Acórdão nº 281/08.1TBVNO.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução06 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

A ré, M…, Lda. interpôs recurso ordinário de apelação da sentença da Sra. Juiz de Direito de Círculo de Ourém, que, julgando procedente a acção declarativa, com processo comum, ordinário pelo valor, proposta por A… e R… – na qual estes pediam “e declarasse a nulidade da deliberação da exclusão dos AA., ou se assim se não considerar, anulando-se esta como todas as primeiras cinco deliberações sociais tomadas na Assembleia-Geral da sociedade do passado dia 19 de Janeiro – anulou as deliberações da ré, M…, Lda., tomadas em assembleia geral realizada no dia 19 de Janeiro de 2008, nos termos da qual os autores foram destituídos do cargos de gerentes da sociedade M…, Lda. e foi deliberada a instauração de acção judicial contra os autores, com vista à sua exclusão de sócios da ré” A recorrente pede, no recurso, que “esta sentença seja considerada nula, que se revoguem parcialmente as respostas dadas a alguns números da Base Instrutória e se substituam por outras de acordo com as conclusões e consonantes com a prova produzida nos autos, que se julguem inexistentes os vícios apontados, na douta sentença recorrida, às deliberações em crise nos presentes autos e, em consequência, se substitua decisão proferida por outra que julgue os pedidos formulados pelos AA., infundados e improcedentes”.

A apelante extraiu da sua alegação estas conclusões: … Na resposta, os recorridos, depois de alegarem a caducidade do direito à impugnação e o carácter subsidiário do pedido de anulação das cinco primeiras deliberações tomadas na assembleia-geral de 19 de Janeiro de 2008, e de notarem que, no tocante à impugnação da decisão da matéria de facto, o recurso deve ser rejeitado, por a recorrente não ter cumprido o dever de indicar as passagens da gravação em que se funda nem ter procedido à sua transcrição, concluíram, enfim, pela improcedência dele.

A Sra. Juíza de Direito, depois de observar que o pedido de anulação das cinco primeiras deliberações era subsidiário do pedido de declaração de nulidade da deliberação que teve por objecto a destituição dos recorridos do cargo de gerente e a proposição de acção judicial com vista à sua exclusão, concluiu, porém, pela verificação da nulidade, por omissão de pronúncia, da sua sentença, reclamada pela recorrente, e procedeu à sua integração, tendo impresso, à parte dispositiva, este conteúdo: Termos em que julgo a presente acção provada e procedente e, em consequência, anulo as deliberações da ré M…, Lda., tomadas em assembleia-geral extraordinária realizada no dia 19 de Janeiro de 2008, que são as seguintes: 1º Análise das conclusões do inquérito com vista ao apuramento da verdade, e do relatório da auditoria que a actual gerência executiva solicitou face às denúncias que chegaram ao conhecimento de alguns gerentes.

  1. Destituição, com justa causa, dos gerentes A… e R...

  2. Deliberação sobre a exclusão judicial dos sócios A… e R…, incluindo a nomeação de representante especial da sociedade para esse efeito e a escolha de advogado para patrocinar a sociedade na respectiva acção judicial.

  3. Deliberação sobre a instauração de acção judicial contra o ex-sócio S… e contra os sócios A… e R… com vista ao ressarcimento da sociedade em virtude dos actos lesivos e por estes praticados e nomeação do respectivo advogado para patrocinar a sociedade.

  4. Deliberação sobre outras acções a tomar pela Sociedade como consequência dos assuntos tratados nos pontos anteriores e escolha de advogado que deverá representar a sociedade nas eventuais diligências judiciais.

O Relator, por decisão expressa, julgou o recurso tempestivo e admitiu-o.

  1. Factos provados.

    ...

  2. Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente.

    Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

    Como é comum, a recorrente assaca à decisão impugnada o vício da nulidade.

    Valor negativo, que no seu ver, tem esta causa precisa: a omissão de pronúncia.

    Segundo a impugnante, a sentença não se teria pronunciado sobre todos os pedidos formulados pelos autores, mais exactamente quanto ao problema da invalidade das deliberações que tiveram por objecto os pontos 1, 4 e 5 da ordem de trabalhos da assembleia de sócios na qual foram aprovadas.

    Os recorridos, na resposta ao recurso, obtemperaram, porém, que o pedido de anulação de todas as cinco primeiras deliberações tinha uma feição puramente subsidiária e que o silêncio da sentença quanto às deliberações diversas daqueles que anulou, devidamente interpretado, não tinha outro significado senão que tais deliberações não deveriam ser anuladas.

    Todavia, a Sra. Juíza de Direito, chamada a pronunciar-se sobre a arguição, depois de observar que os recorridos tinham formulado dois pedidos – um, de declaração de nulidade da deliberação de destituição daqueles do cargo de gerente e de instauração, contra eles, de acção com visa à sua exclusão de sócios da apelante, e outro, de anulação das primeiras cinco deliberações tomadas naquela assembleia –, notou que este último pedido tinha natureza subsidiária, pelo que só teria de ser apreciado se o primeiro não procedesse – mas concluiu, afinal, perplexamente, que se verificava a nulidade acusada, e integrou a sentença impugnada, anulando também as deliberações relativas aos pontos 1º, 4º e 5º da ordem de trabalhos da assembleia de sócios realizada no dia 19 de Janeiro de 2008.

    A perplexidade reside nisto: depois de argumentar com a ausência do dever de decidir, por força do seu carácter subsidiário, o último dos pedidos, a decisão de integração terminou por concluir que, afinal, se verificava, relativamente a ele, a omissão de pronúncia e, correspondentemente, a nulidade acusada.

    Diz-se subsidiário o pedido quando é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior (artº 469 nº 1 do CPC).

    O pedido subsidiário pressupõe, portanto, um outro a que bem pode chamar-se de principal ou primário: o autor começa por formular uma certa pretensão com um determinado fundamento; mas porque não está seguro que essa pretensão venha a encontrar acolhimento pelo tribunal, deduz subsidiariamente uma outra, mais sólida, para ser considerada pelo tribunal no caso de não vingar a primeira.

    Por força do carácter subsidiário, o tribunal só deve conhecer do pedido correspondente, caso julgue improcedente o pedido primário: se depois de julgar procedente o pedido principal, a sentença conhece do pedido subsidiário e igualmente o julga procedente, tem-se por certo que essa sentença é nula[1] – por excesso de pronúncia, dado que, neste caso, é patente que o tribunal conheceu de questão de que não devia tomar conhecimento (artºs 264 nº 1, 664, 2ª parte, e 668 nº 1 d), 2ª parte, do CPC).

    Portanto, a decisão de integração da sentença final da causa é intrinsecamente contraditória, visto que depois de assinalar – com correcção - que o pedido de anulação das cinco primeiras deliberações era subsidiário do pedido da declaração da invalidade da deliberação de destituição dos autores e de exclusão destes do universo societário – e portanto, que, por força da procedência deste último – não estava vinculada ao dever de apreciar o primeiro – concluiu, incoerentemente, que tinha o dever de pronunciar sobre o pedido subsidiário e, julgando verificada a nulidade reclamada, pronunciou-se sobre tal pedido, julgando-o procedente.

    Seja como for, exacto é, em todo o caso, que o decisor da 1ª instância supriu a nulidade assacada à sentença final da causa e procedeu à sua reparação.

    Como a reclamação foi atendida, a nova decisão integrou-se na primitiva e dessa integração resulta uma inevitável repercussão sobre o recurso interposto, ainda que pela própria parte que requereu o suprimento da nulidade: o recurso passa a ter por objecto a sentença, tal como se apresenta agora, em consequência da integração da nova decisão na primitiva (artºs 670 nº 1, in fine, e nº 3, 1ª parte, do CPC).

    E essa modificação do objecto do recurso é automática, não sendo mesmo necessário que a recorrente faça declaração alguma: desde que interpôs o recurso sem qualquer limitação, o recurso abrangerá a nova decisão em tudo o que lhe é desfavorável.

    Todavia, a decisão de reparação da nulidade da decisão recorrida deixa, evidentemente, prejudicado o conhecimento do fundamento correspondente do recurso (artº 660 nº 2 do CPC).

    Nestas condições, tendo em conta os parâmetros da competência decisória definidos pelo conteúdo da decisão recorrida e das alegações de ambas as partes, as questões controversas que importa resolver são as de saber se: a) O recurso, no segmento relativo à impugnação da decisão da questão de facto deve ser rejeitado, com fundamento na insatisfação, pela recorrente, do ónus relativo a essa impugnação; b) As deliberações tomadas na assembleia de sócios da recorrente, no dia 19 de Janeiro de 2008, devem ser anuladas com fundamento violação, no exercício do direito de voto, das regras relativas à contitularidade da quota, e no abuso do direito.

    A resolução destes problemas vincula, naturalmente, ao exame, ainda que leve, do ónus de impugnação da decisão da matéria de facto a que lei vincula a recorrente, das regras relativas ao exercício dos direitos inerentes à quota indivisa e dos pressupostos do abuso de direito.

    No julgamento do recurso importa, no entanto, ter presente o seguinte: No direito português, a função do recurso ordinário é a reapreciação da decisão recorrida – e não um novo julgamento da causa.

    Desta circunstância decorre, além do mais, a proibição da reformatio in peius.

    Esta proibição traduz-se no seguinte: a decisão...

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