Acórdão nº 204/08.8TJLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução17 de Janeiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 14.02.2008 “A” propôs nos Juízos Cíveis de Lisboa ação declarativa de condenação, com processo sumário (ação de despejo), contra “B”, Lda.

A A. alegou, em síntese, ser proprietária de um imóvel que constitui a loja do n.º ... da Avenida ..., em Lisboa. Essa loja está arrendada à R., para fins habitacionais. O prédio em causa está inserido em zona especial de protecção do IPPAR, sendo necessária autorização deste organismo para a realização de qualquer obra. A R. procedeu a obras tanto no exterior como no interior da aludida loja, modificando a respetiva estrutura, o que fez sem autorização da senhoria, da Câmara Municipal e do IPPAR. Apesar de ter sido advertida de que estava a incumprir a lei do arrendamento, a R. não removeu as obras ilegais. Tal conduta é fundamento de resolução do contrato de arrendamento.

A A. terminou pedindo que fosse declarada a extinção do contrato de arrendamento por resolução, condenando-se a R. a despejar de imediato o arrendado, entregando-o livre e devoluto à A., e ainda que a R. fosse condenada no pagamento à A., a titulo de sanção pecuniária compulsória, da quantia diária de € 100,00, por cada dia de atraso na entrega da fração em causa após o trânsito em julgado da decisão final e ainda que a R. fosse condenada a proceder às reparações necessárias, para restituir a coisa no estado em que a recebera, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização.

A Ré contestou, começando por invocar a caducidade do direito de resolução, por a A., seja pessoalmente seja através do seu procurador e do seu filho, ter tido conhecimento e até autorizado as aludidas obras, mais de um ano antes da propositura da ação. Por impugnação, a R. alegou que primeiramente foram realizadas obras para adequar o locado ao novo fim do arrendamento, de venda de acessórios de automóveis e eletrodomésticos para restaurante, cervejaria, pastelaria e snack-bar, as quais foram expressamente autorizadas pelo senhorio, em 1987. Em 2000, em virtude de danos sofridos na sequência de escavações ocorridas no prédio vizinho, a R. realizou obras de reparação, sendo certo que a seguradora do proprietário e empreiteiro da obra do prédio vizinho assumiu a responsabilidade pelos danos, tendo indemnizado a R., obras essas de que o senhorio foi informado. No mais, a R. negou que as ditas obras fossem estruturais e que tivessem sido realizadas sem autorizações legais. Em reconvenção, a R. invocou que as obras realizadas são benfeitorias necessárias, cujo valor estima em € 250 000,00. Mais alegou que a A. intentou a presente ação bem sabendo que a mesma é destituída de qualquer fundamento, pelo que deve ser condenada como litigante de má fé, em multa e indemnização de € 5 000,00.

A R. terminou pedindo que fosse julgada provada e procedente a exceção de caducidade, ou, em qualquer caso, julgada improcedente por não provada a ação e procedente por provada a reconvenção, condenando-se ainda a A. como litigante de má fé.

A A. replicou, pugnando pela improcedência da exceção de caducidade e bem assim pela improcedência do pedido reconvencional. Também negou a imputada litigância de má fé e pediu que a R. fosse condenada como litigante de má fé.

A R. apresentou articulado superveniente, alegando que a A. pretendia proceder à demolição do edifício onde se integra o locado, com excepção da respetiva fachada, pelo que age em abuso de direito, procurando obviar à aplicação do regime legalmente prescrito para a denúncia do senhorio para demolição ou realização de obra de remodelação ou restauro profundos.

Embora com a oposição da A., tal articulado foi admitido, assim como a reconvenção, já na 3.ª Vara Cível de Lisboa, a quem o processo foi redistribuído.

Foi proferido saneador tabelar e selecionada a matéria de facto assente e controvertida.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento com gravação dos depoimentos prestados e a final foi emitida decisão de facto.

Em 08.5.2012 foi proferida sentença, na qual se julgou a ação improcedente por não provada e considerou-se a decisão do pedido reconvencional prejudicado, e consequentemente absolveu-se a R. do pedido e absolveu-se a R. do pedido de condenação como litigante de má fé; mais se condenou a A. como litigante de má fé, na sanção pecuniária de 10 UCs, concedendo-se à R. 10 dias para se pronunciar sobre a indemnização a ser-lhe concedida.

Por despacho de 31.5.2012 foi atribuída à R. a quantia de € 4 500,00, a título de indemnização pela má fé.

A A. apelou, tendo apresentado motivação na qual formulou as seguintes conclusões:

  1. Ao contrário do entendimento plasmado na sentença, a A., proprietária do imóvel, jamais se deslocou ao locado, não conhecendo sequer a sua localização exacta, sabendo apenas que é proprietária do prédio.

  2. Resulta do depoimento da A., nas passagens acima transcritas, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, que a mesma nunca tratou de quaisquer assuntos relacionados com o locado, tendo entregue a sua gestão ao seu filho e ao seu solicitador, respectivamente “C” e “D”, ambos testemunhas no processo.

  3. A A. afirmou que nunca teve conhecimento directo, pessoal, de quaisquer obras realizadas no locado, não o tendo igualmente por comunicação do solicitador “D” ou do seu filho, limitando-se a assinar uma carta a recusar autorização para a realização de obras, redigida, ao que crê, pelo seu filho.

  4. Quanto à deslocação do filho da A. e do solicitador “D” ao locado em finais de 2006, nunca negada pela A., cumpre deixar expresso que nessa visita as referidas testemunhas não apuraram quaisquer obras que tivessem já sido realizadas no locado, apenas tendo sido informados acerca das obras que a R. pretendia realizar, relativamente às quais solicitara autorização por escrito mediante a carta junta aos autos a fls. 160.

  5. Decorre dos depoimentos do solicitador “D” e do filho da A., acima transcritos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, que após o envio de uma carta por parte da R. a solicitar a autorização para realização de obras, o solicitador terá pedido uma planta à R., com “vermelhos e amarelos” (respectivamente espaços a construir e a demolir) e deslocou-se ao imóvel munido das mesmas.

  6. A sentença terá interpretado incorrectamente as palavras da aludida testemunha, o que a levou a considerar que, do confronto das plantas de que se fez acompanhar com a visualização do locado, esta apurou de imediato as obras realizadas e não autorizadas. Porém, não foi assim, como se verá.

  7. Impõe-se, desde logo, realçar que as referidas plantas, ao contrário do que a sentença parece ter entendido, foram elaboradas pela própria R., não sendo plantas originais da Câmara Municipal de ....

  8. Apenas com as referidas plantas, nenhuma das duas testemunhas estava em condições de apurar que alterações tinham sido feitas ao locado pois nunca, no passado, ali se haviam deslocado e não conheciam a sua realidade camarária.

  9. Porém, como vieram apurar mais tarde, as plantas com vermelhos e amarelos fornecidas pela R. não reflectiam a realidade do prédio registada na Câmara Municipal de ..., isto é, não eram coincidentes com aquilo que a Câmara tinha como realidade do imóvel.

  10. Mais, quando as duas testemunhas se deslocam ao local pela primeira vez, em finais de 2006, fazem-no no pressuposto de que apenas as obras solicitadas na carta estão em causa, desconhecendo quaisquer outras que pudessem entretanto ter ocorrido, conforme a carta que havia sido enviada à A.

  11. Note-se que a A. apenas adquire o imóvel, na sequência de uma partilha de bens por morte do seu familiar, lavrada em 18 de Março de 2004. Antes dessa data, nem a A., nem o seu filho, nem o solicitador “D” conheciam o que quer que fosse acerca da realidade ou características daquele prédio.

  12. Foi após a deslocação ao locado por parte das duas testemunhas referidas que o procurador da A. entendeu averiguar mais sobre a realidade do imóvel, tendo solicitado na Câmara Municipal de ... a emissão das plantas em vigor, que viriam a ser fornecidas pela Câmara Municipal de ... em 2 de Julho de 2007.

  13. Só então, com o conhecimento do que tinham visualizado no locado, em confronto com as plantas da CM ..., fornecidas em 2 de Julho de 2007, é que as testemunhas puderam constatar a existência de obras não autorizadas, fosse pela senhoria, fosse pela Câmara, e não antes como entende a sentença.

  14. Foi nessa data que se deu o conhecimento efectivo das obras, assim tendo iniciado o prazo de caducidade do direito de resolução do contrato com o fundamento invocado na PI.

  15. Facto é que a PI deu entrada em Juízo em Fevereiro de 2008, assim dentro do prazo de um ano após o CONHECIMENTO EFECTIVO das obras realizadas no locado sem autorização.

  16. Não obstante, caso assim não se entendesse, sempre seria de chamar à colação o n.º 2 do art.º 331.º do CC, segundo o qual o prazo de caducidade se suspende quando, tratando-se de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, haja reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.

  17. No caso em apreço, sendo o prazo o fixado pelo art.º 65.º do RAU (disposição legal) e tratando-se o direito em causa de um direito disponível (ao abrigo da autonomia privada, o senhorio poderá sempre estipular uma cláusula contratual em que autorize a realização de quaisquer obras que o arrendatário venha a pretender sem necessidade de autorização ou, sequer, comunicação), a carta enviada pela R. à A. a solicitar autorização para realização das obras está a reconhecer expressamente que à A. assiste o direito de recusar a realização dessas obras, inviabilizando que as mesmas tenham lugar. Ocorreu a suspensão do prazo de caducidade do direito de acção de resolução com o envio da referida carta por parte da R. Nesse sentido veja-se o Acórdão do STJ de 25-11-1998: BMJ, 481.º-430, cujo sumário acima transcrevemos e que aqui se dá por integralmente...

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