Acórdão nº 2490/12.0TJLSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 05 de Julho de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA TERESA PARDAL
Data da Resolução05 de Julho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO.

A ( …Financeira de Crédito, SA) intentou contra B a presente providência cautelar de apreensão de veículo automóvel alegando, em síntese, que celebrou com o requerido um contrato de financiamento para aquisição a crédito, com o n.º ..., de um veículo automóvel de matrícula 00-FA-00, disponibilizando-lhe a quantia de € 21.243,60, para ser restituída em 120 prestações mensais, tendo o requerido comprado o referido veículo automóvel com a quantia mutuada e tendo ficado registada a reserva de propriedade a favor da requerente, mas, face à falta de pagamento das respectivas prestações, foi oportunamente resolvido o contrato de mútuo.

Concluiu pedindo a apreensão do veículo automóvel, bem como dos respectivos documentos.

Foi proferido despacho que, considerando inadmissível a cláusula da reserva de propriedade a favor do financiador, indeferiu a providência de apreensão judicial do veículo.

Inconformado, o requerente interpôs recurso deste despacho e alegou, formulando as seguintes conclusões: Fazendo jus à liberdade de estipulação negocial, consagrado no art. o .105. o do Código Civil, as partes estabeleceram livremente as cláusulas que melhor satisfaziam os seus interesses e necessidades.

A ora Recorrente provou que o Requerido não cumpriu o contrato de financiamento, pagando apenas 25 prestações das 120 acordadas.

A Recorrente fez ainda a prova de que é titular do registo de reserva de propriedade sobre o veículo em causa.

Com efeito, o art. o .109. o do C. C. tem de ser objecto de uma interpretação actualista, devendo desse modo entender-se que o contrato em causa é aquele cujo regular cumprimento das obrigações se encontra garantido pela reserva de propriedade, in casu, o contrato de financiamento.

Caso contrário, a reserva de propriedade, legalmente constituída, seria totalmente inútil por o crédito da Requerente resultar sem garantia.

Deste modo, a interpretação literal e restritiva de que só o incumprimento e consequente resolução do contrato de compra e venda a prestações pode levar à restituição do veículo vendido, torna inútil a cláusula de reserva de propriedade, sempre que a aquisição do veículo for efectuada com recurso ao financiamento de terceiro, facto que traduz ser a regra de hoje, face à evolução que se constata nesta forma de aquisição.

* * A questão a decidir é a de saber se é válida a cláusula de reserva de propriedade constituída a favor da entidade que financiou a compra do veículo automóvel pelo requerido a terceiro.

* FACTOS.

Os factos a atender são os que constam no relatório deste acórdão.

* ENQUADRAMENTO JURÍDICO.

A providência cautelar de apreensão de veículo automóveis, regulada no DL 54/75 de 12/12, prevê, no seu artigo 15°, a possibilidade de ser pedida a apreensão do veículo quando estiver vencido e não pago o crédito hipotecário, ou quando não forem cumpridas as obrigações que originaram a reserva de propriedade, podendo o titular dos respectivos registos requerer em juízo a apreensão do veículo e dos seus documentos.

No presente caso, o requerente invoca a reserva de propriedade do veículo a seu favor, no âmbito do contrato de mútuo que celebrou com o requerido, com o objectivo de este comprar o veículo a terceiro.

É conhecida a divergência jurisprudencial relativamente à validade da cláusula de reserva de propriedade a favor do mutuante.

Uma corrente entende que, embora a reserva de propriedade esteja prevista no artigo 4090 do CC como um instituto ligado ao contrato de compra e venda, deverá ser feita uma interpretação actualista e extensiva do artigo 18° do DL 54/75, no sentido de se considerar que ao mencionar-se aí a "resolução do contrato de alienação com reserva de propriedade", se pretende englobar o contrato de mutuo, como resultado da evolução das práticas comerciais, em que é cada vez mais frequente as instituições de crédito, ao abrigo da liberdade contratual contemplada no artigo 405° do CC, usarem a cláusula de reserva de propriedade como garantia de cumprimento do contrato de mútuo e do financiamento da compra do veículo (neste sentido, entre outros, acs RL 12/10/2010,6/05/2010, 18/03/2010,3/12/2009, todos em www.dgsi.pt).

Outra corrente entende que é inválida a cláusula de reserva de propriedade de veículo a favor da instituição de crédito que não é proprietária do mesmo, pois tal cláusula só poderá ser outorgada a favor do proprietário alienante (neste sentido, entre outros, acs STJ 31/03/2011, 10/07/2008, 7/07/2010, RL 15/05/2012, 6/12/2011, 25/01/2011, 1411212010, 4/03/2010,26/11/2009, todos em www.dgi.pt.

Ponderados os argumentos de ambas as correntes, parece-nos que será de optar pela segunda corrente acima enunciada.

Com efeito, o artigo 408° do CC consagra a...

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