Acórdão nº 1435/09.9TJLSB.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelRUI VOUGA
Data da Resolução23 de Outubro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa: JMA, casado, residente na Rua de ..., n.º ..., 1.º Esq., em Lisboa, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum sumário, contra MPP, residente na Rua ..., n.º ..., em ... e contra DAL, com domicílio profissional na Rua de ..., n.º ... C, em Lisboa, pedindo que: - fossem os réus condenados a reconhecerem que a casa de habitação da porteira é comum a todas as partes habitacionais, conforme o respectivo título constitutivo de propriedade horizontal; - fosse declarado ineficaz o contrato de arrendamento da casa de porteira que os RR. celebraram e, em consequência, que se condenassem os réus a desocuparem, de imediato, de pessoas e coisas; - fossem os RR. condenados, solidariamente, a pagarem ao autor €40 por cada mês, que decorresse desde a citação até à efectiva desocupação e apresentação das chaves da casa de porteira na assembleia de condóminos, bem como nos correspondentes juros de mora à taxa legal.

Para tanto, alegou - em resumo -, ser proprietário de uma fração autónoma (designada pela letra D) do prédio devidamente identificado, prédio esse que contempla, para além do mais, casa de porteira que constitui parte comum das fracções C a J, sendo que o 1.º R. deu em arrendamento, por ajuste verbal, ao 2.º R. a casa da porteira, que este vem utilizando como armazém afecto ao seu negócio, pagando ao 1.º R. uma renda mensal, cujo valor desconhece, fazendo o 1.º R. suas tais rendas, do que não dá contas. O valor locativo mensal da casa da porteira ascenderia a €320. O arrendamento em causa é ilegal, além de ineficaz perante os demais condóminos.

Regularmente citados ambos os RR., apenas o Réu MPP contestou a acção, pugnando pela sua absolvição da instância ou, assim não se entendendo, do pedido.

Defendendo-se por excepção, invocou ser parte ilegítima na acção, pois não é proprietário de qualquer fracção no referido prédio.

Em sede de defesa por impugnação, impugnou a factualidade alegada pelo A., dando conta de que foi o próprio A. que entregou a chave ao 2.º R para que ele ali pudesse guardar pertences seus, tal como o próprio A. ali mantém pertences seus.

O A. respondeu à matéria da excepção deduzida na contestação, pugnando pela legitimidade do A. na lide.

Findos os articulados, foi proferido despacho atinente ao valor da causa, na sequência do que os autos passaram a tramitar sob a forma ordinária, tendo-se o 4º Juízo Cível de Lisboa (ao qual a acção fora inicialmente distribuída) declarado incompetente em razão do valor para os respectivos termos e sendo o processo remetido à distribuição pelas Varas Cíveis de Lisboa.

Distribuída a acção à 8ª Vara Cível, foi dispensada a audiência preliminar, tendo sido imediatamente proferido despacho saneador que, para além do mais, julgou o 1.º R. parte legítima.

Organizou-se a base instrutória e teve lugar a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença (datada de 25/1/2012) com o seguinte teor decisório: “Por todo o exposto, julgo parcialmente procedente, por provada, a presente acção, em consequência do que se declara que a casa de habitação da porteira do prédio urbano sito na Rua de ..., números ..., ...-A, ...-B e ...-C, freguesia de ..., em Lisboa constitui parte comum das fracções autónomas designadas pelas letras C a J de tal prédio, Absolvendo os RR dos pedidos deduzidos pelo A.

Custas pelo A.”.

Inconformado com o assim decidido, o A. apelou da referida sentença, tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões: “1. A matéria de facto sob 1.º e 2.º da base instrutória deveria ter sido considerada provada.

  1. Sobre o referidos factos depôs a testemunha e esposa do A., MOA, que no CD-ROM único onde se registou o seu depoimento, com início às 10:47:41 e termo da gravação às 11:06:11, que, entre outros, referiu: ∙ Com início em 02:40 e fim em 03:09, que “… havia uma pessoa interessada na casa [da porteira] e o meu marido ligou à noite para o senhor MPP [1.º R.] e disse-lhe que havia uma pessoa interessada na casa para alugar e então, foi quando ele [MPP] disse, ao meu marido, que tinha alugado a casa da porteira ao senhor DAL [2.º R.] por 230,00 euros”; ∙ Com início em 03:14 e fim em 03:23, que “(...) o senhor DAL [2.º R.] é que ocupou a casa [da porteira] em Novembro de 2008, mas ainda pediu as chaves também uns dias antes de ir para lá”.

    ∙ Com início em 04:31 e fim em 04:40, que o seu marido “não tinha conhecimento [do arrendamento em questão] se não calha a ligar para o senhor MPP [1.º R.], não sabia que tinha sido alugado aquele espaço de casa da porteira”.

  2. Provando-se o contrato de arrendamento celebrado entre os RR., é lícito ao recorrente/autor utilizar-se de prova por presunção, conforme resulta do art.º 351.º do Cód. Civil, para concluir de acordo com as regras da experiência que se presume que o 2.º R. vem pagando uma renda mensal ao 1.º R. e que este vem fazendo suas tais rendas.

  3. Devendo-se, desta forma, dar como provados os factos constantes dos pontos 4. e 6., com excepção do segmento factual “não dando contas a ninguém”, da base instrutória.

  4. O facto da testemunha, MOA, ser casada com o autor no regime de comunhão geral de bens não foi motivo para que ela não fosse ouvida nessa qualidade e o facto de se considerar que o seu depoimento foi “inflamado e emotivo” não significa que o mesmo não tenha sido verdadeiro e credível.

  5. As apontadas razões que constam da decisão sobre a matéria de facto não são de molde a impor que se descredibilize totalmente, o que de facto sucedeu, as declarações prestadas por MOA na qualidade de testemunha.

  6. Salvo o devido respeito, o tribunal a quo não demonstrou porque descredibilizou o depoimento desta testemunha no que toca aos factos por ela relatados, pelo que tal depoimento deveria concorrer para se darem como provados os factos antes enunciados.

  7. A expressão “até Setembro de 2011” não consta do facto sob 3.º da base instrutória.

  8. O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, conforme o n.º 2 do art. 264.º do CPC.

  9. A referida expressão não se situa no âmbito da matéria articulada.

  10. Não sendo tal facto alegado em articulado superveniente e não sendo o mesmo notório, cremos que a M.ma Juíza a quo não podia servir-se dele para responder ao quesito, não devendo, por conseguinte, tal expressão ser levada em conta, considerando-se não escrita.

  11. Nos termos das disposições combinadas dos arts. 352.º e ss. do Cód. Civil e 552.º e ss. do Cód. Proc. Civil, o depoimento de parte é o meio técnico pelo qual se pretende conseguir que o depoente reconheça a realidade de um facto que lhe é desfavorável.

  12. In casu a Mm.ª juÍza a quo fez assentar a prova desta expressão, não articulada e favorável aos RR., nas declarações do 2.º réu, em sede de depoimento de parte, pelo que, também por esta razão, não deverá tal expressão ser tida em conta.

  13. Se se considerarem provados os factos constantes dos números 1., 2., 4. e parte do 6. da base instrutória e se se considerar não escrita a expressão constante da resposta ao facto sob 3. da base instrutória, “até Setembro de 2011”, tal significa que o primeiro réu não tinha legitimidade para dar de arrendamento ao 2.º R. um bem comum dos condóminos habitacionais.

  14. Os factos enunciados na precedente conclusão mais os outros factos constantes da motivação de facto enunciados na douta sentença recorrida determinam a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que julgue procedentes os pedidos sob 2. e 3., formulados in fine da petição inicial, rectificando-se o valor a receber pelo autor por cada mês, de 40,00 euros para 39,21 euros, e nesta conformidade deverão ambos os réus serem condenados.

  15. Se assim se não considerar, ficando provada a utilização do imóvel por parte do segundo réu, sendo o mesmo um bem comum de que o autor detém uma quota-parte, há que retirar consequências dessa utilização ilícita.

  16. Ainda que se considere definitivamente assente que “desde finais de 2008/início de 2009 até Setembro de 2011, o R. atuou como se refere na al. H), afetando o espaço ao seu negócio, como armazém”, isto não significa que o 2.º réu tenha efectivamente desocupado a casa da porteira e muito menos que tenha apresentado as respectivas chaves na assembleia de condóminos.

  17. Assim, ainda que o autor não logre ver modificada a decisão factual a que se chegou, deverá revogar-se a sentença recorrida e substituir-se por outra que condene o 2.º réu no pedido sob 3., do petitório, com a rectificação enunciada na precedente conclusão 15..

  18. A decisão recorrida viola todas as disposições legais de direito substantivo e de direito adjectivo enunciadas nestas conclusões.

    ASSIM SE ESPERA POR SER DE JUSTIÇA!” O 1º R./Apelado contra-alegou, pugnando pelo não provimento da Apelação do A. e extraíndo da sua contra-alegação as seguintes conclusões: “A) – Não tem o A. razão ao pretender ver substituídas as respostas à matéria de facto sob o nº 1 e 2 da base instrutória, porquanto elas resultam da prova produzida na audiência de julgamento e que se encontra gravada e de uma análise ponderada e inteligente de toda a prova carreada para os autos.

    1. – Toda a argumentação do A. no seu recurso de apelação assenta numa ficção, a existência de um contrato de arrendamento e ou na utilização ilícita da fracção comum destinada a casa da porteira, pelo que necessariamente terá que improceder.

    2. – Também não se fez qualquer prova de que o 2º R., viesse pagando uma renda mensal ao 1º Réu, nem que o 1º R. viesse fazendo suas tais rendas, pois elas simplesmente não existiam, pelo que as respostas aos pontos 4º e 6º da base instrutória, não merecem qualquer censura.

    3. – A Mª Juíza “a quo”, ao dar como provado que o 2º R. afectou o espaço destinado ao uso e habitação da porteira (alínea H) da matéria assente), até Setembro de 2011, não violou o disposto nos artigos 264º e 663º do C.P.C., pois fê-lo dentro dos poderes que lhe são...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT