Acórdão nº 505/12.0YRLSB-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelJOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Data da Resolução27 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: I – RELATÓRIO O presente recurso de Apelação foi interposto, em 26/03/2012, por SNM – SINDICATO NACIONAL DOS MOTORISTAS, devidamente identificado nos autos, com referência ao Acórdão proferido em 19 de Março de 2012, pelo Tribunal Arbitral, no quadro da arbitragem obrigatória promovida no seio do Conselho Económico e Social Portugal, na sequência das diligências inconclusivas desenvolvidas pela Direção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho do Ministério da Economia e do Emprego destinadas à definição por acordo dos serviços mínimos e dos meios necessários para os assegurar decorrentes da greve convocada, para o dia 22 de Março de 2012 (dia de greve geral), pelas diversas associações sindicais com implantação na COMPANHIA CARRIS DE FERRO DE LISBOA, SA, conforme ressalta da Acta junta a fls. 2 a 9 dos autos e que retrata a Reunião havida em 12 de Março de 2012.

O aviso - prévio de greve foi remetido à Apelada no dia 6 de Março de 2012, conforme ressalta do documento de fls. 11 a 13 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Esse pré-aviso de greve foi subscrito pela FECTRANS - FEDERAÇÃO DOS SINDICATOS DE TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES, pelo SITRA - SINDICATO DOS TRABALHADORES DOS TRANSPORTES, pelo SNM - SINDICATO NACIONAL DOS MOTORISTAS e pela ASPTC - ASSOCIAÇÃO SINDICAL DO PESSOAL DE TRÁFEGO DA CARRIS.

Em tal aviso prévio de greve pode ler-se o seguinte: «2 - As "necessidades sociais impreteríveis" a que se refere o nº.1 do artigo 537.º do Código do Trabalho, hão-de ser, à luz do citado artigo 18.º da CRP, necessidades sociais cuja insatisfação se traduza na violação de correspondentes direitos fundamentais dos cidadãos e não meros transtornos ou inconvenientes resultantes da privação ocasional de um bem ou serviço.

3 - O n.º 2 do artigo 537.º do Código do Trabalho estabelece quais as empresas e estabelecimentos ou sectores onde poderá verificar-se a necessidade de prestação de serviços mínimos, em função de circunstâncias concretas, sendo certo, porém, que a atividade normal desses estabelecimentos e empresas não corresponde, em abstrato, à satisfação de necessidades impreteríveis, o que equivaleria à negação do direito à greve por parte dos trabalhadores de tais estabelecimentos e empresas.

4 - Mesmo nos casos em que, face a circunstâncias concretas, se mostre necessária a prestação de serviços mínimos, a sua definição deve "respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade", nos termos do n.º 5 do artigo 538.º do Código do Trabalho.

5 - No que se refere à atividade da COMPANHIA CARRIS DE FERRO DE LISBOA, S.A., de transporte de passageiros, o estabelecimento, a título de prestação de "serviços mínimos", da obrigatoriedade de funcionamento de determinadas percentagens dessa atividade normal, sem conexão com necessidades específicas e inadiáveis de certos grupos ou categorias de cidadãos, constituiria uma dupla violação da Constituição da República 6 - Por um lado, asseguraria o transporte normal a um determinado número de cidadãos, indiscriminadamente, preterindo outros que, por igualdade ou, até, por maioria de razão, careçam tanto ou mais desse transporte.

7 - Por outro lado, a privação de transporte através da Companhia Carris de Ferro de Lisboa, S.A. daqueles que não pudessem beneficiar dos impropriamente chamados "serviços mínimos" seria a demonstração cabal de que essa "definição de serviços mínimos" não respeitara os "princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade".

  1. Pelo exposto, as Associações Sindicais signatárias consideram que, face às atuais circunstâncias, nomeadamente o número de trabalhadores abrangidos pelo aviso-prévio efetuado e a sua ampla divulgação, apenas se mostra necessário assegurar, a priori, os seguintes serviços mínimos: · Funcionamento do transporte exclusivo de deficientes; · Funcionamento do carro do fio; · Funcionamento dos postos médicos.

    As Associações Sindicais signatárias declaram, porém, que assegurarão ainda, no decorrer da greve, quaisquer outros serviços que, em função de circunstâncias concretas e imprevisíveis, venham a mostrar-se necessários à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.» A Apelada, por seu turno, elaborou e apresentou o documento junto a fls. 14 a 22, onde se propõe a título de serviços mínimos a circulação de uma determinada percentagem da rede, em termos de carreiras e autocarros, conforme o período do dia em causa, sendo, em síntese, feita a seguinte proposta: PM (08,00 horas) - 169 autocarros (27,6%); CD (13,00 horas) - 116 autocarros (27,6%); PT (18,00 horas) - 159 autocarros (27,1%); NOCT (24,00 horas) - 31 autocarros (26,7%).

    Face a tal discordância entre os sindicatos e a CARRIS, foi convocada e realizada a reunião que se mostra espelhada na Acta de fls. 2 a 4, já antes referida.

    * O Acórdão do Tribunal Arbitral, junto a fls. 52 e seguintes, tem o seguinte teor: “I – OS FATOS 1. A Direcção-geral do Emprego e das Relações de Trabalho do Ministério da Economia e do Emprego enviou à Secretária-Geral do Conselho Económico e Social (CES), no dia 8 de Março de 2012, os elementos relativos ao aviso prévio de greve dos trabalhadores da Sociedade de Transportes Colectivos do Porto, SA (STCP). O referido pré-aviso, subscrito pelo Sindicato Nacional dos Motoristas (SNM), pela Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações (FECTRANS) e pelo Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes (SITRA), refere-se à greve para o dia 22 de Março, no período compreendido entre as 23H00 do dia 21 de Março e as 02H00 do dia 23 Março de 2012.

  2. Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 538.º do Código do Trabalho (adiante CT) foi realizada, no dia 8 de Março de 2012, uma reunião nas instalações da DGERT, da qual foi lavrada ata assinada por todos os presentes.

  3. Em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 24.º e no n.º 2 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 259/2009, de 25 de Setembro, o CES procedeu às diligências legais necessárias à formação do Tribunal Arbitral, cuja composição é a seguinte: – Árbitro presidente: A...; – Árbitro dos trabalhadores: E...; – Árbitro dos empregadores: I....

    II – AUDIÊNCIA DAS PARTES 1. O Tribunal Arbitral reuniu no dia 14 de Março de 2012, nas instalações do CES, tendo procedido a uma primeira apreciação do processo e à audição das partes, através dos respectivos representantes que apresentaram as credenciais juntas aos autos e devidamente rubricadas.

    O SNM fez-se representar por: – M....

    O SITRA credenciou o SNM A FECTRANS fez-se representar por: – V...

  4. No decurso das audições realizadas, os representantes das partes responderam às questões que lhes foram colocadas pelo Tribunal Arbitral e prestaram os esclarecimentos que lhes foram pedidos, não se tendo, todavia, mostrado disponíveis para um entendimento que dispensasse a decisão deste Tribunal., O SNM apresentou ao Tribunal dois despachos do Ministro da Economia e uma ata da DGERT com vista à fundamentação da inexistência de necessidades sociais impreteríveis (de acordo com a interpretação do Sindicato).

    O SITRA credenciado pelo SNM apresentou o pré-aviso de greve no qual está patente a posição adoptada quanto aos serviços mínimos a prestar.

    Por sua vez a representante da STCP apresentou um documento em que são reformulados os serviços mínimos no período da greve, e que diferem dos que constam do processo remetido pela DGERT.

  5. O Tribunal Arbitral verificou que os serviços mínimos não estão regulados no instrumento de regulamentação colectiva aplicável, não tendo existido acordo anterior aos avisos prévios para a fixação desses serviços mínimos.

    III – ENQUADRAMENTO JURÍDICO 1. De acordo com o art. 57.º da Constituição o direito à greve assume a natureza de direito fundamental, carecendo para o seu exercício de articulação com os demais direitos e encontrando-se limitado pela necessidade de prestação de serviços mínimos para a satisfação de necessidades sociais impreteríveis. O critério utilizado para a harmonização destes dois propósitos consiste no recurso ao princípio da proporcionalidade previsto no art. 18.º nº 2 da Constituição e no art. 537.º do CT. Assim quando haja recurso à greve, as empresas ou estabelecimentos cuja actividade se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, as associações sindicais que declarem a greve e os trabalhadores aderentes devem assegurar, durante a mesma, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação das citadas necessidades.

  6. De acordo com o disposto na alínea h) do n.º 2 do mesmo artigo, os “Transportes, incluindo portos, aeroportos, estações de caminho -de -ferro e de camionagem, relativos a passageiros, animais e géneros alimentares deterioráveis e a bens essenciais à economia nacional, abrangendo as respectivas cargas e descargas” integram a lista exemplificativa de sectores em que o legislador considera poder estar em causa a satisfação de necessidades sociais impreteríveis.

  7. Uma greve que implique um risco de paralisação do serviço de transportes, exige de acordo com as regras já citadas da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, a satisfação das necessidades impreteríveis na medida do estritamente necessário (cf. também artigo 538.º, n.º 5, do CT).

  8. No Caso concreto o Tribunal Arbitral tem presente que se trata de uma greve geral com a duração de um dia inteiro que implicará uma paralisação geral dos serviços de transporte. Pondera ainda o fato de as linhas propostas pela STCP desempenharem um papel relevante na satisfação das necessidades sociais impreteríveis da população.

  9. O Tribunal pondera a relação entre o direito à greve nas suas implicações para o exercício de outros direitos como sejam a deslocação, e o desenvolvimento normal da vida das populações designadamente nas áreas da saúde, educação e trabalho.

  10. Com...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT