Acórdão nº 204/2001.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução14 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados: “A” intentou a presente acção contra Construções “B”, Lda, pedindo que: a) se declare ilícita a edificação que confina do lado nascente com a sua propriedade na parte em que está a ser construída sobre a mesma e, em consequência, a ré seja condenada a demolir tal construção nessa parte; b) se declare ilícita a ocupação da propriedade da autora, por parte da ré com os materiais descritos na petição inicial e, em consequência, a ré seja condenada na desocupação imediata da propriedade daquela, retirando todo e qualquer material seu que ali esteja sem o seu consentimento; c) se declare ilícita a abertura de janelas no edifício em construção que deitam para a propriedade da autora, por não respeitarem a distância e os condicionalismos previstos no artigo 1360 do Código Civil e, em consequência, a ré seja condenada a mandar tapar ou recuar as ditas janelas por forma a respeitar os limites legais; d) se assim não se entender, seja a ré condenada a pagar à autora uma indemnização não inferior a 26.100,46€, sendo 21.112,48€ a título do esbulho de que está a ser vítima e 4987,98€ a título da ocupação ilegítima da sua propriedade por parte da ré e dos danos causados nas propriedades ali existentes, tudo acrescido dos juros legais vincendo desde a citação até integral pagamento.

Para tanto alegou que: a autora e a sua irmã mais nova (ambas casadas no regime da comunhão geral de bens como consta da certidão predial que junta) são contitulares de quatro edifícios descritos conjuntamente sob o número ... da Conservatória do Registo Predial do ... e inscritos na matriz, respectivamente, sob os artigos ..., ..., ... e ...; em Junho de 2000, a autora teve conhecimento que estava a ser construído um edifício numa parcela de terreno que confina a nascente com o seu prédio ...; esse edifício pertence à ré e está a ser construído contiguamente ao prédio da autora, de modo oblíquo em relação ao mesmo e em violação do seu espaço aéreo em cerca de 3 a 5 cm.

(por uma questão de melhor compreensão, daqui para a frente a autora será sempre assim referida, independentemente das qualida-des que tenha assumido ao longo do processo; o mesmo se fará em relação à ré; e tentar-se-á falar sempre em prédio da autora e em edifício da ré, fazendo-se, para o efeito, as necessárias alterações no texto quer das decisões recorridas quer das alegações) Por outro lado, para auxiliar a construção do edifício, a ré invadiu o prédio da autora, com abrigos de protecção, andaimes, madeiras e outros materiais de construção, sem que fosse pedido o consentimento da autora ou dos inquilinos que ali residem.

Para além disso, e devido à construção do edifício, foram já várias as telhas partidas e buracos feitos no telhado e tecto dos prédios ... e ... da autora.

Finalmente, no edifício da ré foram abertas janelas que deitam directamente sobre o prédio da autora, sem que fosse respeitada a distância legal de 1,5 metros (art. 1360 do CC), pois que na parte mais próxima (o prédio é oblíquo, com cerca de 30º…) distam dele cerca de 20 a 30 cm.

Quanto a esta última situação, diz que se ela se tornar definitiva, a autora, caso pretenda, futuramente, construir na sua propriedade terá que recuar na sua construção até que fique respeitada a distância mínima, dimi-nuindo assim o espaço de construção, o que desvaloriza a sua propriedade.

Para quantificar a indemnização pedida por esta desvalorização, a autora refere que em Outubro de 2000 pediu à Câmara Municipal do ... que a informasse de qual a viabilidade de construção para a área total do seu prédio. A CM... informou-a que tinha sido deferida a viabilidade de construção para a sua propriedade e que de acordo com o plano de porme-nor [do Alto ... e conforme planta de síntese em anexo], tinha direito de construção [em parte] de duas caves (= dois pisos) de estacionamento com 404 m2 de área bruta de construção. Com base nesta viabilidade de construção, o prédio foi avaliado em 189.543,20€ (a seu pedido, constando do respectivo relatório que o destino dos edifícios é serem demolidos). Tendo em conta a largura do edifício da ré, na parte que confina com a autora, que é de 15 m, e o recuo de 1,5 m a que a autora será obrigada, com referência aos 2 pisos, a autora verá diminuída a sua área de construção em cerca de 45 m2 (= 15 x 1,5 x 2). Ora, se 404 m2 valiam 189.543,20€, 45 m2 valem 21.112,49€. Valor próximo deste é o que resulta da aplicação do valor de 446,92€ por m2 de área útil previsto na portaria 191/2001, de 10/03 (= 20.111,4€ = 446,92 x 45 m2). A ré contestou, excepcionando a ilegitimidade da autora (que deveria estar acompanhada do seu marido, da sua irmã e do seu cunhado) e a incompetência do tribunal em razão da matéria e, para além disso, alegou que: Era o edifício ... da autora que estava abaulado e a ocupar a propriedade da ré; a ré apenas durante dois meses usou o seu direito (art. 1349/1 do CC) de, para erigir a sua construção, implantar alguns andaimes na parte do logradouro do casebre confinante (o prédio ...) e para o efeito deu conhecimento à locatária do casebre, locatária que aceitou a situação sem qualquer oposição ou reclamação, o que para a ré significou total assentimento; de qualquer modo, os incómodos teriam sido para a locatária e não para a autora. A ré procedeu de forma regular e pronta às reparações dos estragos ocasionados no casebre.

A norma do art. 1360 do CC pressupõe que o edifício esteja definitivamente construído. A acção foi intentada antes do tempo, pois que o edifício ainda está em construção e ainda há possibilidade de sofrer ajustamentos. De qualquer modo, é falso que o edifício, designadamente ao nível da abertura das janelas, esteja a violar qualquer direito da autora.

De acordo com o plano de pormenor do Alto ... o prédio da ré fica separado do prédio da autora por uma rua pedonal de 5 m de largura (remete para o doc. 1 – que é uma planta denominada síntese – Mosaico Norte, Alto ..., Plano de Pormenor, datada de Jul94).

O prédio da autora destina--se a ser demolido e o direito de construção da autora só abrange o subsolo, pelo que não se vislumbra em qualquer hipótese a possibilidade de violação do disposto no art. 1360 do CC.

Ainda que violação de algum direito da autora existisse pelo facto da construção da ré, estaria o mesmo ferido de abuso de direito já que o seu direito de construção se situa ao nível do subsolo, não havendo outros quaisquer direitos a proteger à superfície do terreno, por não existentes e, consequentemente, dignos de protecção.

Concluiu defendendo a procedência das excepções ou, subsidiariamente, a improcedência da acção, quer por não provada, quer porque o direito da autora está ferido de abuso.

A autora replicou, defendendo a improcedência das excepções deduzidas (incluindo a do abuso de direito) e dizendo que o cálculo da indemnização se baseou nos elementos de que dispunha à data da proposi-tura da acção, o que não quer dizer que eles sejam os mesmos actualmente e que futuramente não vá poder construir na superfície do seu prédio, sendo que não está definido no tempo quando é que os seus edifícios vão ser demolidos. Quanto ao doc. 1 junto pela ré, lembra que o mesmo data de Jul94 e diz que o mesmo não prova a existência de uma rua pedonal entre os dois prédios, “mas ainda que de facto esteja previsto uma rua pedonal entre os prédios com a largura de 5 m, tal não legitimaria o direito da ré em construir um imóvel […]”. Requereu a intervenção principal provocada, ao seu lado, do seu marido, da sua irmã e do marido desta, o que foi deferido, sem oposição.

Citados para os termos da acção, nenhum dos chamados interveio no processo.

* No despacho saneador foi julgada sanada a ilegitimidade da autora e foi julgada improcedente a excepção de incompetência.

Depois de realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

A autora interpôs recurso da decisão da matéria de facto (impugnando as respostas dadas aos quesitos 3, 4, 5, 8, 11, 19, 20 e 21 com argumentos que mais à frente irão sendo apreciados a propósito de cada um destes quesitos) e da sentença, terminando as suas alegações com 31 conclusões de Direito que aqui se sintetizam do modo que segue: i) A construção do edifício da ré invadiu o espaço aéreo do prédio da autora e essa situação só foi corrigida face às reclama-ções apresentadas pela autora junto da CM... e por imposição desta, já no decurso do processo. E, assim sendo, o tribunal recorrido deveria ter actuado de acordo com o disposto no art. 663 do CPC e declarado, nesta parte, a inutilidade superveniente da lide, pelo facto da ré ter reposto o direito da autora já no decurso da acção, com custas pela ré (que seria a única responsável pela proposição da acção).

ii) Também em relação ao pedido b) o tribunal devia ter tomado em consideração o disposto no art. 447 do CPC, isto é que a instância se tornou inútil por facto imputável à ré, que por isso devia ter sido a condenada em custas.

iii) A sentença não tira as consequências da violação da propriedade da autora, que se verifica nos termos do artigo 1360/1 do CC, invocando para tal um suposto caminho pedonal entre os dois prédios e o abuso de direito da autora; mas o caminho não existe e por isso não podia ser invocado o disposto no art. 1361 do CC para obviar à aplicação do art. 1360/1 do CC, e a autora não está a abusar do seu direito: a ré sabia, por ser a sua actividade comercial, quais as distâncias exigidas para não ofender a proprie-dade da autora e foi alertada para o efeito e fez orelhas moucas a todas as reclamações da autora e para concretizar o seu projecto, que lhe deu rentabilidade, não se coibiu de ofender a possibilidade da autora edificar um prédio e ver reduzida na sua área para que as distâncias exigidas legalmente sejam cumpridas; nunca veio demonstrar a impossibilidade ou a onerosidade de repor a distância que ocupou...

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