Acórdão nº 5902/09.6TBALM.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Setembro de 2012
Magistrado Responsável | MARIA DE DEUS CORREIA |
Data da Resolução | 13 de Setembro de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I-RELATÓRIO (…) Seguros, S.A. intentou a presente acção declarativa contra E alegando, em síntese, que ocorreu um acidente de viação cujo único culpado foi o réu, que conduzia um veículo segurado na Autora. A Autora ressarciu o proprietário do veículo seguro, bem como o proprietário do outro veículo interveniente no acidente, sendo que ambos os veículos foram declarados com perda total, tendo ainda indemnizado a proprietário de um muro que foi danificado após o embate de um dos veículos.
Assim, e porque o acidente se deveu ao facto de o réu conduzir o veículo sob a influência do álcool, a Autora vem exercer o seu direito de regresso relativamente às indemnizações que pagou, mais pedindo a condenação do réu, nos montantes que despendeu com as peritagens, tudo no montante global de € 40.646,60, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação e vincendos até efectivo e integral pagamento.
O réu contestou impugnando que o acidente se devesse a culpa sua mais impugnando que se devesse ao facto de estar sob a influência do álcool, assim pugnando pela sua absolvição, mais referindo que nunca seria responsável pelas despesas inerentes ao processo, nomeadamente, as peritagens.
Decorridos todos os trâmites legais, foi realizado o julgamento e proferida a sentença que julgou a acção procedente e condenou o Réu a pagar à Autora a quantia de € 40.646.60, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento.
Inconformado com a sentença, o Réu interpôs o presente recurso de apelação.
Formulou as seguintes conclusões de recurso: 1- Vem o presente recurso interposto da douta sentença, proferida em 27/01/2012, na medida em que julgou desnecessária a prova pela Autora do nexo de causalidade entre o grau de alcoolemia superior à legalmente permitida e a produção do acidente versado nos autos, recorrendo a uma presunção natural para concluir por aquele nexo e julgou procedente a presente acção e consequentemente condenou o Réu a pagar à Autora a quantia de 32.614,40€, pela perda total do veículo (…), valor liquidado por esta à sua segurada M, S.A., a título de danos próprios do referido veículo.
2- A Autora veio exercer o seu direito de regresso, com fundamento no disposto na alínea d) do n.º 1 do art.º 27 do DL 291/07, de 21/08.
3- O fundamento do regresso invocado traduz -se no facto de o réu ter causado o acidente do qual resultaram danos e o pagamento da indemnização subsequente, por ter agido sob a influência do álcool.
4- Como é sabido, “perante a orientação jurisprudencial que prevaleceu no Acórdão uniformizador 6/02, o direito de regresso atribuído à seguradora no confronto do beneficiário do seguro obrigatório de responsabilidade civil que tenha agido sob a influência do álcool – obrigando-a a garantir o efectivo pagamento das indemnizações devidas aos lesados, como reflexo da função de protecção social do seguro obrigatório, mas facultando-lhe, de seguida, a repercussão do sacrifício patrimonial que teve de suportar sobre o beneficiário do seguro a quem seja de imputar a lesão – não é um efei to automático da violação objectiva das normas penais ou contra – ordenacionais que dispõem sobre as condições psicológicas e de domínio do comportamento de veículos automóveis, (proibindo-a sempre que se ultrapasse determinado limiar de alcoolemia), nem assenta numa presunção legal de causalidade do grau de alcoolemia apurado quanto ao condutor relativamente à eclosão do acidente” (vide Ac. do STJ, de 7/04/2011, Revista 329/06-7ª Secção, consultável in www.dgsi.pt.).
5- O douto Tribunal a quo fez uso de uma presunção natural para concluir pelo nexo de causalidade adequada entre a condução com uma taxa de alcoolemia de 0,97 g/l e a produção do acidente, o que merece, pois, censura quanto ao seu resultado.
6- O nexo de causalidade não pode ser extraído, por presunção, a partir da taxa de alcoolemia ilícita, pois as presunções não podem ser utilizadas para fundamentar ou justificar uma decisão de direito contrária à decisão sobre a matéria de facto.
7- O recurso à presunção esvazia de sentido o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ nº 6 / 2002, pois, na prática, inverte a sua jurisprudência – a seguradora passa a não ter, verdadeiramente, o ónus da prova.
8- Não é de concluir que a produção do acidente dos autos é uma consequência típica da condução com uma taxa de alcoolemia de 0,97 g/l, só porque “não existe outra explicação razoável”, como se lê na douta sentença recorrida.
9- É necessário provar que o recorrente agiu em concreto, sob a influência do álcool e não ao arrepio de uma presunção natural.
10- Não basta ao desiderato pretendido pela Autora o facto de o Réu conduzir com uma TAS de 0,97 g/I; é necessária a prova de que foi tal taxa de alcoolemia que fez com que o ora recorrente “tivesse saído deliberadamente, sem cautela ou atenção, da via destinada ao seu sentido de marcha, e, ocupado, sem qualquer razão, a via destinada ao sentido de marcha oposto ao seu”, “embatendo no veículo UC”.
11- Não obstante a aludida taxa, não resultaram provados outros factos conducentes a poder-se concluir sem dúvida e inequivocamente que o acidente versado nos autos não teria ocorrido naquelas circunstâncias se não fosse o dito grau de alcoolemia do recorrente.
12- Apenas resultou provado, da audiência de julgamento, que, momentos antes do acidente, o condutor do veículo (…), que circulava à retaguarda do veículo (…) aproximou-se deste último e apercebeu-se que o veículo (…) circulava a uma velocidade reduzida – artigo 3º da Base Instrutória.
13- Mais se provou que o condutor do veículo (…) accionou o sinal de luz, de modo a chamar à atenção daquele condutor, fazendo seguidamente o “pisca” à esquerda, sinalizando ao condutor do veículo (…) a sua intenção de ultrapassá-lo (art. 5.º da Base Instrutória) e quando já se encontrava a efectuar a referida manobra de ultrapassagem, ocupando já a via destinada ao trânsito em sentido contrário, o condutor do veículo (…) surpreendido pela súbita manobra do condutor do veículo (…) (art. 6.º da Base Instrutória).
14- Provou-se ainda, em sede de julgamento, que o ora recorrente, de repente, e sem que nada fizesse prever, invadiu a semi-faixa de rodagem oposta ao seu sentido de marcha, justamente no preciso momento em que o veículo UC se encontrava a ultrapassá-lo – artigo 7º da Base Instrutória.
15- O facto dado como provado no ponto 32. (constante de “B) Da audiência de julgamento, resultaram provados os seguintes factos”) da douta sentença recorrida deve dar-se como não escrito (art.º 646, n.º 4 do CPC), porquanto, a alegação “em virtude da ingestão do álcool” não contém, em si, qualquer facto material que pudesse vir a resultar provado, sendo meramente conclusivo.
16- Assim, não está excluído que o acidente versado nos autos não possa ter ocorrido exclusivamente por outra causa que não o excesso de álcool.
17- Cabendo à seguradora o encargo da prova, a presunção não deverá, por regra, decorrer da simples constatação de uma TAS ilícita, porque, nessa situação, sendo-lhe inerente um perigo abstracto, passaria a caber ao "alcoolizado" o encargo de contrariar a presunção.
18- O recurso à presunção não pode ser a via aberta para suprir a falta de prova dos factos; não sendo legítimo, mediante o funcionamento (posterior) da presunção (natural), considerar que o álcool foi concausa para a produção do acidente em causa.
19- O Tribunal a quo faz uma interpretação contrária à sobredita jurisprudência fixada, uma vez que, não conseguindo ver esclarecida a real causa do acidente, presume, sem fundamento probatório, que, pelo facto de o recorrente ter acusado uma TAS de 0,97 g/l, a culpa na produção do acidente é sua.
20- Considera o recorrente, smo, que andou mal o Mmo Juiz ao julgar desnecessária, “ante a apurada influência do álcool, na conduta do réu que deu origem ao embate, apurar se se mantém ainda em plena vigência a jurisprudência fixada pelo S.T.J, no seu Acórdão Uniformizador n.º 6/2002, publicado na I Série do Diário da República de 18.7.2002”.
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