Acórdão nº 11/10.8GCPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução07 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Tribunal da Relação de Coimbra Secção Criminal Rua da Sofia - Palácio da Justiça - 3004-501 Coimbra Telef: 239852950 Fax: 239838985 Mail: coimbra.tr@tribunais.org.pt 31 _____________________ Processo nº 11/10.8GCPBL I – RELATÓRIO: Nestes autos de Processo Comum (Tribunal Singular) supra identificados do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, e em que são arguidos A... e B... após julgamento (com documentação da prova produzida) foi proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos: · - Julgo o arguido A... autor material de um crime de furo [pretender-se-ia dizer furto] qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 203º, 204º, nº 1, al. f) e nº 2, alínea e), 22º, nº 1, 23º, nºs 1 e 2, 26º, 72º, nº 1 e 73º, do Código Penal, pelo que condeno-o na pena de um ano de prisão; · Julgo o arguido B... autor material de um crime de furo [pretender-se-ia dizer furto] qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 203º, 204º, nº 1, al. f) e nº 2, alínea e), 22º, nº 1, 23º, nºs 1 e 2, 26º, 72º, nº 1 e 73º, do Código Penal, pelo que condeno-o na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano; · A referida suspensão será acompanhada de um regime de prova que assenta num plano individual de readaptação social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, durante o tempo de duração da suspensão; (…) (Abrindo aqui um parênteses deixa-se que consignado que pela análise dos autos (tal como é referido na sentença recorrida), constata-se que relativamente ao arguido C..., pelo facto do mesmo ter sido declarado contumaz, previamente à audiência de julgamento dos arguidos supra referidos (os arguidos A... e B...), foi ordenada separação de processos).

* Inconformados com o decidido na sentença, recorreram ambos os arguidos (os arguidos A... e B...), finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição) “III. CONCLUSÕES: 1- Os arguidos colocam em crise a douta Sentença proferida, quanto à matéria de direito.

Da qualificação do crime de furto 2- O tribunal à quo condenou os arguidos pela prática de 1 crime de furto um qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203. 204, n°1 al. f) e n° 2 al. e) do CP.

3 - O crime de furto integra-se na categoria dos crimes materiais - a cuja tipicidade interessa o resultado — condicionado à lesão do património de outrem, pelo facto de se pode falar em furto quando não há uma efectiva diminuição do património do lesado.

4— O valor patrimonial da coisa constitui no dizer o Prof. Faria Costa, in Comentário, II, 44, um elemento implícito do tipo legal de crime de furto.

5- A punição do crime de furto está relacionada com o valor do objecto subtraído.

6- O valor da coisa furtada determina, quer a qualificação dos factos como de furto simples, de furto qualificado em 1 ° ou em 2° grau ou de furto simples por desqualificado, quer, as inerentes molduras penais abstractas.

7—Com efeito, o tipo legal de crime de furto, quanto ao elemento valor da coisa objecto do ilícito, está assim estruturado: 1. quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com prisão até 3 anos ou com pena de multa, artigo 203°/ 1 C Penal.

  1. Quem furtar coisa móvel alheia de valor elevado é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias, artigo 204°/1 alínea a) C Penal.

  2. Quem furtar coisa móvel alheia de valor consideravelmente elevado é punido com prisão de 2 a 8 anos, artigo 204°/2 alínea a) C Penal.

  3. Não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor, artigo 204°/4 C Penal.

8- Considera-se: valor diminuto aquele que não exceder 1 UC; valor elevado aquele que exceder 50 UC,s, valor consideravelmente elevado que exceder 200 Uc,s, 9- Com a previsão contida no nº. 4 do artigo 204°, o que acontece é que se considera que o comportamento - em princípio, susceptível de ser enquadrado como adequada expressão de qualificação - deve ser degenerado para a integração no crime matriz - o furto simples.

10 - Ou perante um contra tipo - no dizer de Faria Costa in Comentário Conimbricense, ou pressuposto negativo de aplicação da norma incriminadora lhe chama Samson, ou irrefutável contra-indicação contra a gravidade do caso, no dizer de Eser, ambos citados no mesmo local, 11- Assim para se afirmar o preenchimento das diversas previsões atinentes ao crime de furto, importa saber qual o valor do objecto subtraído para se incluir no valor elevado ou consideravelmente elevado ou diminuto e assim estar preenchido o tipo de furto qualificado, cm 1° e ou 2° grau (no caso de valor elevado ou consideravelmente elevado) ou perante um crime de furto simples (no caso de valor inferior a elevado ou quando existindo outras circunstâncias qualificativas, o valor for diminuto).

12— Donde, para a verificação do tipo legal de furto qualificado será ainda necessário, a acrescer aos elementos constitutivos do crime de furto simples, matriz, base, tipo, a verificação de uma qualquer das circunstâncias previstas no elenco do nº. 1 ou do n°. 2 do artigo 204° C Penal e que o valor da coisa exceda o valor da UC, reportado ao momento da praticados factos.

13- Se o valor da coisa não exceder o valor da UC, não se pode ter como preenchido o tipo legal qualificado, apenas e tão só, o da matriz, referencial, furto simples.

14- Em apertada conclusão, quando no n°. 4 do artigo 204° C Penal, se dispõe que, “não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor”, tal deve ser lido e interpretado como constando, implicitamente de qualquer das alíneas - com excepção das alíneas a)- dos n°s. 1 e 2 do artigo 204°, a referência “desde que o valor do objecto da apropriação seja de valor superior à UC”.

15- Não há, nos autos, nem prova vinculada nem sequer, objectiva quanto ao valor dos objectos que os arguidos tinham intenção de apropriação.

16- Na verdade, desconhece-se o valor dos bens que os arguidos pretendiam e poderiam subtrair, podendo ser diminuto.

17- A dúvida sobre se o valor do objecto da tentativa de furto é ou não diminuto, porque se refere a um elemento de facto, tem de solucionar-se a favor do arguido, em obediência ao principio in dubio pro reo, considerando-se ser esse valor diminuto e, em consequência, a tentativa de furto simples. Nesse sentido decidiu o STJ em acórdão de 12/11/1997, CJ, acs. STJ, 1997, III, 232. E também, em relação a crime de roubo, em acórdão de 17/12/1997, proferido no processo n 1037/97, ainda que com anotação discordante do Conselheiro Simas . na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Julho - Setembro de 1998, páginas 439 e seguintes.

18- Sobre a matéria vale a lição de Figueiredo Dias: “ao facto sujeito a julgamento o princípio aplica-se sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude (…), de exclusão da culpa (...) e de exclusão da pena (…), bem como às circunstâncias atenuantes, sejam elas «modificativas» ou simplesmente «gerais». Em todos estes casos, a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado prova completa da circunstância favorável ao arguido” (Direito Processual Penal, Volume I, 1974, página 215) 19- Sem descurar que, em processo penal, vigora o princípio da presunção de inocência do arguido, com a consagração constitucional, artigo 32°/2 da Constituição da República Portuguesa e ainda na Declaração Universal dos Direitos do Homem, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Po1íticos e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, “cuja primeira grande incidência, assenta fundamentalmente, na inexistência de ónus probatório do arguido em processo penal, no sentido de que o arguido não tem de provar a sua inocência para ser absolvido; um princípio in dubio pro reo; e ainda que o arguido não é mero objecto ou meio de prova, mas sim um livre contraditor do acusador com armas iguais às dele.

20- Em primeiro lugar, o princípio da presunção de inocência do arguido isenta-o do ónus de provar a sua inocência, a qual parece imposta (ou ficcionada) pela lei, o que carece de prova é o contrário, ou seja, a culpa do arguido, concentrando a lei o esforço probatório na acusação.

21- Em segundo lugar, do referido princípio da presunção de inocência do arguido – embora não exclusivamente dele - decorre um principio in dubio pro reo, princípio que procurando responder ao problema da dúvida na apreciação do caso criminal (não a dúvida sobre o sentido da norma, mas a dúvida sobre o facto e, partindo da premissa de que o juiz não pode terminar o julgamento com um non liquet, determina que na dúvida quanto ao sentido em que aponta a prova feita, o arguido seja absolvido” 22- O princípio do in dubio pro reo é, assim, uma imposição dirigida ao juiz, segundo o qual, a dúvida sobre os factos favorece o arguido.

23- Quer isto dizer, que a sua verificação pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, reportada à decisão da matéria de facto e, sem qualquer restrição.

24- Dúvidas, então, não existem de que sobre a acusação impendia o ónus da prova do facto do valor da coisa que os arguidos pretendiam subtraída ser superior ao correspondente a 1UC.

25- Isto é, o preenchimento de qualquer das previsões contidas no tipo legal do artigo 204º C Penal pressupões a prova positiva de que o valor da coisa é superior a q UC.

26- Outro entendimento, designadamente de que sobre o arguido impendia o ónus de provar que o valor, pelo contrário, não era superior a 1 UC, não é admissível, sob pena de estarmos perante uma manipulação arbitrária e injustificável do princípio in dubio pro reo, determinante de uma inconstitucional presunção de culpabilidade.

27- Assim, em resumo, uma vez que se não logrou fazer a prova de qualquer valor da coisa subtraída, por...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT