Acórdão nº 762/09.0T2AVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelALBERTO RU
Data da Resolução26 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório.

    1. A Autora, agora recorrida, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, com o fim de obter a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €104.747,56 euros, acrescida de juros de mora à taxa legal comercial, no montante de €71.146,61 euros, contados a partir do dia 20 de Dezembro de 2002 até à instauração da acção, ou apenas a primeira quantia indicada, se se vier a entender que os factos devem ser qualificados juridicamente não como um mútuo, mas como um suprimento à sociedade.

      Referiu, para o efeito, que o seu marido, J (…), quando era sócio e administrador da Ré, emprestou a esta a quantia de 21.000.000$00, para fundo de maneio, que, no entanto, seriam utilizados para suprir dificuldades económicas da sociedade Estaleiros de (...), S. A., da qual a Ré era accionista maioritária e que então passava por dificuldades financeiras.

      Na sequência da separação de pessoas e bens por mútuo consentimento e posterior partilha dos bens do casal, constituído pela Autora e seu marido, o mencionado crédito sobre a Ré foi adjudicado à Autora, a qual enviou à Ré, em 12 de Dezembro de 2002, uma carta registada com aviso de recepção, através da qual lhe solicitou o pagamento do mencionado crédito, mas sem sucesso até ao momento e, daí, o presente pedido.

      A Ré contestou e referiu, em síntese, que a quantia em causa entrou de facto na conta bancária da Ré, mas nunca foi utilizada em seu proveito, mas sim em proveito da empresa E (…), S. A., da qual o marido da Autora, J (…), também era, à época, presidente do conselho de administração.

      Diz ainda que o conselho de administração da Ré não deliberou no sentido de contrair o mencionado empréstimo, razão pela qual impugnou a veracidade do documento junto com a petição inicial relativo ao reconhecimento da dívida por parte dos então administradores da Ré.

      Concluiu pela inexistência do crédito e pela improcedência da acção.

      A Ré replicou para reafirmar que o acordo foi estabelecido entre a Ré e o seu marido e não entre este e os E (…), S. A., tendo a quantia entrado no fundo de maneio da Ré.

      Sendo assim, apenas poderão surgir dúvidas quanto à natureza do contrato celebrado, ou seja, entre ter ocorrido um suprimento ou um empréstimo mercantil, consoante se entenda que a entrega do dinheiro foi feita ou não com carácter de permanência.

      Relativamente à ausência de deliberação da Ré, a Autora argumentou que a deliberação consta do teor do próprio documento que juntou com a petição, o qual, muito embora não seja uma acta do conselho de administração da Ré, contém no entanto, as assinaturas da maioria dos seus membros, não sendo necessário que as deliberações constem formalmente de uma acta para poderem ser invocadas validamente por terceiros.

      Por outro lado, não tendo sido estabelecida qualquer vantagem a favor de J (…), não se tornava necessária qualquer deliberação do conselho de administração para a celebração de contratos entre a Ré e os seus administradores, como resulta do disposto no artigo 397.º, n.º 5, do Código das Sociedades Comerciais, sendo certo que, face ao disposto no artigo 408.º do mesmo código, tendo o contrato sido assinado pela maioria dos seus administradores, sempre vincularia a sociedade.

      O processo seguiu a tramitação prevista na lei de processo e no final foi proferida sentença que condenou a Ré a restituir à Autora a quantia de €104.747,56 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento, tendo-se entendido, em síntese, que houve um contrato de suprimento, mas que a notificação efectuada em Dezembro de 2002 pela Autora à Ré não constituiu forma legalmente válida de interpelação desta última para restituição da quantia mutuada, por ser caso de instauração de acção para fixação judicial de prazo, que, porém, volvida praticamente uma década de recusa de pagamento por parte da Ré, já não faz hoje sentido, o que levou a que o tribunal considerasse vencidos juros de mora apenas a partir da citação para a presente acção e à taxa dos juros legais civis.

    2. O presente recurso respeita a esta decisão.

      A Ré recorre, em resumo, porque, em seu entender, não ocorreu no caso, nem um contrato de suprimento, nem um mútuo entre o marido da Autora e a Ré.

      Sustenta esta afirmação argumentando que o dinheiro, como resulta dos factos provados, não se destinou à Ré, mas sim a pagar salários aos trabalhadores dos E (…) S. A., sendo também certo que o prazo para a devolução do dinheiro foi estipulado em menos de um ano, o que inviabiliza a qualificação do caso como contrato de suprimento.

      Argumenta que na hipótese de ter existido um contrato de suprimento, resulta manifesto da matéria de facto não ter sido fixado um prazo para reembolso, o que implicava a obrigação da Autora ter recorrido previamente a uma acção de fixação judicial de prazo, não bastando uma simples notificação, pelo que, faltando este pressuposto, nunca a Ré poderia ser condenada a restituir à mencionada quantia.

      Face a esta argumentação, a recorrente sustenta que há uma «…contradição notória entre a própria factualidade dada como provada e entre esta e o Direito a que a mesma foi subsumida (contradição entre a fundamentação e a decisão)», situação que implica a reforma da sentença «…por manifesto lapso na qualificação jurídica dos factos e não se ter valorado devidamente os documentos juntos ao autos…» e, se assim não se entender, a sentença «…deve ser revogada, por nulidade, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, al. b) e c) do Código de Processo Civil».

      No que respeita à matéria de facto, com base nos documentos juntos aos autos e nos depoimentos das testemunhas (…) pede a modificação dos quesitos 6.º, 7.º e 8.º da base instrutória, passando a resposta a cada um deles a ser «Provado».

      Em consequência destas alterações ao nível da matéria de facto, a acção deve ser julgada totalmente improcedente por se dever concluir que não estamos perante um contrato de suprimento (artigos 243.º a 245.º do Código das Sociedades Comerciais) nem de um contrato de mútuo.

      A Ré concluiu, então, desta forma: (…) c) A Autora apresentou recurso subordinado.

      Argumenta que lhe são devidos juros desde a data em que notificou a Ré, no ano de 2002, através de carta registada com aviso de recepção, para lhe devolver o dinheiro.

      Sustenta que não carecia de instaurar uma acção para fixação judicial de prazo por se encontrar desde o início acordado que a devolução do dinheiro se faria quando o credor fizesse o respectivo pedido, havendo apenas a respeitar um prazo de 8 dias entre o dia do pedido e o da entrega.

      Diz que o contrato deve ser qualificado como um contrato de suprimento, sendo irrelevante a existência ou ausência de um prazo fixado desde o início para a devolução do dinheiro, relevando, sim, o facto do reembolso não ter sido exigido no prazo de um ano.

      Contesta também que se aplique ao caso o disposto no artigo 245.º do Código das Sociedades Comerciais quanto à obrigatoriedade de instauração de acção para fixação judicial de prazo, pois, como disse, as partes fixaram prazo para a devolução.

      Sustenta ainda que a notificação que fez à Ré constitui forma suficiente para a interpelação, pelo que são devidos juros desde 12 de Dezembro de 2002.

      Concluiu assim: (…) d) Houve contra-alegações de parte a parte.

      1 - A Autora sustenta que não há base para o pedido de reforma da sentença e que esta não padece de nulidade.

      Discorda da pretensão da recorrente quando esta sustenta que a matéria de facto provada é insuficiente para concluir pela existência de um contrato de suprimento, na medida em que resulta claro dos autos que J (…) emprestou o dinheiro à Ré e pretendeu reavê-lo desta, não havendo qualquer violação das normas constantes dos artigos 243.º e 245.º do Código das Sociedades Comerciais e 777.º, n.º 2, do Código Civil.

      Relativamente ao destino do dinheiro argumenta que não há qualquer dúvida que o marido da Autora emprestou o dinheiro à Ré, embora esta o destinasse a pagar salários dos trabalhadores dos Estaleiros de (...), dos quais a Ré era accionista com cerca de 74% das acções, não podendo haver dúvidas de que a Ré está obrigada a devolver à Autora a quantia pedida.

      Como prova para a correcção desta afirmação refere que no processo de insolvência dos E (…)S. A., a Ré reclamou créditos no montante de €77 772,24, à data de 31 de Dezembro de 2001, resultantes do facto dos Estaleiros estarem inibidos de utilizar cheques e do pagamento a fornecedores ter sido feito pela Ré, referindo que não fazia qualquer sentido que o Sr. J (…) emprestasse o dinheiro aos Estaleiros de (...) e não à Ré, quando sabia que aquela empresa estava falida.

      Relativamente ao carácter de «permanência do crédito do sócio», requisito necessário para a existência de uma contrato de suprimento, reafirmou que o que interessa é o que acontece na realidade, isto é, que passe mais de um ano sem que o crédito seja exigido, situação que ocorreu no caso dos autos.

      Rebate a argumentação da Ré quanto à necessidade da Autora ter instaurado uma acção para fixação judicial do prazo, porque no contrato de suprimento foi fixado prazo quando se estipulou que «Mais declara que restituirá tal importância ao referido J (…), quando este solicitar e desde que avisada por escrito, com 8 (oito) dias de antecedência».

      Quanto à alteração da matéria de facto pretendida pela recorrente diz que a maioria das testemunhas se pronunciou no sentido do Sr. J (…) ter emprestado o dinheiro à Ré e esperar que esta lho devolvesse.

      (…) 2 – Contra-alegações da Ré ao recurso subordinado.

      A Ré realça a inexistência de prazo para a restituição da quantia, não constituindo fixação de prazo o teor do texto onde se diz que a Ré se comprometia a restituir a importância assim que lhe fosse solicitado, pois se houvesse um prazo fixado não era necessário a Autora ter remetido a carta registada à Ré a pedir o dinheiro.

      E quanto ao requisito do carácter de «permanência do empréstimo por mais de um ano» para efeitos da...

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