Acórdão nº 12475/10.5T2SNT.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelTOMÉ RAMIÃO
Data da Resolução18 de Outubro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: *** I. Relatório.

Paulo, (…) residente na (…) Queluz, intentou a presente ação declarativa, na forma ordinária, contra Inês, (…), residente na (…) Lisboa, pedindo que se declare ser dono e legítimo proprietário da fração autónoma denominada pela Letra “C”, correspondente ao rés do chão do prédio urbano sito na Rua (…), em Queluz, e que a Ré seja condenada a entregar-lhe a referida fração, livre e devoluta de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições, bem como no pagamento das despesas e encargos com a sua restituição.

Para o efeito alegou, em síntese, ter adquirido, por sucessão de seu pai, a referida fração autónoma, o qual a havia adquirido, em 29-03-1978, quando era casado com a Ré, no regime da separação de bens; a Ré aí continuou a viver após a separação de facto do casal, em dezembro de 1988, não devolvendo a casa ao Autor, apesar deste já lhe ter solicitado.

Citada, veio a Ré contestar por impugnação e deduziu pedido reconvencional, pedindo que seja reconhecido que a referida fração autónoma era bem comum da Ré e do falecido pai do Autor, detendo cada um deles uma quota ideal de 50% do direito de propriedade, condenando-se o Autor a reconhecê-lo, e ordenando-se o cancelamento das inscrições prediais referentes a tal fração efetuadas a favor do pai do Autor e, subsequentemente, a favor deste, devendo, em substituição, ser inscrita como propriedade em comum e em partes iguais do falecido pai do Autor e da reconvinte.

Replicou o Autor, pugnando pela improcedência da reconvenção.

Foi proferido despacho saneador e de condensação e realizou-se audiência de discussão e julgamento, tendo o Tribunal decidido a matéria de facto conforme consta de fls. 315-322.

Após foi proferida a seguinte sentença (parte dispositivo): a) julgar a presente ação parcialmente procedente, declarando que o Autor é titular do direito de propriedade, mas apenas de quota correspondente a 50% do mesmo, sobre a fração autónoma designada pela letra C, correspondente ao rés do chão direito, para habitação, do prédio urbano sito na (…), Queluz, descrito nessa Conservatória sob o n.º ... da freguesia de Queluz e sob a ficha n.º ..., a fls. ... do Livro ..., absolvendo a Ré do mais peticionado; b) julgar procedente e reconvenção e, assim, reconhecer que a referida fração autónoma pertencia em compropriedade à Ré e ao falecido J..., detendo cada um deles uma quota de 50% do direito de propriedade, condenando-se o Autor a reconhecê-lo, e ordenando-se o cancelamento da inscrição da aquisição da propriedade plena referente a tal fração efetuada a favor de (…)(pai do Autor) e da efetuada a favor do Autor (inscrição G-1, ap. .../...), devendo, em substituição, ser inscrita a aquisição de metade a favor do referido pai do Autor e, por sucessão hereditária, a favor do Autor, e inscrita a aquisição de outra metade, a favor da reconvinte, por usucapião.

Desta sentença veio o Autor interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: 1 - A sentença é nula porque condena em objeto diverso do pedido, uma vez que se sustenta numa causa de pedir que nem sequer foi alegada pelo R. reconvinte ( art. 668º nº 1 alínea d) do C.P.C.).

2 - A sentença consubstancia uma decisão surpresa, uma vez que a usucapião, como modo de aquisição, em nenhum momento dos autos foi sequer referida, circunstância que viola as normas legais fixadas nos artºs 3º nºs 1,2,3 e 3º-A, ambos do C.P.C..

3 - A invocação da usucapião não tendo sido feita pela R. reconvinte não pode ser suprida, de oficio, pelo tribunal, o que ocorre com a presente sentença violando, assim, a norma legal fixada no art. 303º ex vi 1292º ambos do C.C.

4 - A usucapião, para facultar ao possuidor a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação, tem como condição a manutenção da posse por certo lapso de tempo, lapso de tempo que nunca ocorreria no caso objeto dos autos, em atenção aos artºs 318 alínea a) ex vi do 1292º , 1296º, 1260º nº 2 todos do C.C.

5 - Estando o julgador obrigado a fundamentar a sua decisão de facto com elementos de prova objetivos e demonstráveis, assim como à sua apreciação critica de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, foram estas regras violadas ao não se dar como provado na íntegra o quesito 2º, e ao não se dar como não provado os quesitos 5º, 7º, 8º, 9º, todas da base instrutória, pelo que se têm que dar estes pontos de facto como incorretamente julgados, nos termos do art. 515º, 653º nº2 e 712º do C.P.C., tendo o A. preenchido o seu respetivo ónus da prova (quanto aos factos que alegou) e contraprova (346º do C.C.) (quanto à exceção e reconvenção invocadas).

6 - A resposta ao quesito 12º não pode ser considerada como decisão sobre a matéria de facto uma vez que não contém factos mas apenas conceitos jurídicos em violação do art. 511º nº 1 do C.P.C.

Nestes termos e nos melhores de Direito sempre com o mui douto suprimento de V.Exª, deverá ser a decisão impugnada declarada nula ou, quando assim se não entenda, deverá a mesma decisão sobre a matéria de facto ser modificada nos termos do art. 712º do C.P.C., e bem assim ser a decisão sobre matéria de direito revogada por incorrer em erro de julgamento devido a incorreta aplicação de norma legal – substituindo-se a decisão recorrida por uma outra que reconheça o apelante como único dono e legitimo proprietário da fração em causa, condenando-se a recorrida, ora apelada, a entregar ao apelante a fração autónoma em causa.

A recorrida não contra-alegou.

O recurso foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos, imediatamente e com efeito devolutivo (fls. 357).

Colhidos os vistos, e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso.

Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 660º, nº2, 661º, 672º, 684º, nº3, 685º-A, nº1, todos do C. P. Civil, e ao que se percebe das conclusões do recurso, pode-se extrair as seguintes questões essenciais a decidir: - Nulidades da sentença, nos termos das alíneas d) e e) do n.º1 do art.º 668.º do C. P. Civil.

- Reapreciação da matéria de facto.

- Titularidade do direito real de propriedade sobre a fração predial em causa e respetivas consequências jurídicas.

III – Fundamentação fáctico-jurídica.

  1. Nulidades da sentença.

    O apelante invoca a nulidade da sentença, nos termos do art.º 668.º, nº 1, alínea d), do C.P.C., por condenar em objeto diverso do pedido, uma vez que se sustenta numa causa de pedir que nem sequer foi alegada pelo R. reconvinte, e que a sentença consubstancia uma decisão surpresa, uma vez que a usucapião, como modo de aquisição, em nenhum momento dos autos foi sequer referida, circunstância que viola as normas legais fixadas nos artºs 3º nºs 1,2,3 e 3º-A, ambos do C.P.C.

    Vejamos se tem razão.

    Como se refere n.º n.º2 do art. 660.º, do C. P. Civil, “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

    E a sentença padece do vício da nulidade quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, como flui do art. 668.º, n.º 1, alínea d), do C. P. Civil.

    Tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.

    Como escreve Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9.ª Edição, pág. 57, “trata-se de nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda”. E acrescenta, citando Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, Volume V, pág. 143, que “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer...

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