Acórdão nº 299/10.4TBLNH.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelJORGE VILAÇA
Data da Resolução13 de Setembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I – Relatório “A” Instaurou acção declarativa sob a forma de processo comum sumário, a correr termos pelo Tribunal Judicial da Comarca da Lourinhã, contra: ESTADO PORTUGUÊS Alegando, em síntese, que sofreu prejuízos causados pela demora no julgamento e conclusão do processo-crime sob a forma comum com nº .../05.6GALNH, que correu termos no Tribunal Judicial da Lourinhã, em que foi condenado por sentença de 02-03-2009 como autor material de um crime de devassa da vida privada, previsto e punido pelo artigo 192.º, n.º 1 do Código Penal (para o qual se convolou o crime por que vinha acusado), na pena de 120 dias de multa à razão de 10,00 € por dia, perfazendo 1.200,00 €, e, como demandado cível, na indemnização à assistente e demandante cível “B”, no valor de 5.000,00 €, bem como pelo erro grosseiro de julgamento que veio a ser reconhecido pela Relação de Lisboa em Acórdão de 27-01-2010, que por isso revogou aquela sentença e absolveu o ora Autor tanto do crime por que fora condenado como do pedido cível.

Concluiu pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de 7.804,00 €.

Citado regularmente, o Ministério Público contestou, alegando que o erro de julgamento não pode ser considerado grosseiro, pelo que pediu a absolvição do réu do pedido.

Foi proferido despacho saneador, declarando a incompetência absoluta em razão da matéria para conhecer do pedido na parte que versa sobre a eventual efectivação de responsabilidade civil extracontratual do Estado por danos decorrentes do dever de administrar a justiça em tempo razoável, e nessa medida absolveu o R. da instância.

De seguida foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente e absolveu o réu do pedido.

Não se conformando com aquela sentença, dela recorreu o autor, que nas suas alegações de recurso formulou seguintes “CONCLUSÕES”: 1ª – O recorrente baseou a sua pretensão em: - atraso inadmissível nos serviços do Ministério Público: 3 anos e 4 meses sob erro de investigação ab initio sem crime e sem factos relevantes criminalmente … - erro crasso do Senhor Juiz Julgador atentos os factos carreados para os autos e os arts 124 CPP e 192 do Cód. Penal; 2ª - O caso é da competência do Tribunal Comum e não do Tribunal Administrativo pois está em causa um erro crasso na investigação ab initio que um Procurador diligente não acataria nem acusaria......

3ª - Inexistindo pessoas ou marcas de viaturas ou sequer a cor com um mínimo de nitidez inexistia ilícito ou imagem perceptível. É inconcebível que um simples caso sem ilicitude, com o fito de visionar quem cometeu o dano de destruição do canteiro, penda por incúria do Ministério Público anos e anos, sendo certo que um caso como o dos autos deveria demorar os seguintes prazos, máximos: - investigação e acusação: 8 meses conforme art° 276 do CPP; - julgamento e sentença: 2 meses; o art. 658 CPC prescreve 30 dias....

- recurso: 3 meses tudo no máximo de 10 meses, quiçá 1 ano...nunca 4 anos ou mais! 4ª - Um Procurador diligente, atento e respeitador do Principio da Legalidade, veria que, perante a observação do OPC a fls 87, 88, 89 e 90 - "não se conseguem distinguir as pessoas nem sequer as marcas, modelos ou a cor de viaturas"- que o caso deveria ter sido arquivado e nunca acusado, após anos e anos.....de pendência do Inquérito!!!! 5ª - O O.P.C. procedeu a Auto de Visionamento das imagens e não detectou imagens pelo que só por erro crasso, palmar do Ministério Público se concebe a existência de uma Acusação sem crime ab initio! 6ª - O A. sentiu vexame e vergonha por ter sido condenado, um enorme desgosto pois toda a Vida lidou e trabalhou em Tribunais e nunca pensou ou sequer imaginou vir a ser vítima de erro judicial e do próprio sistema!!!!! 7ª - A condenação só ocorreu porque o Senhor Juiz de Direito da Lourinhã não atentou na ausência de factos ilícitos e, mesmo assim, condenou, sem fundamento, com ERRO NOTÓRIO, o A. o que podia e devia ter evitado em vez de secundar o Ministério Público numa perseguição impiedosa e injustificada.

8ª - Efectivamente, o Senhor Juiz da Lourinhã decidiu que: “ 2- o arguido regista, grava e guarda todas as movimentações efectuadas naquele ... e em particular as entradas e saídas da casa da ofendida, assim como todas as viaturas que se encontram junto à porta de casa daquela.

5- agiu o arguido deforma livre e com o propósito concretizado, nas circunstâncias e pelo modo supra relatado, captar imagens referentes à vida particular da ofendida e do seu agregado familiar, suar dando-as para seu particular desígnio...” - Doc 5 9ª - O SENHOR JUIZ SABIA QUE O A. NUNCA CAPTOU IMAGENS DA VIDA PARTICULAR DA OFENDIDA!! SÓ POR ERRO CRASSO, SOB PETIÇÃO DE PRINCIPIO INJUSTIFICADA E COM PRESUNÇÃO DE CULPA AB INITIO, SEM FUNDAMENTO CONCRETO SE CONCEBE QUE O SENHOR JUIZ JULGADOR TENHA ESCRITO QUE: agiu o arguido de forma livre e com o propósito concretizado, nas circunstâncias e pelo modo supra relatado, captar imagens referentes à vida particular da ofendida e do seu agregado familiar, guardando-as para seu particular desígnio; 10ª - O SR JUIZ JULGADOR SABIA SER INEXISTENTE IN TOTUM POIS O CRIME ERA INEXISTENTE DESDE A PRIMEIRA HORA DO INQUÉRITO: se a – fls. 87,88, 89 e 90 – “não se conseguem distinguir as pessoas nem sequer as marcas, modelos ou a cor de viaturas" como poderia haver DEVASSA ou violação da intimidade no Acórdão??? se o OPC não vislumbrou violação da intimidade....a fls 87 e ss como poderia o M.P. e o Sr. Juiz concluir por tal "devassa"? Efectivamente 11ª - Inexistem mais do que imagens difusas, sem percepção de rostos ou figuras humanas, de letras ou números de veículos, colhidas num jardim, no canteiro do A. e não no quarto privado, na casa de banho ou em outro aposento da casa da referida “B”. Bastava o Sr. Juiz ter-se colocado a si próprio estas questões quando "recebeu" os autos para REJEITAR o seu "recebimento": - Que imagens foram recolhidas? com que nitidez? De quem? quando? como? com que fim? para quê? o que se vê nas imagens? quem é ali visto? em que posição? a fazer o que? quem e quando colocou a Câmara de filmar? E a câmara está em posição de devassar quem e como? o que devassou? que factos da VIDA PRIVADA foram apurados atendendo ao AUTO de fls 86 e ss? foi alguém visto em actos privativos da sua própria intimidade? 12ª - Os danos não patrimoniais causados com a submissão do A. o julgamento devem ser quantificados em 4.000 € e que o R. deve ser condenado a pagar-lhe; o A. despendeu, em 4 viagens Lisboa a Lourinhã ao Tribunal, cerca de 100 Euros em combustível em viatura própria. Despendeu 204 € em taxa de justiça e deve pagar 1.000 € ao advogado constituído. Os danos ascendem a 5.304 € e que o R. Estado lhe deve pagar conforme decidiu o Tribunal Europeu em casos similares: Acórdão Apricella c. Itália -10-11-2004, Ac. Ernestina Zullo c.Itália -10-11-2004 e Ac.Riccardi Pizatti c. Itália -10-11-2004.

13ª - O Réu Estado Português incorreu em responsabilidade civil extracontratual pela falta de Justiça em prazo razoável, pelo deficiente funcionamento do serviço de Justiça e violação do direito a obter uma Decisão em prazo razoável e por perseguição criminal sem fundamento conforme impõem o art° 6.º- 1 da Convenção Europeia, o art° 20 da Lei Fundamental, os arts. I.º, 2.º, 6.º e 7.º do D. Lei 48051 de 2-11-1967, os arts. 2.º e 12.º da LEI 67/2007 de 31/12, art. 2.º do Código Processo Civil e artigo 483 do Cód. Civil.

Pelo que revogando a Decisão recorrida deve o R. Estado Português ser condenado a pagar 2.500 € pela duração e demora excessiva do caso e ainda as despesas e honorários que se calculam em 1.000 Euros pela abertura do dossier, despesas e honorários do advogado, conforme aliás impõe a Jurisprudência do Tribunal Europeu.

O Sr. Juiz a quo violou os arts. 2.º, 101, 288-1-a), 494-a), 495 do CPC pois a competência para julgar o erro de investigação e demora excessiva do Inquérito do Sr. procurador da República da Lourinhã que ab initio errou ao considerar existir um crime onde inexistiam filmagens de devassa de pessoas, arrastando ad nauseum (mais de 3 anos!!!) um inquérito que deveria ser concluído em 4 ou 5 meses....é do TRIBUNAL COMUM e não da Jurisdição Administrativa.

O Sr. Juiz a quo violou os arts. 124 e 311 do CPP, 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 20.º da Lei Fundamental; . I.º, 2.º, 6.º e 7.º do D.Lei 48051 de 2-11-1967, 2.º e 12.º da Lei 67/2007 de 31/12, 483 C.C. , 124 e 311 CPP.

O Tribunal competente é o Tribunal a quo. Há erro judiciário grave cometido pelo Senhor Juiz Julgador da Lourinhã que deveria ter recusado receber a Acusação face à inexistência de imagens de devassa da intimidade. Deve assim proceder o recurso, revogar-se a Decisão recorrida e o R. Estado condenado no quantum que V. Exas. melhor julgarem adequado in casu atenta a Jurisprudência Comunitária.

Nas contra-alegações o Ministério Público sustentou as decisões impugnadas e pugnando pelo não provimento do recurso.

II - FACTOS Na sentença recorrida foram considerados assentes os seguintes factos: 1) Em 21/10/2005, “B” apresentou queixa contra o ora A alegando que o mesmo instalara uma câmara de filmar na janela do 1.º andar da casa do A, a qual estava virada para o portão de entrada da sua residência, queixa essa que deu origem ao Inquérito n.º .../05.6 GALNH; 2) O A foi constituído arguido no Inquérito n.º .../05.6 GALNH no dia 31/08/2006, tendo prestado as declarações constante de fls. 96-97, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais [e em que designadamente declarou ter efectivamente colocado uma câmara de filmar na sua residência direccionada para um canteiro existente no logradouro afecto à sua propriedade, podendo apanhar cerca de um metro para além do mesmo, logradouro esse que serve de serventia à propriedade da queixosa; e que, na sequência de desentendimento acerca de obras de ampliação desse canteiro, começaram a partir de certa altura a...

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