Acórdão nº 5445/09.8TBLRA de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Julho de 2012

Magistrado ResponsávelEM
Data da Resolução11 de Julho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

2 Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra A....

, residente na Avenida Adelino Amaro da Costa, Bloco C, 1º C, Direito, Jardins do Lis, Leiria, propôs a presente acção declarativa com processo ordinário contra o Banco Comercial Português, SA, com sede na Praça D. João I, n.º 28, Porto, pedindo a condenação do réu no pagamento da quantia de € 300 000,00, a título de capital, acrescida de juros, à taxa legal, desde 30 de Setembro de 2009 até efectivo pagamento.

Para tanto alegou que era legítimo portador do cheque n.º 6431540134, no valor de € 300 000,00, sacado, em 26 de Janeiro de 2009, por B....sobre o BCP; que o cheque foi-lhe entregue para pagamento de uma dívida que o sacador tinha para com ele (autor); que o cheque foi devolvido em 28 de Janeiro de 2009 pelos serviços de compensação do Banco de Portugal com os dizeres “falta ou vício na formação da vontade”; que esta devolução ocorreu por o sacador, seguindo as instruções e ensinamentos de um funcionário da agência de Leiria do réu, ter ordenado a revogação do cheque; que o réu, ao aceitar a ordem de revogação sem que existisse qualquer facto que a justificasse, impediu que se verificasse o facto que importava a obrigação de notificação do sacador para regularizar a situação, pois sabia que a contava bancária não apresentava fundos que possibilitassem o pagamento do cheque; que não recebia a quantia titulada no cheque; que as perdas e danos sofridos com a atitude ilegítima do réu ascenderam à quantia de € 300 000,00, acrescida de € 7 766,00, a título de juros de mora vencidos até 30 de Setembro de 2009, e dos juros vincendos até integral pagamento.

O réu contestou, concluindo pela improcedência da acção. Na sua defesa alegou, em síntese, que o sacador enviou-lhe, em 10 de Junho de 2008, comunicação escrita onde ordenou o não pagamento do cheque em questão, indicando, como motivo, “vício na formação da vontade”; que o cheque não foi apresentado a pagamento nos oito dias posteriores à sua emissão pois a data do cheque foi colocada por outrem que não o emitente; que o réu, quer antes quer depois do pedido de revogação, agiu com zelo e diligência, de acordo com as instruções do cliente; que ainda que o réu tivesse violado o artigo 32º da Lei Uniforme sobre Cheques [LUCH] não estava constituído na obrigação de indemnizar o autor.

No final, requereu a intervenção nos autos do sacador do cheque, como auxiliar na defesa, o que foi deferido.

O autor respondeu. Sob a alegação de que o réu invocara falsamente factos que não só tinha obrigação de conhecer, como factos que bem sabia não serem verdadeiros, pediu a condenação do réu, como litigante de má fé, no pagamento de multa e indemnização, em quantia não inferior a € 10 000,00.

O réu contestou o pedido de litigância de má fé, alegando que não tinha fundamento legal.

O processo prosseguiu os seus termos e a final foi proferida sentença que julgou improcedentes a acção e o pedido de litigância de má fé deduzido pelo autor.

As razões da improcedência da acção foram, em síntese, as seguintes. Em primeiro lugar, por o cheque em causa apenas poder ser visto como quirógrafo e não com as virtualidades próprias de um título de crédito, pelo que não tinha aplicação ao caso o regime do artigo 32º da LUCH. No entender do tribunal a quo, o cheque valia como quirógrafo por ter sido entregue ao autor sem a indicação da data e por o demandante não ter provado a existência de um pacto de preenchimento que tivesse sido respeitado. Em segundo lugar, mesmo que se entendesse que o título valia como cheque e que, ao aceitar a ordem de revogação, praticara um facto ilícito, o réu não estava constituído na obrigação de indemnizar o autor pois não se verificava nexo de causalidade adequada entre o comportamento que o autor alegava que era ilícito e o dano invocado; e não se verificava porque, mesmo que não tivesse observado a ordem de revogação dada pelo sacador, o réu não teria obrigação de pagar o cheque uma vez que a conta sacada não dispunha de provisão para o efeito, razão pela qual o cheque sempre seria devolvido ao autor com fundamento na falta de provisão.

O autor não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes: 1. O recorrente entende que se encontra incorrectamente julgada a matéria de facto constante dos factos 2º, 4º, 5º, 6º, 9º a 13º e 15º, e dada a análise atenta dos depoimentos prestados pela parte e testemunhas, conjugados com o conteúdo dos documentos juntos aos autos impunha-se decisão diversa.

  1. Os factos 2º, 4º, 5º e 6º deviam ter sido dados como provados, face à análise da prova testemunhal e documental referida em VI-A da alegação.

  2. Os factos 9º e 10º deviam ter sido dados como provados, com o aditamento ao 9º de que “a data aposta no cheque obteve o consentimento de B....” e com o aditamento ao 10º “por instruções do funcionário do réu”, face à análise da prova testemunhal e documental referida em VI-B da alegação.

  3. Os factos 11º, 12º e 13º deviam ter sido dados como não provados, face à análise da prova testemunhal e documental referida em VI-C da alegação.

  4. O facto 15º devia ter sido dado como provado com o aditamento de que “a data aposta no cheque obteve o consentimento de B....”, face à análise da prova testemunhal e documental referida em VI-D da alegação.

  5. Contrariamente ao que se refere na sentença recorrida, não se pode ignorar que a data aposta no cheque foi-o de acordo com o pacto de preenchimento estabelecido entre o autor e o sacador B...., não podendo, assim, tal cheque ser visto como mero quirógrafo, mas antes como possuindo todas as virtualidades próprias de título de crédito - cheque - ínsitas no artigo 1º da LUCH.

  6. Aliás, que tal título vale como cheque, dúvidas nenhumas podem existir atento os factos constantes em A, B, C e D da matéria de facto assente.

  7. De igual modo, só erroneamente se refere na sentença recorrida que "...

    mesmo que a ré não tivesse observado a ordem de revogação dada pelo sacador, não teria qualquer obrigação de pagar o montante titulado pelo cheque ao autor, uma vez que a conta sacada não dispunha de provisão para o efeito" (SIC)., 9. Porquanto, tal como o autor alegou nos artigos 6º, 7º, 8º, 9º e 10º da sua petição, o banco réu, ao aceitar uma mera ordem de revogação, dada a inexistência de qualquer facto que a justificasse (atento a falsa justificação dada pelo sacador, tal como melhor se alcança da data aposta no documento de fls. 22 - documento 2 da contestação - ser posterior à devolução do cheque causa, e ainda ao facto do documento de fls. 21 – doc. 1 da Contestação - constarem simples ordens de revogação por falta ou vício da vontade para 9 - nove! - cheques), retirando-o, assim, de circulação, impediu que se verificasse o facto que importava a obrigação de notificação do sacador para regularizar a situação dentro dos 30 dias referidos no artigo 1º do Decreto-Lei Lei nº 316/97 de 16 de Novembro, e a consequente notificação ao banco de Portugal, já que bem sabia o réu que a acima identificada conta bancária não apresentava à data fundos monetários que possibilitassem o pagamento do aludido cheque e que o mesmo pudesse ser de novo apresentado a pagamento em data em que o sacado tivesse fundos na conta sacada.

  8. Agiu, assim, ilicitamente o banco réu por violação do disposto no artigo 32º da LUCH, ao não proceder com a diligência de pessoa normal, medianamente capaz, prudente e avisada (atente-se ao que as testemunhas do réu, seus funcionários, depuseram em julgamento: "era esse o procedimento na altura (referindo-se ao Doc. 1 da Contestação); simplesmente executei a ordem do cliente; normalmente o que se faz é assinar a ordem de revogação"), conforme jurisprudência Uniformizada pelo Acórdão Uniformizador do S.T.J. nº 4/2008.

  9. Nem se diga, como se refere na sentença recorrida, que atento o facto constante da alínea D) dos factos assentes ["àquela data a conta acima identificada não apresentava fundos monetários que possibilitassem o pagamento do cheque"], que "não se verifica um nexo de causalidade adequada entre o comportamento da ré que o autor defende ser ilícito e o dano que invoca – pois este, mesmo sem aquela actuação, sempre se teria produzido -, motivo pelo qual não pode considerar preenchido esse pressuposto da obrigação de indemnizar com base na responsabilidade civil por factos ilícitos"; 12. Porquanto, tal como se decidiu no Acórdão do S.T.J. de 12.10.2010, in C.J. - Acórdãos do S.T.J., Tomo III - 2010, pág. 124 e seguintes: o não pagamento ao portador do montante titulado pelo cheque, no momento da sua apresentação a desconto, independentemente da causa que lhe esteja subjacente, vem a significar a falta de realização do valor correspondente ao quantitativo da prestação a que aquele, na qualidade de credor, tinha direito, com o consequente dano patrimonial verificado. Por outro lado, um banco que recusa o pagamento de um cheque revogado determina, segundo as regras da experiência e a partir das circunstâncias do caso, que o tomador se veja privado do respectivo montante, não sendo conjecturável prognosticar que o sacador disponha de outros bens acessíveis que garantam a respectiva solvabilidade"; 13. E no acórdão STJ de 28.02.2008 in www.dgsi.pt, "de facto, um banco que recusa o pagamento dum cheque revogado determina que, segundo as regras da experiência e a partir das circunstâncias do caso, o tomador se veja privado do respectivo montante. Da revogação resulta normalmente o afastamento do pagamento voluntário por parte do sacador e é utópico presumir-se que este disponha de outros bens acessíveis que garantam solvabilidade (se a ordem de revogação visa evitar o pagamento de um cheque validamente emitido e detido pelo tomador, naturalmente que o sacador procurará evitar outras vias de cobrança, designadamente a executiva); 14. O banco é responsável pelo pagamento ao tomador de uma indemnização...

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