Acórdão nº 440/07.4GCTVD.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 30 de Outubro de 2012
Magistrado Responsável | NETO DE MOURA |
Data da Resolução | 30 de Outubro de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam, em conferência, na 5ªa Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa: I - Relatório No âmbito do processo comum que, sob o n.° 440/07.4 GCTVD, corre termos pelo 3.° Juízo do Tribunal da Comarca de Torres Vedras, o arguido (...), melhor identificado nos autos, foi submetido a julgamento, acusado pelo Ministério Público da prática, em autoria material, de "1 (um) crime de maus-tratos, p. e p. pelo artigo 152.° n° 1 e n° 2 do Código Penal e actualmente violência doméstica p. e p. pelo art.° 152°, n.° 1, alínea b), e n.° 2 após as alterações introduzidas pela Lei 11.° 59/2007 de 4 de Setembro".
Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, por sentença de 21.02.2012 (fls. 177 e segs.), foi o arguido condenado "pela prática de um crime de maus tratos p. e p. pelo artigo 152.°, n. °s 1 e n.° 2, do C. Penal, na pessoa de M... na pena de 1 (um) e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita, porém, ao cumprimento de um plano de readaptação social, em termos a definir pela DGRS, de harmonia com o disposto nos artigos 53º, n° 1 e 2, e 54.
0, ambos do C. Penal, a cumprir sob pena de ser revogada tal suspensão e determinado o cumprimento efectivo da pena de prisão aplicada".
Inconformado, veio o Ministério Público interpor recurso da sentença condenatória para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, condensada nas seguintes conclusões (transcrição): 1. Na sentença recorrida foi o arguido Carlos condenado, como autor material, de um crime de maus tratos, previsto e punível pelo artigo 152°, n.°s 1 e 2, do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita ao cumprimento de um plano de readaptação social, em termos a definir pela DGRS, de harmonia com o disposto nos artigos 53°, n.°s 1 e 2 e54°, ambos do Código, sob pena de ser revogada tal suspensão e de ser determinado o cumprimento efectivo da pena de prisão aplicada"; 2.
Não se põe em causa a matéria de facto dada como provada e não provada na sentença recorrida de fls. 177 a 195, mas antes a subsunção feita dos factos dados como provados ao ilícito criminal pelo qual o arguido foi condenado; 3.
Pois discordamos do juízo que o Meritíssimo Juiz a quo fez da aplicação da lei mais favorável ao arguido, por não haver lugar à sua aplicação e, atendendo à data da prática dos factos pelo arguido, não existir sucessão de leis no tempo, que importe tal juízo, bem como discordamos da aplicação do artigo 152°, n.°s 1 e 2, do Código Penal, na redacção anterior às alterações introduzidas pela Lei n.° 59/2007, de 4 de Setembro; 4.
No enquadramento jurídico-penal constante da sentença recorrida, o Meritíssimo Juiz a quo concluiu que "À data da prática dos factos descritos na acusação, dispunha o artigo 152° do C. Penal", na redacção do normativo, que se abstemos de transcrever, ora tal não corresponde à verdade como veremos; 5.
Dos factos dados como provados, os quais não se põem causa, verifica-se que os últimos factos praticados pelo arguido ocorreram em 28 de Setembro de 2007, em data posterior à entrada em vigor da Lei n.° 59/2007, de 4 de Setembro; 6.
Ora, o crime de violência doméstica é um crime de execução continuada, a sua execução tanto pode ocorrer de modo reiterado, sendo certo que o mesmo consuma-se com a prática do último acto, ou não e, neste último caso, consuma-se com um único acto; 7.
No sentido de que o crime de violência doméstica é um crime de execução reiterada ou não e, naquele caso, o mesmo consuma-se com a prática do último facto, pronunciaram-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, datados de 22/09/2010 e de 15/12/2010, publicados no site www.dgsi.pt; 8.
Transcreve-se do último Acórdão referido o seguinte: Neste contexto, entre o crime do artigo 152.° e os crimes que atomisticamente correspondem à realização repetida de actos parciais estabelece-se uma relação de concurso aparente, deixando de ter relevância jurídico-penal autónoma os comportamentos que integram a prática do crime de maus tratos/violência doméstica.
...
Tratando-se de um crime único, embora de execução reiterada, a consumação do crime de maus tratos/violência doméstica ocorre com a prática do último acto de execução."; 9.
Todavia, no caso em apreço, de modo reiterado e ao longo da vivência marital com a ofendida M..., o arguido agrediu-a física e psicologicamente, sendo que o último acto ocorreu em 28 de Setembro de 2007, em data posterior à entrada em vigor da Lei n.° 59/2007, de 4 de Setembro; 10.
Dispõe o artigo 2.°, n.° 1, do Código Penal que "As penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem."; 11.Acerca do momento da prática do facto, estatui o artigo 3.°, do Código Penal que "O facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido."; 12.
Deste modo, o crime imputado ao arguido consumou-se com a prática do último acto, por esse motivo, não havendo lugar à aplicação do disposto no artigo 2°, n.° 4, do Código Penal e, em consequência, a existência de crime deveria ter sido indagada à luz da actual redacção do artigo 152°, n.°s 1, alínea b) e 2, do Código Penal; 13.
Destarte, o Meritíssimo Juiz a quo deveria ter aplicado a norma constante do artigo 152.°, n.°s 1, alínea b) e 2, do Código Penal, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 59/2007, de 4 de Setembro, o qual pune a prática de um crime de violência doméstica com uma pena de prisão de dois a cinco anos, moldura mais gravosa do que a anterior redacção do artigo 152°, n.° s 1 e 2, do Código Penal, que punia o crime de maus tratos com uma pena de prisão de um ano a cinco anos; 14.
Posto isto, não se verificando qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, o arguido deverá ser condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152°, n.°s 1, alínea b) e 2, do Código Penal, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 59/2007, de 4 de Setembro; 15.
E, tendo em conta os fundamentos da escolha e determinação da medida da pena constantes da sentença recorrida, dever-se-á aplicar ao arguido uma pena de prisão não inferior a 3 anos, suspensa na sua execução, com sujeição a um plano individual de readaptação social a definir pela DGRS e de entregar, no prazo de um ano, a quantia de 1 500,00 de indemnização...
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