Acórdão nº 913/09.4TBVNO.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução20 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO 1.

Z (…) COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., instaurou contra A (…), a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, pedindo que a mesma seja julgada procedente por provada e, em consequência, seja o R. condenado no pagamento à autora da importância de 61.676,34€, acrescida de juros de mora à taxa legal, calculados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Em fundamento, alegou, em síntese, ter suportado, enquanto seguradora da do réu o pagamento da referida quantia em consequência da morte de (…), ocorrida em virtude de acidente de viação ocorrido por culpa exclusiva do réu que circulava de forma desatenta e sob influência de uma taxa de alcoolemia no sangue no valor de 0,91g/l.

Mais invocou que o álcool ingerido lhe reduziu as capacidades de reacção no espaço físico e da avaliação das distâncias; lhe provocou lentidão na capacidade de reacção e perturbou-lhe os reflexos e a coordenação motora, o que determinou o atropelamento do peão.

  1. Contestou o R., por impugnação, invocando factos tendentes a imputar ao peão a culpa exclusiva pela ocorrência do atropelamento, concluindo que a TAS em nada contribuiu para a ocorrência do acidente.

  2. Tendo sido designada audiência preliminar, nesta foi proferido despacho saneador, seguido da selecção dos factos assentes e da elaboração da base instrutória.

  3. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi designada data para a decisão sobre a matéria de facto, a qual não foi objecto de qualquer reclamação, tendo sido proferida sentença, na qual se decidiu: «julgo a presente acção parcialmente provada e procedente e, em consequência, condeno o réu a pagar à autora a quantia de € 18.455,71, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da citação, até integral pagamento».

  4. Inconformado, o R. apresentou recurso de apelação da sentença proferida, formulando as seguintes conclusões: «1. No caso concreto, é admissível o recurso sabre a matéria de facto, por constarem todos os elementos necessários para tal; 2. Deve ser alterada a resposta ao ponto 4. da "matéria de facto" passando a constar uma taxa de álcool no sangue de 0,90 g/l; 3. Os pontos 5. a 7. da "matéria de facto" são meramente conclusivos ou caso assim não se considere, devem ser alteradas para negativas as respostas dadas por tal resultar dos depoimentos das testemunhas (…) cuja reapreciação se requer; 4. Não foi produzida, em concreto, qualquer prova que o acidente se tivesse ficado a dever à taxa de alcoolemia do R.; 5. O peão fazia a travessia da estrada, de noite, fora da passadeira existente a cerca de 20 metros, numa curva, em local de má visibilidade e usando roupas escuras; 6. O peão, sem cuidar previamente que o podia fazer em segurança e sem causar qualquer acidente, fazia o atravessamento da faixa de rodagem destinada à circulação de veículos, em local proibido; 7. Nada consta da matéria factual dada como assente que o R. tivesse previsto que tinha que parar o seu veículo ou desviar-se de algum obstáculo, nem tal lhe era exigível; 8. O acidente dos autos não se ficou a dever a concorrência de nenhuma acção ou omissão do R., mas exclusivamente a imprevidência, falta de cuidado e distracção da infeliz vitima; 9. O R., enquanto condutor da viatura, não estava obrigado a contar com comportamentos inopinados e imprevidentes dos demais utentes da via in casu da infeliz vitima; 10. Ainda que se admita que o acidente possa ter sido causado pela velocidade excessiva do veículo do R., a acção terá que improceder por não se verificarem os requisitos do direito de regresso; 11. Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a Douta Sentença proferida em 1.ª lnstância, substituindo esta por uma de absolvição do R. e ora apelante do pedido; 12. A Douta Sentença ora recorrida, violou, entre outras, as seguintes disposições legais: a) artºs. 24.º e 25.º, ambos do Código da Estrada; b) artºs 342.º; 563.º,do Cód. Civil; c) artºs 19.º, alínea c), do DL522/85 de 31/12.» Termina concluindo que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença proferida em 1.ª instância, a qual deve ser substituída por decisão que absolva o R. e ora Apelante do pedido.

  5. Não foram apresentadas contra-alegações.

***** Mantém-se a validade e regularidade da instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***** II. O objecto do recurso[2].

As questões a apreciar no presente recurso de apelação consistem em saber se: - deve ser alterada a resposta à matéria de facto referente aos pontos 4.º a 7.º da base instrutória; - em consequência de tal alteração, e em face da matéria de facto assente, deve ser julgada improcedente a pretensão formulada pela Autora.

***** III – Fundamentos III.1. – De facto Foram os seguintes os factos considerados como provados na sentença recorrida: 1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à actividade seguradora (alínea A) da matéria assente); 2. Entre a autora e A (…) foi celebrado contrato de seguro titulado pela apólice nº 002.856.410 relativo à viatura marca Toyota Yaris, matrícula (..) TL(alínea B) da matéria assente); 3. Em 11.11.2006 encontrava-se válido o contrato de seguro aludido em B) (alínea C) da matéria assente); 4. No dia 11.11.2006, cerca das 21h00 A (…) circulava como o veículo (..) TL(doravante abreviadamente referido por TL) na Av. D. José Alves Correia da Silva, no sentido Norte-Sul, em Fátima (alínea D) da matéria assente); 5. Quando o réu descrevia a curva existente junto ao final das obras da Basílica da Santíssima Trindade foi embater em (…) (alínea E) da matéria assente); 6. (…) encontrava-se a atravessar a dita Av. da esquerda para a direita atento o sentido de marcha do TL (alínea F) da matéria assente); 7. O peão (…) efectuou a travessia da estrada a uma distância de cerca de 20 metros da passadeira para peões existente, para Sul, junto ao entroncamento entre a Avª. D. José Alves Correia e o arruamento Sul (resposta ao nº 14 da base instrutória); 8. A cerca de 80 metros para Norte do local onde se verificou o embate, existe uma passadeira para peões, imediatamente antes do entroncamento entre a Avª. D. José Alves Correia e o arruamento Norte (resposta ao nº 11 da base instrutória); 9. À data do embate não chovia e o piso encontrava-se seco em boas condições de circulação sem buracos ou irregularidades que dificultassem a circulação rodoviária (alínea L) da matéria assente); 10. No local do embate, a estrada configura-se em recta, antecedida por curvas (resposta ao nº 1 da base instrutória); 11. O local onde ocorreu o embate é uma zona frequentada por peões que se dirigem ao Santuário e ao Centro Pastoral (resposta ao nº 2 da base instrutória); 12. É um local bem conhecido pelo réu (resposta ao nº 3 da base instrutória); 13. O local do embate caracteriza-se por ter má visibilidade por a luz dos candeeiros públicos ser ofuscada pela folhagem das árvores (resposta ao nº 12 da base instrutória); 14. Na ocasião do embate a vítima usava roupas escuras (resposta ao nº 13 da base instrutória); 15. O réu não viu o peão e só se apercebeu da presença deste, aquando do embate com o TL (resposta ao nº 15 da base instrutória); 16. O réu foi embater com a frente direita do TL em (…) nomeadamente na parte direita do seu corpo (alínea G) da matéria assente); 17. Com a força do impacto do TL o peão saltou para cima do capot daquele tendo ali seguido durante algum tempo (alínea H) da matéria assente); 18. Quando o réu imobilizou o TL o peão caiu ao solo (alínea I) da matéria assente); 19. O corpo de (…) caiu a 17,90m do local do embate que dista 4,90m do sinal “todas as direcções” e 22 m no sentido do sinal de sentido proibido, existentes respectivamente do lado direito e esquerdo em face do sentido de marcha tomado pelo réu (alínea J) da matéria assente); 20. Na sequência do embate M (…) sofreu lesões corporais diversas que determinaram a sua morte (alínea K) da matéria assente); 21. No momento do embate o réu conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 0,91 g/l (resposta ao nº 4 da base instrutória); 22. O álcool ingerido pelo réu diminuiu-lhe as capacidades de reacção no espaço físico e da avaliação das distâncias (resposta ao nº 5 da base instrutória); 23. Causou-lhe lentidão na capacidade de reacção (resposta ao nº 6 da base instrutória); 24. O álcool ingerido pelo réu perturbou-lhe os reflexos e a coordenação motora o que contribuiu para a verificação do embate entre o TL e (…) e subsequente morte do peão (resposta ao nº 7 da base instrutória); 25. No dia 16.01.2009 a autora pagou aos herdeiros de (…) a quantia de € 55.000,00, a título de indemnização por dano morte (resposta ao nº 8 da base instrutória); 26. No dia 30.01.2009 a autora pagou ao Instituto da Solidariedade Social a quantia de € 6.519,04, a título de Subsídio por Morte e Pensões de Sobrevivência (resposta ao nº 9 da base instrutória); 27. No dia 28.06.2007 a autora pagou à Luso-Roux a quantia de € 157,30, a título de despesas de averiguações (resposta ao nº 10 da base instrutória).

***** III.2. – O mérito do recurso III.2.1. – Alteração da matéria de facto O Apelante, por esta via de recurso, pretende a reapreciação por este Tribunal das respostas dadas pela Mm.ª Juiz a quo aos artigos 4.º a 7.º da base instrutória.

Perguntava-se nos referidos artigos se: “4. No momento do embate o Réu conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 0,91 g/l? 5. O álcool ingerido pelo Réu diminuiu-lhe as capacidades de reacção no espaço físico e da avaliação das distâncias? 6. Causou-lhe lentidão na capacidade de reacção? 7. Perturbou-lhe os reflexos e a coordenação motora o que causou a morte do peão?” A impugnação da matéria de facto pelo Réu, ora recorrente, deve considerar-se efectuada com observância do disposto no artigo 685.º-B, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil[3], porquanto, constando apenas da acta da...

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