Acórdão nº 8888/03.7TBOER.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução21 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados: “A” intentou a presente acção contra “B” e “C” – Construção Unipessoal, Lda, pedindo a condenação destes a pagarem-lhe 165.618,98€ e juros de mora vincendos, à taxa anual de 4% desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que celebrou com o réu, empresário em nome individual, um contrato de empreitada com vista à construção de uma moradia. Depois de ter constituído uma sociedade comercial “B” veio a actuar sob o nome da mesma. O contrato previa um preço global, não revisível de 234.435€, acrescido de IVA. No decurso da obra o autor aprovou alterações, que constituem trabalhos a mais no montante de 155.179,98€. O autor entregou aos réus 328.939,76€. Os subempreiteiros alegam não terem sido pagos pelos serviços executados. O autor interpelou o réu para prestar contas, o que só veio a acontecer em finais de Maio de 2003. Em 19/05/2003 o réu denunciou o contrato por considerar que os trabalhos a mais já ultrapassavam em 72% o valor do contrato inicial. A invocação do art. 1215/2 do CC não é válida pois não estão em causa alterações por motivos de ordem técnica ou de violação de direitos de terceiro. Nos dias seguinte o réu continuou a executar o contrato e a exigir o pagamento das quantias relativas ao mesmo, assim como relativas a trabalhos adicionais. Os valores apresentados pelo réu são descabidos. O autor tomou a posse administrativa da obra em 30/05/2003. O réu denunciou pela 2ª vez o contrato em 05/06/2003, juntando ao primeiro argumento um outro, o constante no art. 1216 do CC. Tal argumento não procede porquanto os trabalhos a mais situam-se abaixo do limite de um 1/5 do valor da empreitada. O réu denunciou o contrato pela 3ª vez, em 17/06/2003 com os mesmos argumentos. O autor contratou dois peritos que concluíram estar a moradia executada em 60,81%. Assim, o montante até então despendido na obra prevista pelo orçamento inicial não poderia ultrapassar os 142.556,92€, reclamando o empreiteiro 195.753,23€. No que concerne os trabalhos a mais efectivamente realizados apenas seria possível cobrar 20.763,86€ – e não os 59.997,19€ reclamados. Os réus têm, assim, indevidamente na sua posse 165.618,98€, valor pelo qual deverá o autor ser indemnizado, quer a título de incumprimento, quer de enriquecimento sem causa Os réus contestaram e deduziram pedido reconvencional.

Alegaram, em síntese, que em Dezembro de 2002 o réu comunicou ao autor a criação da ré e a sua vontade de que no contrato de empreitada esta assumisse a sua posição, o que o autor aceitou. O montante dos trabalhos a mais importa em 155.179,98€ a que acresce IVA. O montante entregue pelo autor foi de 309.939,76€, IVA incluído, valor a que devem ser deduzidos 650€ referente a projecto da rede de aquecimento e plano de segurança da obra, não incluído no contrato. O restante valor corresponde a trabalhos adjudicados concluídos e/ou em fase de acabamento (247.431,80€) e pagamentos efectuados por conta dos trabalhos a mais, no total de 184.664,17€, IVA incluído (61.857,96€). Face às entregas efectuadas o autor encontrava-se em dívida em 30.474,12€ relativos a trabalhos a mais. As alterações atingem cerca de 70%. A duração prevista da obra era de 10 meses. O projecto facultado pelo autor apresenta diversas deficiências, omissões e erros que alteram totalmente as condições, não havendo qualquer direito do autor a ser indemnizado. Em reconvenção alegaram que o autor lhes deve as seguintes quantias: - 31.000€ pela paragem da obra durante 4 meses, devido à falta de elementos técnicos relativos ao projecto de execução (não incluindo IVA); - 46.753,79€, a título de lucros cessantes (não incluindo IVA); - 92.332,09€, IVA incluído, pela adjudicação de trabalhos a mais; - 55.795,53€, IVA incluído, relativo a trabalhos contratuais não concluídos. São ainda devidos ao réu 1.476,94€, acrescidos de IVA, a título de honorários pela responsabilidade e direcção técnica da obra. Conclui pela improcedência da acção e pela procedência do pedido reconvencional, devendo o autor ser condenado a pagar as referidas quantias.

O autor apresentou réplica. Alegou, em síntese, que o réu nunca lhe comunicou a vontade de a ré assumir a sua posição no contrato. O réu incluiu desde o início a responsabilidade técnica da obra como parte integrante do contrato. As verbas reclamadas pelos réus não têm qualquer suporte. Conclui pela improcedência das excepções e da reconvenção e sua absolvição do respectivo pedido.

(seguiu-se até aqui, quase na íntegra, o relatório constante da sentença recorrida) * O despacho saneador julgou que faltava à ré personalidade judiciária e absolveu-a da instância.

Depois do julgamento, a acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se o réu a pagar ao autor 106.817,50€, IVA incluído, acrescidos de juros de mora, à taxa anual de 4% desde a citação; e o pedido reconvencional foi julgado improcedente, dele se absolvendo o autor.

O réu interpôs recurso desta sentença - para que seja revogada e substituída por outra que condene o autor no pagamento dos valores reconvencionados pelo réu (sem fazer referência ao 1º valor, de 31.000€ pela paragem da obra) -, recurso onde, depois de também pôr em causa alguns factos, termina as suas alegações do seguinte modo: Nas conclusões 1 a 6 reproduz os factos dados como assentes de A) a F), e depois acrescenta: “7. Ora, considerando-se o valor da totalidade da obra, o valor final da moradia em questão seria de 278.977,65€ (234.435€ + 44.542,65€) com os acréscimos dos trabalhos a mais no valor de 155.179,98€, o que totalizaria um montante final de 434.157,63€.

8. Assim, e tendo em consideração o constante dos presentes autos, dá-se como provado que o autor entregou ao réu 309.939,76€.

9. Ficariam assim por pagar 124.217,87€.” Na conclusão 10 reproduz o facto assente em I) e depois acrescenta: “11. No doc. junto à pi sob o n° 51, o próprio autor dá como assente que a obra está efectuada em 70%.

12. Quem demonstrou não querer cumprir a sua obrigação de pagamento integral da obra efectuada foi o autor, uma vez que tomou a posse administrativa da obra, impedindo o réu de a concluir.

13. Nestes termos, resulta claro que o incumprimento definitivo deu-se por causa imputável ao autor, equiparada pela lei à impossibilidade da prestação, nos termos do 801 do CC.” O autor não contra-alegou.

* Questões que cumpre solucionar: se algum dos factos dados como provados deve ser alterado por força do recurso contra a decisão da matéria de facto; e depois, tendo em conta o âmbito objectivo do recurso delimitado pelas conclusões do mesmo (art. 684/3 do CPC), importará saber: se dos factos provados resulta que o autor já devia ter pago 434.157,63€ e ainda só pagou 309.939,76€, estando em dívida pela diferença entre estes valores; que valor tem o facto de o autor, no doc. junto à pi sob o n° 51, ter referido que a obra está efectuada em 70%; se o facto de o autor ter tomado a posse administrativa da obra demonstra a sua vontade de não querer cumprir a sua obrigação de pagamento integral da obra; se, disso, resulta que o incumprimento definitivo se deu por causa imputável ao autor.

* Foram considerados provados os seguintes factos (os sob alíneas vêm da especificação e os sob números vêm da resposta aos quesitos):

  1. O autor adquiriu um terreno designado Lote ..., sito na Rua ..., ..., em ..., para construção de uma moradia.

  2. Após aprovação do projecto de construção da moradia, o autor celebrou com o réu um contrato de empreitada nos termos que constam da proposta PO 19-B/01, de 2002/04/02 e que constitui o documento nº 1 junto com a p.i a fls. 13-26 [a folha 27 já pertence ao doc. 2; a proposta só começa a fls. 23 – rectificação e esclarecimento apostos neste acórdão].

  3. O contrato celebrado entre autor e réu prevê um preço global não revisível para construção da habitação completamente acabada de 234.435€, acrescida de IVA.

  4. Do valor global indicado em C) estão excluídos todos os trabalhos solicitados pelo dono da obra que não estejam contemplados no orçamento, os quais estão sujeitos a apresentação de orçamento pelo réu e prévia aprovação por escrito do autor.

  5. Ao contrato identificado em B) foram feitas as alterações nos termos dos documentos n° 2 a 12 juntos com a pi no total de 155.179,98€.

  6. O autor entregou ao réu quantias que totalizam 309.939,76€.

  7. O réu enviou ao autor, que a recebeu, a comunicação [datada] de 19/05/2003 [por fax de 20/05/2003 – os parênteses foram colocados neste acórdão, para ter em conta elementos do documento que importam, ao abrigo do disposto nos arts. 659/3 e 713/2, ambos do CPC – também se irá transcrever, com esse fim, parcialmente o teor do documento dado por reproduzido] e que constitui o documento n° 50 da p.i (junto a fls. 103-106 e cujo teor foi dado por integralmente reproduzido), continuando a execução da obra; nessa comunicação entre o mais consta: “Em face do exposto, e, da sua falta de disponibilidade p/se encontrar uma solução que fosse de encontro aos interesses de ambas as partes, só nos resta, lamentavelmente a solução última, isto é, formalmente denunciar o contrato de empreitada PO 19-B/01, datado de 2002/04/02 e, dos diversos adicionais complementares e, relativos à execução de vários trabalhos a mais solicitados por V. Exª, e, que fazem parte integrante do contrato inicial da empreitada.

    Denúncia que é solicitada e formalizada, com base no direito que nos assiste, e, em conformidade com o nº 2 do art. 1215 do CCP, tendo como suporte justificativo, o volume de trabalhos a mais, cujo valor na presente data é de 168.804,86€, e, que representa 72% do valor do contrato de adjudicação inicial. Trabalhos a mais, que têm uma ligação directa e interdependente com os trabalhos inicialmente convencionados. Oportunamente daremos forma oficial à nossa pretensão, e, manifestada na presente comunicação.” H) O réu enviou ao autor, que a recebeu, a...

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