Acórdão nº 3166/08.8TBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Julho de 2012

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução11 de Julho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório L (..) Lda, intentou contra S (…) Sociedade de Vinhos Lda, a presente acção declarativa de condenação com processo comum sob a forma ordinária, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de € 39.903,82, acrescido de IVA à taxa legal, bem como juros até integral pagamento.

Como fundamento da sua pretensão, alegou a autora em síntese: no exercício da sua actividade, celebrou com a ré um contrato de empreitada referente à construção de um pavilhão; o preço acordado foi de 139.667,43€ + IVA, a efectuar de acordo com o escalonamento previsto no contrato; a execução da obra esteve suspensa por causas imputáveis à ré; a ré não pagou as duas últimas prestações (7ª e 8ª) – Caixilharia e Pintura, no valor de 14.9763,93€ e “Conclusão de Obra 24.939, 89€, acrescida do respectivo IVA à taxa legal; assim, está a ré em dívida para com a autora de parte ao preço da empreitada no montante de 39.903,82€, acrescido de IVA à taxa legal.

Contestou a ré, preconizando a improcedência da acção e a declaração de que “assiste à ré o direito de recusar o pagamento do preço em falta enquanto a autora não reparar os defeitos da obra e concluir os trabalhos em falta”.

Alegou a ré em síntese: os trabalhos foram executados pela autora em desconformidade com o projecto; encontram-se por executar vários trabalhos contratados; os atrasos da entrega da obra são da responsabilidade da autora, que não cumpriu os prazos acordados; a obra foi concluída apenas formalmente, para possibilitar à ré a obtenção da licença de utilização; a ré propôs à autora a entrega de dois cheques referentes às duas últimas prestações (7ª e 8ª) – Caixilharia e Pintura, no valor de 14.9763,93€ e “Conclusão de Obra 24.939, 89€ - com a condição de esta retomar os trabalhos, entregar o livro de obra e reparar os defeitos, mas a autora não aceitou.

A autora apresentou resposta, alegando genericamente que a obra não tem quaisquer defeitos (fls. 68).

Foi proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento da contestação, nomeadamente no que concerne à concretização dos defeitos invocados.

A ré respondeu ao convite através do requerimento de fls. 96.

Foi proferido despacho saneador em que se fixou o valor da causa, se definiu a matéria factual assente e se organizou a base instrutória, sem reclamações.

As partes apresentaram os seus meios de prova, tendo sido, nomeadamente, requerida peritagem colegial.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferido despacho (fls. 273 a 278), onde se decidiu a matéria de facto, sem reclamações.

Foi proferida sentença (fls. 279 a 289), onde se julgou a acção improdecente e se absolveu a ré do pedido.

Inconformada, apelou a autora, apresentando alegações, nas quais formula as seguintes conclusões: (…) A ré apresentou contra-alegações, onde preconiza a manutenção do julgado, concluindo: (…) II.

Do mérito do recurso 1.

Definição do objecto do recurso O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A n.ºs 1 e 3 do CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões: i) apreciação das nulidades invocadas; ii) apreciação do recurso da matéria de facto; iii) apreciação do mérito da integração jurídica dos factos, nomeadamente no que concerne à aceitação da obra e às consequências jurídicas deste facto relativamente à invocação da excepção de não cumprimento.

  1. Apreciação das nulidades invocadas Nas conclusões de recurso 1.ª a 11.ª, alega a recorrente que a sentença sob censura enferma das nulidades previstas nas alíneas d) e e) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, dado que a ré foi absolvida “com recurso ao instituto da redução do preço”, sendo certo que a mesma “em momento algum dos presentes Autos (mormente em sede de reconvenção) peticionou, contra a Autora, a redução do preço”.

    Conclui que o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, “conheceu de questão que lhe era vedado conhecer”, incorrendo “em excesso de pronúncia”.

    Vejamos.

    Dispõe o n.º 1 do artigo 688.º do Código de Processo Civil: «1 - É nula a sentença quando: […] d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

    […]».

    Como bem refere a recorrente, o direito à redução do preço, conferido ao dono da obra pelo artigo 1222.º, n.º 1 do Código Civil, na eventualidade de não serem eliminados os defeitos nem construída nova obra, tem que ser invocado em juízo, por via de acção ou de excepção [podendo sê-lo também por reconvenção] João Cura mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra, 3.ª edição revista, Almedina, página 123, revelando-se imprescindível a formulação expressa de tal pedido.

    Acontece, no entanto, que o M.º Juiz, ao contrário do que alegam os recorrentes, não decretou a redução do preço (que não lhe foi solicitada).

    A decisão ditada na sentença recorrida foi outra: o M.º Juiz entendeu que “nada permite concluir que o custo da sua eliminação seja claramente inferior ao quantitativo em falta por parte da autora, o julgador deve aceitar que não há, contratualmente – e considerando o carácter sinalagmático do contrato – motivos para declarar a procedência da acção”, e a partir deste raciocínio, com apelo à figura da redução do preço, sem invocar expressamente a equidade Com o devido respeito, temos alguma dificuldade em entender a sentença nesta parte. Com efeito, o M.º Juiz depois de considerar que “nada permite concluir que o custo da eliminação (dos defeitos) seja claramente inferior ao quantitativo em falta por parte da Autora”, acaba por julgar a acção improcedente, aparentemente com base na equidade (sem invocação expressa desta figura), por entender que, face a tal custo (indeterminado), não pode decretar a procedência da pretensão da autora. Em suma, parece considerar que o custo da eliminação dos defeitos coincidirá com o valor em falta (apesar de desconhecer esse custo), fazendo operar a compensação.

    , concluiu que a acção deveria improceder.

    Transcreve-se a decisão nesta parte: «Pungentes, visíveis, incomodativos, os defeitos não impediram a emissão de licença de utilização, baseada num compromisso de honra do técnico responsável, quando, na verdade – e como ocorre sistemática e impunemente em várias obras – são ostensivas as disparidades entre o projectado e o construído, a ponto de quem de direito (a inspecção económica) ter já feito sentir que a construção, como está, nem respeita as exigências legais para o fim a que se destina a obra. Logo, unicamente um caminho se lhe aponta: o da redução do preço. Como estipula o nº 2 do citado artº 1222º, a redução do preço ocorre com referência ao regime estatuído no artº 884º, ou seja, “a redução é feita por meio de avaliação”.

    Nesta avaliação, obviamente, alguns factores essenciais devem ser ponderados: certos defeitos são de muito difícil (e onerosa) reparação. É, claramente, o caso da caixa de retenção de gorduras, do patamar, das paredes interiores, da falta de vigas e de juntas de dilatação, do tratamento anticorrosivo das superfícies metálicas, nomeadamente, na viga de torção do portão de entrada no pavilhão, das redes de esgoto. Estas considerações, indiscutivelmente, ou são evidentes, ou, no dizer do citado artº 264º nº 2 do código de processo civil, são a “consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa”. E, como se verifica do teor do despacho que decidiu a matéria de facto, existe um relatório de defeitos, realizado por pessoa tecnicamente apetrechada e conhecedora dos meandros da obra, que indicia valores que podem ser bem próximos dos aqui pedidos pela autora. É evidente que, sem dúvida, várias vozes sempre se levantariam no sentido de ser bem mais acertado, em termos processuais, suscitar o correspondente incidente, nomear peritos, pagar custas, enfim, gastar mais parte considerável dos valores apurados em diligências judiciais. Não obstante, e porque entendo dever mover-me, também, por critérios de respeito pelos sujeitos processuais e de operacionalidade das decisões, afigura-se-me correcto seguir o seguinte critério: se, provados os defeitos, nada permite concluir que o custo da sua eliminação seja claramente inferior ao quantitativo em falta por parte da autora, o julgador deve aceitar que não há, contratualmente – e considerando o carácter sinalagmático do contrato – motivos para declarar a procedência da acção.

    Assim, a decisão final será no sentido da improcedência da acção…» Poderá legitimamente argumentar-se que, apesar de não se decretar a redução do preço, a conclusão será a mesma, na medida em que, “dispensando” a autora de pagar a parte do preço em falta, o Tribunal de 1.ª instância acaba por reduzir esse preço.

    No entanto, como se disse, a redução do preço não foi expressamente decretada pelo Tribunal recorrido [nem o poderia ser, porque não foi peticionada], tendo antes o M.º Juiz optado por considerar não haver “motivos para declarar a procedência da acção”, por entender que o custo da reparação dos defeitos seria equivalente a essa reparação Apesar de, com manifesta incongruência, começar por admitir desconhecer se existe ou não essa equivalência, afirmando: “nada permite concluir que o custo da sua eliminação seja claramente inferior ao quantitativo em falta por parte da autora.

    .

    Face ao exposto, concluímos que não se verifica a nulidade invocada, sem prejuízo da apreciação do mérito jurídico da decisão, que se fará na parte final da sentença.

  2. Recurso da matéria de facto (…) 4. Fundamentos de facto Face à decisão que antecede, é a seguinte a factualidade relevante provada nestes autos O M.º Juiz especificou com letras maiúsculas cada um dos factos assentes por acordo, integrando na sentença os restantes (decorrentes da decisão...

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