrida violou pois o disposto nos artºs 1031 al.º b) e 1032° al. b) do Código Civil.

    Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, e, em consequência, deve ser proferida decisão que revogue a sentença recorrida, e, em sua substituição, deve ser proferida decisão que declare válido e em vigor o contrato de arrendamento celebrado em 11.01.1977 referente ao 1 ° andar (actual fracção "B") do imóvel sito na Rua de ……, Estoril, Cascais, devendo ainda o recorrido ser condenado nos pedidos reconvencionais.

    O autor apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

  14. Não foi alegada e, muito menos, provado, qualquer factualidade à luz da qual pudessem os Recorrentes invocar a excepção do não cumprimento, justificadora do seu "direito" a não usarem o locado; B) Não invocaram factos e muito menos o demonstraram, que demonstrassem que o Recorrido incumpriu com qualquer das suas obrigações derivadas do contrato de arrendamento; C) Tal como é modelada e justificada pelos Recorrentes, a figura da excepção do não cumprimento não tem qualquer aplicação ou cabimento ao caso dos autos, não sendo licita, em função dos factos dados como provados, a sua invocação em ordem a cobrir e a tornar licito o não exercício de um direito; D) O não uso do locado só poderia ser considerado como justificado caso existisse uma situação de força maior que perante a sua gravidade, o tornasse lícito; E) Da grelha de factos dados como provados, resulta claramente que o Recorrido detinha o direito de resolver o contrato por incumprimento imputável aos Recorrentes (art. 1.083°, nºs 1 e 2, al. d) do CC; F) Os Recorrentes, por sua banda, não lograram provar os factos integradores do eventual direito a excepcionarem o dever de utilização efectiva do locado; G) Cabia aos Recorrentes a prova dos factos em que se baseava a sua invocada excepção (força maior); H) Ficou provado que, pelos menos desde 2004, deixaram de utilizar o locado, deixando de nele pernoitar, de nele tomar as suas refeições e de nele fazerem o centro da sua vida habitual; I) Em 28.08.2006 admitem que a degradação está a tornar o locado inabitável, sendo correcto o entendimento que tal expressão só pode ter o significado de exprimir que determinada situação está em risco de acontecer mas que tal ainda não ocorreu; L) Face ao não uso do locado e à não verificação de causa que legitimasse o não uso, verifica-se que tal...

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