Acórdão nº 3070/09.2TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelCARLOS GIL
Data da Resolução26 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1. Relatório A 28 de Maio de 2009, no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Caminhos de Ferro Portugueses, E.P, interpôs a vertente acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra G(…) - Companhia de Seguros, S.A, presentemente, Companhia de Seguros (…) S.A.

, pedindo a condenação desta no pagamento do montante global de € 520.675,09.

Para fundamentar a sua pretensão condenatória, em síntese, a autora alegou que, no dia 16 de Junho de 2006, ao quilómetro 157,508 da linha do Oeste, no sítio de Picheleiro, freguesia da Barosa, concelho de Leiria, onde existe uma passagem de nível sem guarda, dotada de sinalização automática, pelas 15.02 horas, ocorreu uma colisão entre o comboio nº 6459 e um veículo pesado de mercadorias de matrícula PQ (..), pertencente à sociedade (…), S.A., achando-se transferida para a ré a responsabilidade por danos causados a terceiros emergentes da circulação deste veículo. A rua que atravessa a passagem de nível, à data do sinistro, tinha sinal indicativo da passagem de nível, bem com um sinal que proibia o trânsito a veículos com peso superior a 5,5 toneladas, sendo que o veículo de matrícula PQ (..) era de três rodados e transportava 6254 kgs. de carga, o que determinou a imobilização do veículo em plena via férrea, em virtude do pára-choques traseiro do veículo ter assentado na zona de intercepção da rua com a passagem de nível, assim ocasionando o sinistro. Em consequência da colisão resultaram para a autora danos, nomeadamente: com a deslocação do comboio de socorro para carrilamento, pagou a autora à EMEF a quantia de € 3.280,56 acrescida de IVA à taxa de 21%, num total de € 3.969,48; para reabilitar a UDD 463 a fim de que esta circulasse entre a Figueira da Foz e as oficinas do Porto, despendeu a autora € 228,34; pela reparação efectuada da UDD 463 nas oficinas da EMEF despendeu a autora a quantia de € 198.062,88, aos quais acrescem 21% de IVA; desde a data do acidente e até 12 de Outubro de 2007, quando a automotora 463 ficou totalmente apta para reentrar ao serviço, a autora esteve impossibilitada de a utilizar, o que lhe provocou um prejuízo de € 273.050,49; em consequência dos atrasos de outros comboios que tiveram origem na circunstância da Linha do Oeste ter estado impedida durante 5 horas, a autora suportou prejuízos no montante de € 3.614,22; pagou ao revisor do comboio o valor de diversos objectos pessoais existentes numa pasta que desapareceu quando se verificou o acidente, no montante de € 176,49.

Efectuada a citação da ré, esta contestou impugnando alguns dos factos articulados pela autora, nomeadamente que o sinal de proibição de trânsito a veículos com peso superior a 5,5 toneladas existisse, à data, no local, alegando que, como bem sabe a autora, tal sinal ali foi colocado depois do sinistro e justamente por causa deste, sustentando que a causa do acidente se deveu à forma como se acha implantada a passagem de nível e ao excesso de velocidade do veículo ferroviário, impugnando, ainda, os montantes pretendidos pela autora, a título de indemnização.

Realizou-se audiência preliminar, proferindo-se despacho saneador tabelar por escrito e procedendo-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se a factualidade assente da controvertida, esta última a integrar a base instrutória.

As partes ofereceram as suas provas em prazo que lhes foi concedido, sendo requisitadas as informações solicitadas por ambas as partes e produzidas as provas periciais requeridas pela ré.

A 08 de Setembro de 2011, a autora veio requerer a ampliação do pedido, pretendendo a condenação da ré ao pagamento da quantia global de € 607.797,70, aditando aos valores já mencionados na petição inicial mais € 95.091,13 relativos ao custo de reparação da UDD 463.

A parte contrária opôs-se a esta pretensão por, em seu entender, configurar uma alteração extemporânea do pedido e, à cautela, excepcionou a prescrição da obrigação de indemnizar os montantes ora peticionados pela autora.

A 04 de Outubro de 2011 foi proferido despacho que indeferiu a ampliação do pedido pedida pela autora, vindo esta, em requerimento entrado a 04 de Outubro de 2011, pelas 18h08, responder à excepção de prescrição invocada pela ré, pronunciando-se pela sua inverificação.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento em três sessões gravando-se a prova pessoal aí produzida, em consonância com o requerido por ambas as partes.

Na sessão da audiência de discussão e julgamento realizada a 19 de Outubro de 2011, a autora requereu a ampliação da base instrutória, atento o depoimento prestado pela testemunha (…), no que respeita às causas da imobilização do veículo automóvel na via férrea, requerendo a efectivação de novas diligências probatórias, opondo-se a ré à requerida ampliação da base instrutória.

Na sessão da audiência de discussão e julgamento realizada a 15 de Dezembro de 2011, proferiu-se despacho considerando que a matéria que a autora requereu fosse aditada à base instrutória configurava uma ampliação da causa de pedir, para a qual a ré não deu o seu acordo e referindo, subsidiariamente, não ter sido produzida prova do conhecimento da superveniência subjectiva dos factos que se pretendiam ver incluídos na base instrutória, o que determinou o indeferimento do requerimento da autora para ampliação da base instrutória.

Proferiu-se decisão sobre a matéria de facto e, seguidamente, a 07 de Fevereiro de 2012, elaborou-se sentença que julgou a acção totalmente improcedente e determinou a audição das partes para, querendo, se pronunciarem sobre eventual litigância de má fé da autora.

A autora pronunciou-se pela inverificação dos requisitos para a condenação como litigante de má fé, enquanto a ré sustentou posição inversa e pediu a condenação da autora ao pagamento de indemnização em montante a fixar pelo tribunal.

A 27 de Fevereiro de 2012 foi proferida decisão que condenou a autora como litigante de má fé na multa de quatro unidades de conta.

Inconformada com a sentença, bem como com outras decisões que identifica no recurso, a 12 de Março de 2012, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes prolixas conclusões: (…) A final, a recorrente imputa à sentença recorrida a violação dos artigos “506º al. C) e numero 6, art. 507º, art. 519º, artigo 456º, todos do Código de Processo Civil, bem como os artigos 483º, art. 499º, art. 503º, art. 505º, art. 506º, art. 563º, art. 566º e art. 1305, todos do Código Civil, e ainda o artigo 22º nº 1 do DL 39.780 de 21/08/1954 e por ultimo, o artigo 22º nº 1 e numero 3 al. e) e f) e art. 24º nº 4 al. c), todos do DL 568/99 de 23/12”.

A ré contra-alegou pugnando pela integral confirmação das decisões impugnadas.

Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil 2.1 Da ilegalidade do despacho proferido a 19 de Outubro de 2011 e que indeferiu o requerimento da autora para ampliação da base instrutória; 2.2 Da nulidade processual cometida por não ter sido disponibilizada na plataforma citius a decisão contendo a decisão sobre a matéria de facto; 2.3 Da impugnação da resposta ao artigo 10º da base instrutória; 2.4 Da responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco da segurada da ré; 2.5 Da inverificação dos pressupostos legais para o sancionamento da autora como litigante de má fé.

  1. Fundamentos 3.1 Da ilegalidade do despacho proferido a 19 de Outubro de 2011 e que indeferiu o requerimento da autora para ampliação da base instrutória A recorrente pugna pela revogação do despacho que indeferiu a ampliação da base instrutória por si requerida no dia 15 de Dezembro de 2011, em virtude do depoimento prestado pela testemunha (…) “revelar novos factos constitutivos, modificativos e extintivos do direito da recorrente de elevada importância para a descoberta da verdade quanto à origem da imobilização do veículo segurado pela Recorrida na passagem de nível”.

    A recorrente fundamenta juridicamente a sua pretensão de ampliação da base instrutória no disposto nos artigos “506º, al. C, nº 6, 507º e 519º todos do Código de Processo Civil.

    ” Na decisão recorrida, entendeu-se que a matéria factual que a ora recorrente pretendia ver incluída na base instrutória configurava uma ampliação da causa de pedir, sem acordo da ré e, além disso, que a ora recorrente não curou de demonstrar que só então teve conhecimento da aludida factualidade, tudo a determinar o indeferimento dessa pretensão.

    Cumpre apreciar e decidir.

    De acordo com o princípio do dispositivo incumbe às partes “pedir a resolução do conflito, enunciando-o e elegendo o meio concreto de tutela que pretendem perante a alegada violação do direito, carreando os factos e as provas que reputem adequados e formulando os pedidos correspondentes, incumbindo ainda ao réu fixar os termos e meios da sua defesa, cabendo também às partes a faculdade de pôr termo ao processo antes do julgamento, ou seja, e visto noutra perspectiva, e na pureza do princípio, não é o juiz que, “ex oficio”, tem o poder de iniciar a lide, nem de sugerir ao réu o uso dos meios da sua defesa, nem ainda de impulsionar a prática dos actos que constituem o devir processual”[1].

    O princípio do dispositivo decorre, essencialmente, do disposto no artigo 264º do Código de Processo Civil, embora existam noutras normas processuais manifestações claras deste princípio (veja-se, por exemplo a primeira parte...

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