Acórdão nº 7328/10.0TBOER.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Julho de 2012

Magistrado ResponsávelJOÃO RAMOS DE SOUSA
Data da Resolução12 de Julho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: Relatório O 5º Juízo Cível de Oeiras reconheceu a decisão arbitral proferida em Paris pelo árbitro único L.B.R., a fls. 99-110 dos autos, sendo partes A (demandante, recorrida) e B (demandada, recorrente), nos termos da Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, Nova Iorque, 1958.06.10.

A decisão arbitral foi do seguinte teor: - Julgo e declaro que a Ré incumpriu claramente as obrigações para si decorrentes do Contrato ao não efectuar o pagamento da segunda prestação da Garantia Mínima; - Julgo e declaro que as alegações na contestação, os requerimentos e pedidos reconvencionais oferecidos pela Ré são considerados total e integralmente improcedentes.

- Condeno a Ré ao pagamento ao Autor das seguintes quatro quantias: (i) a quantia de € 80,000 livres de quaisquer impostos ou taxas; (ii) juros de mora devidos no valor de € 14 346.93, (iii) todos os custos de arbitragem suportados pelo Autor até à data, no valor de USD $ 3 138.35 e (iv) o valor dos honorários devidos ao Árbitro, no total de USD $ 5 545,70. Esta quantia inclui os custos do Árbitro e é independente do depósito total efectuado.

Estas quatro quantias deverão ser pagas integralmente ao Autor pela Ré no prazo de 30 (trinta) dias a partir da data de notificação da presente decisão às Partes pelo Agente de Arbitragem, acrescidas de juros sobre a quantia referida no valor máximo permitido por lei a partir do final do período de 30 (trinta) dias e até integral pagamento.

- Todos os direitos de distribuição ao abrigo do acordo cessam a partir do dia 28 de Outubro de 2008, a data da Notificação de Incumprimento formal por escrito, tendo como resultado que a Ré não possuirá mais direitos e a Autora não possuirá mais nenhuma obrigação ao abrigo do referido Contrato.

- Esta decisão corresponde à decisão final relativamente a todos os pedidos e pedidos reconvencionais submetidos a esta Arbitragem. Todos os pedidos e pedidos reconvencionais não expressamente referidos são considerados improcedentes.(...).

Antes de proferir a sentença que reconheceu a decisão arbitral, o 5º Juízo Cível de Oeiras havia mandado citar a demandada para deduzir oposição no prazo de dez dias.

A ré recorreu (1) do despacho que lhe fixou este prazo de dez dias e (2) da sentença que reconheceu a decisão arbitral, pedindo que seja revogada e substituída por outra que recuse o reconhecimento daquela decisão.

A recorrida não se pronunciou.

Cumpre decidir (1) se o tribunal recorrido devia ter fixado um prazo de 30 dias para a oposição (e não 10 dias), e (2) se devia ter recusado o reconhecimento da decisão arbitral.

Fundamentos Factos Com interesse para a decisão do recurso, provaram-se os seguintes factos, apurados pelo Tribunal a quo: A) A Requerente é uma sociedade de direito francês que se dedica, designadamente, à realização, produção e distribuição, em todo o mundo, de filmes de animação.

B)A Requerida é uma sociedade portuguesa que se dedica, designadamente, à distribuição de filmes, vídeos e programas de televisão.

  1. No exercício das respectivas actividades económicas e comerciais, Requerente e Requerida assinaram, em 31 de Janeiro de 2006, um documento intitulado “Licença de Distribuição ‘G...W...’ Contrato – Condições Especificas do Contrato”, junto a fls. 84-90 e fls. 26-49 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

  2. Nos termos do acordo referido, a Requerente concedeu à Requerida, e esta aceitou, os direitos de distribuição exclusiva, nos territórios de Portugal, Angola, Moçambique, Guiné- Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, de uma longa metragem de animação intitulada “G...W...”, realizada por O.J.M. .

    (...) N) Em 24.02.2009, a Requerente remeteu à Requerida uma notificação para o início de procedimento arbitral para resolução do litígio decorrente do incumprimento do Contrato imputável à Requerida.

  3. Na mesma data, a Requerente remeteu a notificação para o início de procedimento arbitral ao Tribunal Arbitral da IFTA, sedeado na Califórnia, Estados Unidos da América.

  4. O Tribunal Arbitral da IFTA notificou a Autora, e citou a Ré, para efeitos do início de procedimento arbitral apresentado por aquela, remetendo-lhes as regras da IFTA para arbitragens internacionais e a lista dos árbitros da IFTA.

  5. A IFTA nomeou para dirimir o litígio o Árbitro único de nacionalidade francesa L. B. R. .

  6. A Requerente e a Requerida participaram e/ou tiveram a oportunidade de participar na nomeação do Árbitro único.

  7. Citada para o procedimento arbitral, a Requerida deduziu duas contestações e apresentou pedido reconvencional.

  8. O procedimento arbitral teve lugar em Paris, na França.

  9. A Requerida arguiu aí a incompetência do Tribunal arbitral tendo sido proferida a decisão de fls. 196-200 que aqui se dá por integralmente reproduzida, na qual se decidiu que: “o Acordo deve ser entendido no sentido de que a arbitragem deve ter lugar perante um árbitro designado, de acordo com o constante no Regulamento da IFTA, o qual deve ter morada profissional no Fórum de Paris.

    Portanto, declaro que o pedido apresentado pela Demandada relativo à minha incompetência para dirimir o litígio foi recusado. Na qualidade de árbitro da IFTA, nomeado de acordo com o Regulamento desta, tenho competência para regular e dirimir o litígio.” V) Em 30.09.2009, foi proferida decisão arbitral, pelo Árbitro único nomeado referido em Q), junta aos autos a fls. 99-110, e já reproduzida no relatório deste acórdão.

    Análise jurídica O Tribunal a quo fundamentou-se, em resumo, nas seguintes considerações, ( a) Quanto ao prazo do demandado: Por despacho de 19.11.2010 (referência 8425569), decidiu-se que a concessão de exequatur de uma sentença arbitral estrangeira obedece ao formalismo processual especial constante da Convenção de Nova Iorque, não lhe devendo pois ser aplicável nem o formalismo do processo especial de revisão de sentença estrangeira, regulado pelos artigo 1094º e seguintes do Código de Processo Civil, nem tão pouco o formalismo ou as regras processuais do processo executivo, ainda que por aplicação do disposto no artigo 30º da Lei 31/86, de 29/8.

    Decidiu-se ainda que à parte contra a qual é invocada a sentença cuja reconhecimento e execução se pretende não lhe assiste a faculdade (processual) de contraditar a pretensão da requerente mas apenas e tão só o ónus de praticar um acto processual, qual seja o de fornecer a prova necessária à demonstração da verificação daqueles requisitos processuais negativos elencados nas al. a) a e) do nº 1 do artigo V da aludida Convenção.

    Entendeu-se, assim, que este é o meio de defesa que pode ser usado pela Requerida, não correspondendo o mesmo ao amplo exercício da faculdade de contestar, nos termos em que a mesma é prevista pelos artigos 486º e seguintes do Código de Processo Civil, não permite a aplicação das regras do processo sumário, havendo então que ser aplicável o artigo 153º, nº 1, do Código de Processo Civil.

    Em suma, decidiu-se que o prazo fixado à Requerida para poder cumprir com o ónus processual a que alude o artigo V da Convenção é o de 10 dias indicado pelo artigo 153º, nº 1 do Código de Processo Civil, sendo este que lhe devia ser (tal como foi) comunicado no acto da citação, em obediência ao disposto no artigo 235º, nº 2, do Código de Processo Civil.

    ( b) Quanto à competência do Tribunal: Estipula no artigo 1094º, nº 1 do Código de Processo Civil que “sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro ou por árbitros no estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada”.

    No que concerne à arbitragem, foi concluída em 10 de Junho de 1958, em Nova Iorque, no âmbito das Nações Unidas, a Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras1, a qual é directamente aplicável no presente caso2.

    Com efeito, em face do disposto no artigo 8º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, as normas do direito internacional convencional em que participe o Estado português, para além da sua recepção automática na ordem jurídica nacional, passam desde logo a ocupar uma posição superior relativamente às emanadas dos órgãos legislativos nacionais comuns, de molde que, no caso da existência de quaisquer conflitos entre normas legais comuns e normas convencionais, deve ser dada prevalência às últimas em detrimento das restantes, dado o princípio da hierarquia das fontes de direito, quanto à preferência pela aplicação da norma de valor mais elevado.

    3 Ora, estabelece o artigo III da referida Convenção de Nova Iorque que “(c)ada um dos Estados Contratantes reconhecerá a autoridade de uma sentença arbitral e concederá a execução da mesma nos termos das regras de processo adoptadas no território em que a sentença for invocada, nas condições estabelecidas nos artigos seguintes. Para o reconhecimento ou execução das sentenças arbitrais às quais se aplica a presente Convenção, não serão aplicadas quaisquer condições sensivelmente mais rigorosas, nem custas sensivelmente mais elevadas, do que aquelas que são aplicadas para o reconhecimento ou a execução das sentenças arbitrais nacionais”.

    Em face do estipulado nesta norma impõe-se, como regra, a equiparação do formalismo processual exigível para o reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras ao aplicável às decisões proferidas pelos tribunais arbitrais nacionais.

    Ora, atento o disposto no artigo 26º, nº 2 da Lei de Bases da Arbitragem Voluntária (Lei no 31/86, de 29 de Agosto) e no artigo 49º, nº 1 do Código de Processo Civil, uma decisão arbitral tem a mesma força executiva que a sentença do tribunal judicial de 1ª instância.

    Todavia, e pese embora em Portugal não se sujeite o reconhecimento das sentenças arbitrais nacionais a um processo prévio de...

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