Acórdão nº 1067/09.1TJLSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelVÍTOR AMARAL
Data da Resolução25 de Outubro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório “Centro Hospitalar (…), EPE”, com sede na (…), Lisboa, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra João, residente na (…), Lisboa, pedindo a condenação do R. no pagamento da quantia de € 5.580,13 (cinco mil quinhentos e oitenta euros e treze cêntimos), acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que, no exercício da sua actividade, prestou assistência hospitalar a José devido a agressão sofrida por este e praticada pelo R., que o atingiu com uma faca (perfurando-lhe a barriga e um braço), assim praticando, ao agir livre e conscientemente, um crime previsto e punível pelo art.º 142.º do Código Penal, ascendendo o custo da assistência hospitalar prestada ao montante peticionado de € 5.580,13, que o R. não pagou, não obstante interpelado para o efeito.

Regularmente citado, o R. contestou, alegando, em resumo, que não foi ele o autor da mencionada agressão, a qual não ocorreu no local imputado, assim impugnando a respectiva factualidade de suporte invocada na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador, afirmando-se a verificação de todos os pressupostos de validade da instância e regularidades processuais, sendo dispensada a condensação do processo, atenta a simplicidade da matéria de facto a considerar.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, tendo sido proferida decisão de resposta quanto à matéria de facto considerada como provada e não provada, de que apresentou o R. reclamação, a qual foi decidida, no sentido do seu deferimento, como consta do despacho exarado em acta de fls. 90.

Foi depois proferida sentença, a qual, julgando a acção procedente, por provada, condenou o R. do pedido – pagar ao A.

“a quantia de € 5.580,13 (cinco mil quinhentos e oitenta euros e treze cêntimos), acrescida de juros de mora contados a partir da data da presente acção até integral pagamento, à taxa supletiva legal aplicável aos juros civis, em vigor em cada momento” (cfr. fls. 97).

Desta sentença veio o R. interpor o presente recurso, apresentando as seguintes Conclusões

  1. A cobrança de dívidas hospitalares encontra-se actualmente disciplinada pelo Decreto-Lei n.º 218/99, de 15 de Junho, no âmbito do qual, conforme se refere no respectivo preâmbulo, se consagrou como regra geral a acção declarativa mas com “algumas especialidades”; B) No artigo 5.º desse diploma legal, dispõe-se que “nas acções para cobrança das dívidas de que trata este diploma, incumbe ao credor a alegação do facto gerador responsabilidade pelos encargos e a prova da prestação dos cuidados de saúde, devendo ainda, se for caso disso, indicar o número de apólice de seguro”; C) Este preceito legal deve ser interpretado no sentido de se impor ao demandante que invoque a concreta factualidade que permita a individualização do acidente ou da agressão que originaram a prestação dos serviços hospitalares cujo pagamento peticiona; D) Sendo que, para tanto, tem o demandante de alegar o dia, hora e local onde se tenham verificado o acidente ou a agressão, ónus que apenas poderá considerar-se satisfeito se a factualidade alegada tiver correspondência com a realidade dos factos; E) Logo, a factualidade alegada tem de ser a suficiente e adequada à individualização do acontecimento, ou seja, à identificação do evento que levou à prestação dos serviços pelo hospital; F) Este vem sendo o entendimento largamente maioritário da nossa jurisprudência; G) No sentido de dar satisfação ao ónus de alegação que sobre si recaía, invocou a Apelada os factos que constam do artigo 4º da Petição Inicial e que são os seguintes: “No dia 26 de Junho de 2006, cerca das 00:30 horas, na Tasca do ... em ...…”; H) Porém, conforme decorre da motivação fáctica da sentença recorrida, resultou unicamente provado que “No dia 25 de Junho de 2006, cerca das 24,00 horas, em ..., o ora R. atingiu com uma faca o sinistrado, perfurando-lhe a barriga e um braço”; I) Assim, desde logo, não resultou provado que o evento gerador da responsabilidade tenha ocorrido cerca das 00:30 horas nem no dia 26 de Junho de 2006; J) Mas, para além disso, resultou não provado que esse evento tenha ocorrido no estabelecimento designado por Tasca do ...; L) Tanto bastaria para que à luz do entendimento largamente maioritário dos nossos tribunais, designadamente da douta jurisprudência citada nestas alegações de recurso, se desse por insatisfeito o ónus que recaía sobre a Apelada de alegar os factos indispensáveis à identificação do evento dos autos; M) Pois que, conforme bem se refere no citado acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18.02.2009, “…era indispensável que o Autor tivesse alegado o dia, hora (ainda que aproximada) e o local onde ocorreu o acidente”; N) Ora se o legislador colocou este ónus de alegação a cargo do prestador de serviços hospitalares precisamente com uma finalidade individualizadora do evento lesivo, obviamente que esse ónus não poderá considerar-se satisfeito se não se der por provada a factualidade que ao credor dos serviços hospitalares cumpria alegar, isto é se não se der por provada a factualidade necessária à individualização do acidente; O) Sendo que tal individualização é insusceptível de ser efectuada com a indicação genérica da freguesia de uma cidade ou com a indicação de uma cidade ou de um país; P) Assim, ao considerar satisfeito esse ónus de alegação pela simples menção a ..., à freguesia de ... da cidade de Lisboa, como localização apta e suficiente à individualização do evento lesivo, o Meritíssimo Juiz violou, por incorrecta interpretação e aplicação, o artigo 5º do Decreto Lei 218/99 de 15 de Junho; Q) Pois que tal preceito legal tem de ser interpretado no sentido de impor ao credor de dívida hospitalar a alegação de factualidade que permita a individualização do evento lesivo, designadamente especificando o dia, hora e local em que tal evento efectivamente ocorreu; R) Ónus que não poderá considerar-se satisfeito quando o local alegado não corresponde ao local da ocorrência do evento e/ou quando o local alegado não permite a individualização do evento; S) Pelo que, com estes fundamentos, se impõe a revogação da douta sentença recorrida e, consequentemente, se declare totalmente improcedente a presente Acção.

    Pelo exposto, requer seja dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, com a consequente improcedência da presente acção.

    O A. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e, nesse âmbito, apresentou as seguintes Conclusões 1. - O A. ora recorrido, alegou e provou o dia, hora e local do evento; 2. - O A. alegou e provou que foi o recorrente o autor da agressão; e este não teve sequer a coragem de impugnar, neste recurso, a sua autoria; 3. - Provado está o facto gerador; e provados estão os danos sofridos pelo recorrido, que, aliás, o recorrente não contesta; 4. - Não sobra assim ao apelante margem de manobra para torcer a aplicação do comando do art. 5º do Dec. Lei n.º 218/99; 5. - Lembre-se, com efeito, que este texto de lei é um diploma especial criado expressamente para assegurar às instituições hospitalares a cobrança dos seus créditos; 6. - O legislador criou uma presunção legal de responsabilidade do causador dos tratamentos, no caso específico de obrigações decorrentes dos serviços prestados por entidades de cuidados de saúde.

    O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 118), tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, que manteve aquele regime de subida do recurso.

    Colhidos os vistos, e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

    II – Âmbito do Recurso Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (exceptuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 660.º, n.º 2, 661.º, 672.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (doravante CPCiv.) –, constata-se que o thema decidendum, limitado à matéria de direito...

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