Acórdão nº 6673/08.9TCLRS.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Julho de 2012

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução03 de Julho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1. MB (A.) intentou, em 29-09-2008, no Tribunal Judicial de Loures, contra CP, Ld.ª (1.ª R.), FH (2.º R.) e JM (3.º R.) acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, alegando, em resumo, que: - O A. é credor da sociedade R. por ter prestado suprimentos em montante superior a € 114.000,00, através de entradas em dinheiro e do pagamento de despesas directamente a fornecedores e prestadores de serviços; - O R. JM, em conluio com o R. FH, para prejudicar o A., se locupletou indevida e ilicitamente da quantia de € 119.500,00 pertencente à sociedade R.; - Por sua vez, o R. FH com a aquisição da quota de € 16.333,66 beneficiou ilegitimamente de um bem que foi pago com dinheiro da sociedade e que, ao agirem assim, prejudicaram a possibilidade de o A. receber os seus suprimentos.

Concluiu pedindo que: a) - Seja reconhecida a existência de suprimentos do A. na R. CP, Ld.ª, no montante de € 114.500,00; b) – Se condene a sociedade R. a pagar esse mesmo montante ao A. ou o que se apurar proporcionalmente entre os três sócios, no prazo de sete dias após a decisão; c) - Se condenem os R.R. FH e JM, solidariamente com a R. CP, Ld.ª, no pagamento dessa quantia.

  1. Os R.R., regularmente citados, não contestaram a acção.

  2. Vieram então as partes requerer a fls. 38 a suspensão da instância pelo prazo de 90 dias, em virtude de estarem a negociar uma eventual transacção, o que foi lhes deferido através do despacho exarado a fls. 39, prazo esse que foi ainda prorrogado por mais 90 dias, conforme despacho de fls. 50, para que as partes pusessem termo ao litígio, sob pena de imediato prosseguimento do processo. 4.

    Porém, como nada mais foi providenciado nos autos pelas partes, foi proferido o despacho de fls. 53 a considerar confessados os factos articulados pelo A. e a ordenar o cumprimento do disposto no artigo 484.º, n.º 2, do CPC, após o que o A. apresentou as alegações a concluir como na petição inicial.

  3. Subsequentemente, os R.R. requereram, a fls. 69-72, que se declare extinta a instância e se remetessem as partes para o tribunal arbitral, nos termos dos artigos 287.º, alínea b), e 290.º do CPC, atento o acordo celebrado pelas partes, junto de fls. 79 a 82, ao que o A. se opôs a fls. 89-90.

  4. Sobre esse requerimento foi proferida a decisão de indeferimento de fls. 92-93 e, seguidamente, proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, decidindo-se: a) - Reconhecer que o A. MB é credor da R. “CP, Ld.ª”, por suprimentos feitos a esta sociedade, no montante de € 114.500,00; b) - Condenar a R. “CP, Ld.ª”, a reembolsar o A. MB dos seus créditos por suprimentos, segundo o que se apurar, proporcionalmente entre todos os sócios credores, de suprimentos até ao limite de € 114.500,00; c) - Absolver do pedido os R.R. FH e JM.

    7.

    Inconformada com tais decisões, a R. CP, Ld.ª, apelou delas, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - O A. e os R.R. celebraram, em 21.10.2008, um acordo através do qual decidiram constituir um colégio arbitral para analisar as contas em causa nos presentes autos, bem como no processo n.º processo n.º …, que corre termos na 2.ª Vara de Competência Mista de Loures, cfr. art.º 3.º do Acordo, que aqui damos por integralmente reproduzido..

    1. - O colégio arbitral foi constituído nos termos do art.º 6.º e seguintes da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto.

    2. - O colégio arbitral foi formado por três peritos, sendo um indicado pelo A. e outro pelos R.R., que designaram um terceiro por acordo entre si, que preside, cfr. art.º 3.º do acordo.

    3. - O tribunal arbitral tem vindo a desenvolver o seu trabalho e já apresentou às partes um relatório que foi objecto de duas reclamações; 5.ª - Por razões incompreensíveis, que só podem fundar-se em má fé negocial e processual, o A. requereu a renovação da instância mas teve e tem a oposição dos R.R., designadamente da Apelante.

    4. - O referido acordo, ainda que tardiamente, deu entrada nos presentes autos e não foi declarado ilegal, pelo que é valido e, atento o que nele se pode ler, é um pacto de aforamento mitigado.

    5. - É um pacto de aforamento mitigado por duas razões: - Não prevê a retirada do processo do Tribunal Judicial, mas confere poderes exclusivos ao Tribunal Arbitral para decidir do mérito da causa. 8.ª - Para o Tribunal Judicial deixou apenas a capacidade de homologar a transacção a efectuar por acordo, entre as partes, nos termos da decisão proferida pelo colégio arbitral, não tendo o Tribunal “a quo” competência para decidir do mérito da causa.

    6. - Assim, mesmo aceitando a interpretação do despacho recorrido – de que não há pacto de aforamento – não deveria ter sido proferida sentença, mas antes um outro despacho de suspensão da instância até que as partes se apresentassem a transigir nos termos do acordo, sem prejuízo dos prazos de interrupção e deserção da instância (art.º 285.º e 291.º do CPC).

    7. - Quando assim se não entenda, sem condescender, não podia ser proferida sentença, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 490.º do CPC, condenado a R. a pagar suprimentos ao A.

    8. - A existência de suprimentos do A. não consta da contabilidade oficial da R., nem isso foi alegado.

    9. - Os suprimentos são equiparáveis ao contrato de mútuo, pelo que deveriam constar de documento assinado pela R. ou até de escritura pública, de acordo com os montantes respectivos (art.º 243.º do CSC e 1143.º do CC), sob pena de invalidade.

    10. - Não constando da contabilidade, nem de qualquer documento escrito, os suprimentos do A. nunca poderiam ter sido dados como provados, devendo a sentença recorrida ser revogada nesta parte.

    Pede aquela apelante que seja revogada a sentença recorrida, na parte em que condena a R. a pagar suprimentos ao A., e que se ordene, se for caso disso, que a baixa dos autos ao tribunal a quo para ser proferido despacho de suspensão da instância até que as partes se apresentem a fazer a transacção.

  5. Por sua vez, o A. também apelou da sentença, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - Na sentença aqui em crise não foram considerados todos os factos com relevância para uma boa decisão da causa no que diz respeito à condenação dos Réus FH e JM; 2.ª - A presente acção é proposta pelo Autor na qualidade de sócio da sociedade mas em nome e no seu próprio interesse, ou seja, uti singuli; 3.ª - O A. pretende que os R.R. FH e JM sejam responsabilizados por actos que praticaram na qualidade de gerentes da sociedade e, assim não se entendendo, mas sem conceder, que o R. FH seja responsabilizado na qualidade de sócio da sociedade; 4.ª - A responsabilidade dos R.R. na qualidade de gerentes da sociedade assenta na sua prática de actos ilícitos que se reconduzem aos seguintes comportamentos: - decidirem sozinhos o montante e o momento de pagamento dos suprimentos ao R. JM, sem a participação do Autor que também é gerente; - assinarem um cheque só com as suas duas assinaturas quando a sociedade se obriga com a assinatura de três gerentes; - o valor do cheque conter não somente os suprimentos mas também o valor da quota da própria sociedade, cedida pelo R. JM ao Réu FH; - violarem a igualdade de tratamento dos sócios no pagamento dos suprimentos; - libertarem o R. JM no dever de participar nas perdas da sociedade.

    1. - O facto de a sociedade ter ratificado alguns destes actos não desonera os gerentes da sua responsabilidade perante o A.; 6.ª - O art.º 72.º n.º 5 do CSC só desresponsabiliza os gerentes perante a sociedade; 7.ª - Com o pagamento dos suprimentos exclusivamente ao R. JM a sociedade ficou sem património suficiente para pagar os suprimentos ao A.; 8.ª - Neste momento a sociedade só tem no seu património cerca de € 45.000,00 e o valor dos suprimentos do A. são € 114.500,00; 9.ª - Os R.R. gerentes são responsáveis perante o A., por força do previsto no art.º 79.º do CSC; 10.ª - A norma do art.º 72.º, n.º 5, do CSC não se aplica à responsabilidade dos gerentes perante os sócios; 11.ª - Além disso esta norma não é absoluta, ou seja, não tem aplicação a todos os actos ilícitos praticados pelos gerentes; 12.ª - E não tem aplicação aos actos praticados pelos R.R. gerentes em prejuízo do A.; 13.ª - Acresce que, os actos dos gerentes não assentaram em nenhuma deliberação mas unicamente na sua vontade própria; 14.ª - A deliberação de ratificação é posterior aos actos, pelo que estes não assentaram naquela, não sendo também por isto aplicável a exclusão prevista no n.º 5 do art.º 72.º do CSC; 15.ª - Ainda que assim não se entenda, mas sem conceder e por mera cautela de patrocínio, deve o R. FH ser responsabilizado na qualidade de sócio da sociedade; 16.ª - E deve ser responsabilizado por ter adquirido uma quota da sociedade com dinheiro da própria sociedade; 17.ª - Esta situação de confusão de patrimónios perpetrada pelo R. FH consubstancia uma das situações de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade; 18.ª - Além disso, a ratificação societária de actos ilícitos dos gerentes perpetrada exclusivamente pelo R. FH também consubstancia uma desconsideração da personalidade jurídica da sociedade; 19.ª Deve, pois, o R. FH ser pessoalmente responsabilizado perante o A..

    Pede o A. apelante que seja revogada a sentença recorrida, na parte em que absolveu os R.R. FH e JM do pedido, e substituída por decisão que os condene a pagar ao A., solidariamente com a sociedade, os € 114.500,00 dos suprimentos.

    9.

    Não foram apresentadas contra-alegações.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    II – Delimitação do objecto do recurso Como é sabido, o objecto do recurso é definido em função das con-clusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 684.º, n.º 3, 684.º, n.º 2, e 685.º-A, n.º 1, do CPC, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.

    Dentro desses parâmetros, as questões suscitadas no presente recurso são as seguintes: A – No âmbito da apelação interposta pela R.: a) – a questão da preterição do pretenso acordo de...

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