Acórdão nº 2507/10.2TDPRT.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelFERNANDO ESTRELA
Data da Resolução24 de Janeiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – No Processo de Instrução n.º 2507/10.2TDPRT do 1.º Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, por decisão instrutória de 27 de Junho de 2012 foi decidido não pronunciar o arguido MT pela prática do crime p. e p. pelo art° 187° n°1 e 2 al. a) e 183° n°2 todos do Código Penal que lhe foi imputado pela Assistente e ainda pelo M.P..

II – A Assistente M...SA interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:

  1. A decisão sub judice está parcamente fundamentada, o que é bem o espelho da sua ausência de fundamento.

  2. No caso em apreço, estão plenamente verificados os pressupostos de que depende a pronúncia do Arguido.

  3. O Tribunal de Instrução Criminal entendeu que, no caso sob análise, o artigo «não é susceptível de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança devidas à Assistente». Com o devido respeito, a interpretação do Tribunal a quo é errada.

  4. Nesse artigo de opinião, o Arguido MT fez insinuações e acusações de cariz variado, visando com particular intensidade atingir a credibilidade e o prestígio da Assistente e seus órgãos sociais e a confiança depositada pelos clientes, accionistas e, em geral, por todos os portugueses naquele grupo empresarial.

  5. Não há a menor dúvida de que – desconsiderando os malabarismos hermenêuticos constantes do requerimento de abertura de instrução - o Arguido MT ultrapassou todos os limites da mera expressão de opinião, afirmando "factos inverídicos, capazes de ofenderem a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a pessoa colectiva." f) Imputações essas que trazem associada uma ideia de que a Assistente actua de forma errada, tortuosa e, mesmo, ilícita, g) Actuação essa que – se fosse verdadeira, que não é – seria contrária às boas práticas empresariais, comerciais e societárias, e àquela que é a ética empresarial, e que seria mesmo ilícita, podendo até consubstanciar factos com relevância criminal, o que agrava, muito, o potencial e o efeito ofensivo de quanto foi dito pelo Arguido.

  6. Tais factos e juízos propalados pelo Arguido são falsos, não fundados e inadequados.

  7. E nem se alegue, como sugere a decisão em crise, que o circunstancialismo económico e político em surge o dito artigo de opinião contribui para a exclusão da ilicitude do seu conteúdo.

  8. Tal argumento é totalmente descabido e, diga-se em bom rigor, antagónico.

  9. In casu, as imputações do ora Arguido assumem especial gravidade, tendo em conta a dimensão e a importância económica e social do M...SA, encabeçado pela Assistente M...SA, no nosso país – e, aliás, também na Polónia, no Brasil, na Espanha, e em tantos outros países onde a ora Assistente está presente.

    1) O artigo de opinião em crise tem a susceptibilidade de conduzir à depreciação e degradação do bom-nome da Assistente M...SA, aos olhos dos outros e à ofensa da sua credibilidade, prestígio e confiança devidos a esta instituição. Aliás, a avaliar nomeadamente pela opinião manifestada e publicada, pode mesmo dizer-se que conduziram efectivamente àquela depreciação e degradação.

  10. Tudo o que se expôs é particularmente agravado na medida em que os artigos de opinião da autoria do Arguido MT sempre merecem honras de destaque no semanário EXPRESSO, n) O Arguido MT praticou, como autor material, na forma consumada, um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, previsto e punido pelo artigo 187.º, n.° 1 do Código Penal, e agravado, nos termos das disposições conjugadas do n.° 2, alínea a) daquele mesmo artigo e do artigo 183.º, n.° 2, este também do Código Penal, o) Pelo que, tendo sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao Arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, deve a decisão instrutória, proferida nestes autos, ser revogada e substituída por outra que pronuncie o Arguido pelo crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva.

  11. A decisão instrutória sob escrutínio, no sentido de não pronúncia do Arguido, é, neste sentido, violadora dos artigos 187.° e 183.° do Código Penal e 308.º do Código de Processo Penal.

  12. Termos em que, tendo sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, deve a decisão instrutória, proferida nestes autos, ser revogada e substituída por outra que pronuncie o arguido pelo crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, previsto e punido pelo artigo 187.°, n.° 1 do Código Penal, e agravado, nos termos das disposições conjugadas do n.° 2, alínea a) daquele mesmo artigo e do artigo 183.°, n.° 2, este também do código penal, com as devidas consequências legais.

    III – Em resposta, o arguido MT veio dizer, formulando as seguintes conclusões: 1. A falta de fundamentação da decisão instrutória não vem enumerada no catálogo das nulidades absolutas (art. 119º do CPP) nem relativas (art. 120º do CPP), nem é como tal expressamente qualificada em qualquer disposição legal, pelo que configura uma mera irregularidade, sujeita ao regime geral (de arguição e sanação) do art.123º do CPP; 2. A eventual decisão que revogue a decisão recorrida nos autos e ordene a pronúncia do Recorrido, viola os artigos 10.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e 37.º, n.ºs 1, e 2, da Constituição da República Portuguesa, com o alcance da violação previsível do artigo 46.º, n.º 1, da mesma Convenção, porquanto tal eventual decisão não constitui providência necessária, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da reputação ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial; 3. Não há credibilidade, prestígio ou confiança relevantes a proteger nos autos, pois que deles não resultaram, até ao final da fase de instrução, indícios de que a reputação da Assistente tenha sofrido quaisquer danos (mormente a provocação de uma alteração na mente de outrem, onde não havia), em si mesmo considerada, de acordo com a visão exterior sobre a credibilidade, prestígio e confiança em que é tida, e a reputação de que goza no círculo das suas relações comerciais; 4. O Recorrido afirmou no texto de opinião dos autos factos verdadeiros e encontrava-se munido de fundamentos de facto para, em boa-fé, se encontrar convicto da sua veracidade; 5. A opinião crítica acerca da política económica prosseguida pelo Estado/Governo, no que concerne à contratação e negociação, com determinada empresa, de empreitadas de obras públicas, ou de exploração/concessão de bens públicos, e seu necessário reflexo na economia nacional e no défice/erário públicos, não passando do plano da opinião/crítica objetiva, não desrespeita a honra e considerações funcionais/estatutárias da Assistente; 6. Inexistem nos autos indícios suficientes da verificação dos elementos objetivo e subjetivo do tipo de crime imputado ao Recorrido, pelo que, bem assim, inexistem, em consequência, verificados os pressupostos legais de que dependeria a aplicação ao Arguido de uma pena, justificando-se, assim, a prolação de decisão de não pronúncia.

    1. Termos em que, Devem, assim, julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela Assistente e, em consequência, ordenar a manutenção integral da decisão de não pronúncia proferida nos autos, por se mostrar a mesma conforme à boa interpretação e aplicação da Lei e não merecer qualquer tipo de reparo ou censura técnica, o que se requer, com todas as consequências legais.

      IV – Em resposta, o Ministério Público na 1.ª instância veio dizer, formulando as seguintes conclusões: 1 - A fase de INSTRUÇÃO culmina com a realização do respectivo debate instrutório, debate esse que visa sobretudo permitir uma "discussão" entre todos os agentes processuais, para, e por de forma oral e contraditória, confirmar ou infirmar os indícios de facto e elementos de direito suficientes para submeter ou não o(a) arguido(a) a julgamento.

      2 – Todavia, e contrariamente ao sustentado pela Assistente e M.°P°., a Mma J.I.C. entendeu que dos autos não constavam indícios da prática do crime constante da acusação, atenta a prova produzida nos mesmos.

      3 – Contudo, reiteramos a nossa convicção de que o conteúdo do referido artigo contém insinuações suficientemente elucidativas do comportamento (ilícito) do mesmo; pelo que terá de inferir-se como hipótese altamente provável de uma conduta dolosa praticada pelo arguido.

      4 - A prova do nexo de causalidade é nestes casos, a prova que deverá ser sujeita ao crivo do julgamento, uma vez que em sede de inquérito ou de instrução as provas exigíveis se baseiam em indícios.

      5 – O bem jurídico protegido neste crime, remete à honra traduzida nos conceitos de credibilidade, prestígio, confiança, que, no seu conjunto, preenchem o conceito de bom nome da pessoa colectiva.

      6 – Por outro lado, fazem parte do tipo objectivo deste crime a afirmação ou a propalação de factos inverídicos, capazes de, objectivamente ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança de pessoa colectiva.

      7 – O citado artigo de opinião escrito pelo arguido, consegue (com dolo) denegrir a imagem e o bom nome e consideração geral da Assistente M...SA.

      8 – Assim a douta decisão instrutória "ora sob sindicância", violou o disposto no art°. 308° n°. 1 do Código Processo Penal, ao não pronunciar o mesmo.

      9 – A decisão instrutória, nestes termos espelha claramente o circunstancialismo a ponderar para bem apreciar, valorar e decidir o presente recurso, sem revelar existência de qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova, conforme consagrado no artigo 127° do Código de Processo Penal.

      10 – O arguido, enquanto jornalista, actuando nessa veste, exerceu o seu direito de opinião e crítica livre que a todos é permitido fazer...

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