Acórdão nº 9/12.1GCTCS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Julho de 2012

Magistrado ResponsávelISABEL VALONGO
Data da Resolução03 de Julho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I . Relatório.

  1. No Tribunal Judicial de Trancoso, secção única, após julgamento, em processo sumário, com intervenção de tribunal singular, o arguido A..., casado, construtor civil, residente na … , foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º do C.P.., na pena de 3 (três) meses de prisão, substituída por 90 (noventa) horas de Trabalho a Favor da Comunidade, e nos termos do art.º 69.º n.º 1 alínea a) do Código Penal na inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 8 (oito) meses.

    * 2.

    Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença, tendo rematado a respectiva motivação com as seguintes (transcritas) conclusões: 1ª Na sequência da fiscalização para detecção de álcool no sangue, no dia, hora e lugar dos autos, o arguido, conduzindo o veículo 73-48-QB, foi submetido a teste de pesquisa de álcool no sangue, tendo acusado uma da taxa de álcool no sangue (TAS) de 1,31 g/l.

    1. Não se conformando com o resultado da taxa de álcool no sangue (TAS) ( 1,31 g/l.) do exame inicial, o arguido requereu a realização da contraprova, cujo resultado foi de uma TAS de 1,26 g/l, menos elevada do que a primeira.

    2. O Tribunal a quo deu prevalência à TAS resultante da contraprova, ao abrigo do disposto no artigo 1539, n9 6 do Código da Estrada, por sinal mais favorável ao arguido, porém, deveria ter recusado a aplicação desta norma por ter sido declarada inconstitucional.

      4- A norma do artigo 153º, nº 6 do CE foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, na parte em que, a contraprova respeita a crime de condução em estado de embriaguez e seja consubstanciada em exame de pesquisa de álcool no ar expirado, por violação do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 1652 da Constituição da República Portuguesa (Ac. 485/2011, de 19/10/2011, relatado pela Juiz Conselheira Maria Lúcia Amaral, publicada no site do TC).

      5 ª Com efeito, o tribunal constitucional considerou que, está em causa “ a inconstitucionalidade orgânica do nº 6, do art 153º do CE, na medida em que nele se estabelece uma regra imperativa sobre a valoração da prova, regra essa que, constando do regime de fiscalização da condução sob influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas, terá não apenas implicações no domínio-ordenacional ( arts 145º e 146º do CE) mas ainda nos domínios penal e processo penal ( art 292º, nº 1, do Código Penal, domínios esses reservados à competência legislativa da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo (artigo 165-, nº1, alínea c) da CRP) 6ª - Dito isto, o resultado da contraprova, que prevaleceu sobre o resultado do exame inicial, não poder ser valorado por este Tribunal uma vez a norma que o regula padece de inconstitucionalidade orgânica.

    3. Afastado que foi o valor do exame inicial, pelo pedido da contraprova, e não estando apurado o valor desta contraprova, não fica provada a TAS com que o arguido conduzia.

      8a Assim, não se podendo ter por validamente apurada, a taxa concreta de álcool no sangue por g/l, que o arguido apresentava no momento em que foi fiscalizado, e não sendo possível neste momento proceder à repetição da contraprova, o arguido terá de ser absolvido pela prática do crime porque vem acusado.

    4. Não está assim preenchido o elemento objectivo do crime p.e p. pelo artigo 292º, nº 1 do Código Penal que é a condução com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l.

    5. Caso assim não se entenda, o Tribunal a quo errou na escolha e medida da pena porquanto a douta sentença valorizou apenas as exigências de prevenção geral, na escolha da pena, menosprezando a vertente da prevenção especial de socialização.

    6. Com efeito a Justiça não se pode deixar intimidar pelo clamor da rua, inspirado pelo medo ou a insegurança. Sempre que possível deve dar-se ao arguido a possibilidde de uma ressocialização preparada, reconhecendo o valor moral do homem e que a delinquência resulta da fragilidade da condição humana e da imperfeição das sociedades modernas.

    7. O sistema penal deve ser evolutivo, no sentido de responsabilizar o arguido, e não cortar-lhe a esperança de uma nova chance e a sua afirmação como sujeito em toda a linha do processo, mesmo depois da condenação.

    8. Por estas razões, entendemos que ao arguido, apesar de ter sofrido duas condenações anteriores, pelos mesmos factos, nada impede de formular novo juízo de prognose favorável, só porque a pena de multa não surtiu qualquer efeito anteriormente, devendo beneficiar, mais uma vez, de uma pena multa, cuja medida há-de ter tem conta as exigências de prevenção geral e os antecedentes criminais, mas não se esquecendo que o mesmo está social, familiar e profissionalmente inserido.

    9. - Por isso, reputa-se adequada e justa ao caso uma pena de multa, por serem acentuadas as exigências de prevenção geral e especial, fixada no seu valor máximo, à taxa diária mínima, dados os seus parcos rendimentos.

    10. Violou o Tribunal a quo o artigo 153º, nº 6 do Código da Estrada, 292-, nº 1, 40º, 1 e 2, 705 e 715,1 e 2 do CP.

    11. - Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência revogar-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra que absolva o arguido, ou, se assim, não se entender, que lhe aplique uma pena de multa, com o que se fará Justiça.

      * 3.

      O Ministério Público respondeu ao recurso, conclusivamente como infra descrito: “… o que o Ac. do Tribunal Constitucional diz é que é inconstitucional a imposição legal feita no artigo 153.2, nº 6 do C.E. no sentido de que a contraprova, quando realizada em novo aparelho (e não em análises ao sangue) prevalece sempre sobre o exame inicial, precisamente porque a entidade que fez essa norma não tem competência orgânica para tal, por interferir com as normas do Código de Processo Penal. Mas tal Acórdão apenas quer dizer que compete ao tribunal em cada caso em concreto, avaliar qual o exame que vale como meio de prova: se o inicial, se a contraprova, quando realizada através de novo aparelho, consoante, nomeadamente seja mais favorável ao arguido. Ou seja, não significa que a contraprova não seja valida.

      O que não é, é necessariamente prevalecente sobre o exame inicial, tal como o artigo 153.

      º, n.

      º6 do C.E. dizia. Queremos com isto dizer que, este artigo impunha, obrigatoriamente, que o exame da contraprova fosse realizado com novo aparelho, ou fosse realizado por análises ao sangue, prevalecia sempre sobre o exame inicial.

      Todavia, este acórdão veio declarar que quando se trate de contraprova realizado por novo aparelho, este resultado pode não prevalecer sobre o exame inicial”.

      Por conseguinte, nada havendo a acrescentar ao acertadamente fundamentado pelo Tribunal a quo, afigura-se estar a argumentação vertida pelo arguido recorrente, votada ao insucesso.

      - Da medida concreta da pena Ao invés do alegado pelo arguido recorrente, o Tribunal a quo não menosprezou “a vertente da prevenção especial da socialização”, no momento em que decidiu aplicar-lhe uma pena de prisão, embora substituída por trabalho a favor da comunidade.

      No caso presente, não deixando de ponderar todas as circunstâncias relevantes para a boa decisão da causa, o Tribunal a quo optou por aplicar ao arguido recorrente uma pena de prisão por não ter podido olvidar que o mesmo já havia sido condenado, por duas vezes, pela prática dos mesmos factos, e sempre em pena de multa.

      Por isso, o Tribunal a quo não logrou formular um juízo de prognose favorável, no sentido de que a pena de multa surtiria à terceira vez, e ao invés das duas anteriores, um efeito dissuasor da prática de novos crimes, sendo certo que de nada lhe valeram, uma vez que o arguido recorrente preferiu antes pautar a sua conduta pela vontade de voltar a prevaricar e de desafiar a Ordem Jurídica.

      Aliás, pese embora as duas oportunidades concedidas, a tentativa de ressocialização do arguido recorrente, com base na aplicação da pena alternativa de multa, acabou por fracassar, já que o mesmo continuou por prosseguir com a sua actividade delinquente.

      Por outro lado, “reincidir” na aplicação de uma pena de multa ao arguido recorrente equivaleria a enaltecer o sentimento de impunidade que o mesmo tem revelado desenvolver, e de frustrar as expectativas da comunidade jurídica em relação à vigência da norma penal violada, o que levaria isso sim a “menosprezar” as necessidades quer de prevenção especial quer de prevenção geral.

      A decisão recorrida não merece qualquer reparo, devendo assim ser confirmada.

      … deverá ser negado provimento mantendo-se na íntegra a decisão recorrida, fazendo-se desta forma a já acostumada Justiça.” * 4 .

      Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto elaborou parecer, deste teor: «(…).

      concordamos inteiramente com a bem elaborada resposta à motivação do recurso apresentada pelo Ministério Público na 1.

      a instância, a qual, de forma cuidada, analisa as questões suscitadas da motivação do recurso do arguido, e à qual, pouco mais se nos oferecendo aditar-lhe com relevo para a decisão, aqui damos por inteiramente reproduzida.

      A questão principal suscitada tem a ver com a interpretação a dar ao teor do Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 485/11 de 19-10.

      Também é certo que a questão já foi debatida na 1a instância por ter sido desde logo suscitada pelo arguido na sua contestação, tendo o tribunal a quo concluído por uma interpretação diferente daquela que vem apresentada na motivação pelo recorrente. E, parece-nos que o Tribunal recorrido fez a interpretação correcta do alcance da declaração de inconstitucionalidade do art.° 153°, n.° 6 do C. E., sendo que a decisão tomada não se opõe a tal declaração de inconstitucionalidade.

      Desde logo, o citado acórdão ao delimitar a matéria em apreço pelo Tribunal Constitucional refere o seguinte: ‘‘Está em causa (no segmento normativo atrás assinalado) a inconstitucionalidade orgânica do n.° 6 do artigo 153.°. na medida em que...

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