Acórdão nº 187/10.4TVLSB.L2-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelSÉRGIO ALMEIDA
Data da Resolução14 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.

I.

  1. Recorrente: a ré (R.) “A”, SA, na qualidade de habilitada do demandado “B” – Banco “B”, SA.

    Recorrida: a autora (A.) “C”, Agrícola e Industrial, Lda.

  2. A ora recorrida “C” propôs contra o “B” a presente acção ordinária na qual, alegando que celebrou com o banco um contrato de abertura de crédito, assegurado por hipoteca sobre a Quinta ..., cessando tal contrato em 29.1.2010; que apesar de dispor de património, não pode cumprir os compromissos que assumiu em virtude da situação económica e financeira, nacional e internacional, vivida desde 2007, que atingiu o sector da produção do vinho a que se dedica, circunstancialismo que consubstancia uma alteração anormal das circunstâncias, conferindo à Autora o direito de modificar o contrato, segundo juízos de equidade, pediu que seja: a) declarada a nulidade da denúncia do contrato de abertura de créditos comunicada pelo Réu à Autora por carta de 17.11.2009; b) condenado o Réu a modificar o contrato de abertura de crédito de 29.7.2005, segundo juízos de equidade, por uma das seguintes três modalidades: 1. Pelo reescalonamento da dívida integrando um reforço de tesouraria de duzentos mil euros a 15 anos, com carência de capital e juros durante três anos; 2. Pela entrega pela autor do património imobiliário identifica no artigo 16º da petição por valor a determinar por avaliação independente, para integrar um fundo imobiliário, no qual a Autora passará a deter uma participação, liquidando simultaneamente a abertura de crédito pela entrega ao réu dos títulos desse fundo imobiliário de valor equivalente; 3. Por qualquer outra solução que o Tribunal decida com recurso a juízos de equidade.

    O Réu contestou defendendo que o primeiro pedido da Autora não tem fundamento legal e que o regime da alteração das circunstâncias não é aplicável a um contrato de curto prazo e já denunciado. Impugnou o mais e pediu a condenação da Autora como litigante de má fé em multa e indemnização por deduzir pretensão cuja falta de fundamento não ignora, utilizando o processo com o fim de entorpecer a acção de justiça na medida em que procura obter uma suspensão da instância executiva até que haja decisão com trânsito nestes autos.

    A Autora deduziu oposição ao pedido de condenação como litigante de má fé (fls. 117-118).

    Saneados os autos e condensados os factos foi efectuado o julgamento, tendo o Tribunal a final julgado a) a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, modificado o contrato firmado entre as partes em 29.7.2005 nos seguintes termos: o contrato é transformado em mútuo bancário da quantia em dívida (€ 900.000) pelo prazo de doze anos, a amortizar em 48 prestações trimestrais, iguais e sucessivas com início em Março de 2012, mantendo-se o acordado em 29.7.2005 quanto aos juros; é facultada à Autora a possibilidade de amortizar, total ou parcialmente o contrato, sempre que as disponibilidades assim o permitirem; b) no mais, a acção improcedente por não provada; c) o pedido de condenação da Autora como litigante de má fé improcedente por não provado.

    A decisão não satisfez a R., que a impugnou lavrando as seguintes conclusões: 1. Recorrente e recorrida celebraram em 2005 um contrato de abertura e crédito, contrato este confirmado nos seus termos essenciais em 2008 aquando da celebração da adenda que alterou o seu valor; 2. Ambas as partes quiseram celebrar quer da primeira quer da segunda vez um contrato de abertura de crédito, contrato este que é, pela sua natureza, um contrato de curto prazo; 3. A autora tinha, quer em 2005, quer em 2008, perfeita consciência dos termos do contrato que estava a assinar, nomeadamente no tange à possibilidade do recorrente fazer cessar o mesmo por denúncia; 4. A crise internacional implicou uma alteração das circunstâncias relativamente ao quadro factual em que as partes tomaram a decisão de contratar.

    1. O banco recorrente não condicionou no entanto a sua decisão de contratar ao facto do negócio que está a financiar vir ou não a ter o retorno esperado pela entidade financiada.

    2. Este é certamente um facto analisado para aquilatar do risco de contratar.

    3. O banco não se torna “sócio” do seu cliente no seu negócio.

    4. O risco da actividade da recorrida é um risco próprio do seu negócio que não pode de forma alguma ser pura e simplesmente transferido para o banco recorrente pela aplicação do artigo 437º do Código Civil.

    5. O facto de vender mais ou menos vinho, de ter maior ou menor dificuldade em receber dos seus clientes, faz parte do risco da actividade da sociedade “D”, Lda para a qual a recorrida canalizou o capital que lhe foi mutuado pelo recorrente.

    6. Em parte alguma ficou estabelecido, nem tal faria qualquer sentido, que o pagamento do mútuo acordado ficasse dependente do volume de vendas da participada da recorrida.

    7. A recorrida conhecia perfeitamente o destino que iria dar ao capital mutuado.

    8. Sabia melhor do que ninguém da natureza de longo prazo do projecto para o qual o canalizou.

    9. Tal facto não a impediu no entanto de ter assinado este tipo de contrato, um mútuo de curto prazo, por duas vezes, em 2005 e 2008, este já no ano do eclodir da crise.

    10. A propriedade do dinheiro mutuado transferiu-se para a recorrida no momento da entrega.

    11. A partir desse momento a recorrida aplicou a quantia mutuada da forma que entendeu, não sendo despiciendo o facto de do contrato não contar qualquer cláusula que obrigasse a recorrida a aplicar o capital mutuado no projecto em questão.

    12. O risco passou assim a correr por conta do mutuante.

    13. O banco recorrente nunca se bastou com a perspectiva de que o mútuo seria pago com as receitas da exploração do investimento feito na Quinta ..., de tal forma que o contrato foi acompanhado das competentes garantias de cumprimento de forma a acautelar qualquer problema que viesse a surgir com a exploração da sociedade mutuária.

    14. É aliás esta preocupação com as garantias a serem prestadas que levam o banco a acompanhar e a tomar conhecimento do projecto em questão.

    15. A quebra na quantidade de vinho vendido é uma circunstância normal no que tange à actividade da recorrente e como tal não pode ser utilizada para justificar o incumprimento do acordado.

    16. Esta alteração nas circunstâncias em que as partes contrataram não constitui uma alteração anormal para efeitos de aplicação do artigo 437º do Código Civil uma vez que não ultrapassa o círculo dos riscos próprios do contrato 21. Sob pena aliás de, para alterar qualquer contrato de mútuo por parte do mutuário, ser suficiente alegar a impossibilidade de pagamento por força de menor retorno do negócio.

    17. Seria isto encarar as...

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