Acórdão nº 158/11.3PATNV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Junho de 2012
Magistrado Responsável | ALBERTO MIRA |
Data da Resolução | 20 de Junho de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
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Relatório: 1.
No Círculo Judicial de Tomar, após julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, por acórdão datado de 03-02-2012, o arguido A...
, actualmente detido no E.P.R. de Leiria, foi condenado nos seguintes termos: - Como autor material de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. p. pelos arts. 22, n.º 1, 23.º, 73.º, 131.º e 132 n.ºs 1 e 2 al. j), todos do CP, na pena de 7 (sete) anos de prisão; b) A pagar ao demandante civil B... a quantia global de 7. 955,00 € (sete mil novecentos e cinquenta e cinco euros).
* 2.
Inconformado, o arguido/demandado A...interpôs recurso do acórdão, tendo extraído da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª - Por Douto Acórdão proferido em 3 de Fevereiro de 2012, foi o arguido condenado, como autor material de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, n.º l, 23.º, 73.º, 131.º e 132.º, n.ºs l e 2, al. j), todos do C.P., na pena de 7 (sete) anos de prisão.
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- O Tribunal “a quo” não fez uma correcta interpretação dos factos produzidos em audiência de discussão e julgamento.
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- Face à prova factual produzida, o Tribunal “a quo” deveria ter proferido decisão diversa da recorrida.
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- Da análise de todos os depoimentos prestados em audiência, conclui-se que apenas o arguido e o ofendido é que presenciaram os factos.
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- Não existem testemunhas oculares dos factos.
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- As restantes testemunhas apenas chegaram ao local após a ocorrência dos factos.
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- O Tribunal “a quo” não conjugou os depoimentos do arguido e do ofendido com as regras da experiência comum e da lógica, quando o deveria ter feito.
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- Resulta das declarações prestadas pelo arguido (gravadas em áudio, com a duração de 00:48:05 horas, conforme acta de audiência de julgamento de 20 de Dezembro de 2011) que: em primeiro lugar, o mesmo não conhecia o ofendido B...; em segundo lugar, quando entrou na parte comum da garagem nem sequer tinha ainda avistado o ofendido dado a garagem ter uma parte comum e só depois, andando uns metros para dentro, é que se consegue chegar à garagem individual do ofendido; em terceiro lugar, o único objectivo que o arguido tinha era pedir dinheiro para aviar uma receita de medicamentos, e; em quarto lugar, quando já estava envolvido fisicamente com o ofendido, não teve noção das partes do corpo onde o atingiu.
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- O ofendido (declarações gravadas em áudio, com a duração de 00:41:49 horas, conforme acta de audiência de julgamento de 20 de Dezembro de 2011) confirma que não conhecia o arguido, que nunca o havia visto antes.
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- Por outro lado, o ofendido confirma ainda que do portão exterior da garagem que dá acesso à parte comum distam cerca de 8 a 10 metros até à sua garagem individual.
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O ofendido refere ainda no seu depoimento que não há qualquer motivo para tal agressão (declarações gravadas em áudio, com a duração de 00:41:49 horas, conforme acta de audiência de julgamento de 20 de Dezembro de 2011, mais especificamente de 00:09:17 horas a 00:09:26 horas: Juiz Presidente: “Portanto o senhor não encontra explicação nenhuma para isto, não é?” OF: “Se eu o conhecesse ou se ele me conhecesse. Não encontro explicação”).
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- Os depoimentos de ambos apenas divergem no que diz respeito ao modo como as agressões propriamente ditas começaram, sendo certo que foram de parte a parte.
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- Tendo em conta as regras da experiência comum e da lógica, não faz sentido uma pessoa entrar num espaço amplo de uma garagem e sem avistar sequer o ofendido, e ainda sem sequer o conhecer, aproximar-se do mesmo lentamente e sem fazer barulho, e ainda, sem qualquer motivo e sem proferir qualquer palavra, começar a agredir uma pessoa que nem sabia estar ali, ainda por cima com o intuito de o matar.
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- Não se provou a intenção de matar por parte do arguido, condição sine qua non para a sua condenação.
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- O facto de o arguido ter atingido regiões corporais que alojam órgãos vitais e vasos sanguíneos estruturantes do ofendido não prova, por si só, que o arguido quisesse matar o ofendido.
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O Tribunal “a quo” deu como provado que, quanto à intenção de matar, “com a conduta descrita, o arguido tinha de prever que como consequência dos seus actos, poderia tirar a vida do ofendido, bem sabendo que as zonas corporais onde o atingiu alojam órgãos vitais e vasos sanguíneos importantes e que, ao agir do modo descrito, lhe conseguiria vir a provocar a morte (bold nosso).
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- Salvo o devido respeito e melhor opinião, tal não é suficiente para sustentar a condenação por homicídio tentado.
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- A expressão “tinha de prever” é muito relativa, conclusiva e não factual.
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- Em parte alguma dos factos dados como provados pelo douto Tribunal “a quo” se refere que o arguido quis matar o ofendido.
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- O arguido apenas entrou na garagem com o único intuito de pedir dinheiro ao ofendido, o que aliás, resulta das suas declarações (gravadas em áudio, com a duração de 00:48:05 horas, conforme acta de audiência de julgamento de 20 de Dezembro de 2011, mais especificamente de 00:04:04 horas a 00:04:24 horas: Juiz Presidente: “Portanto ouviu barulho e entrou lá dentro. Não tem ali espaço nenhum seu. E com que intenção é que o Sr. lá entrou dentro?” Arguido: “Com a intenção de pedir um devido euro. Podia ser que encontrasse uma pessoa que me compreendesse...”.
Juiz Presidente: “Foi com intenção de ver se arranjava um euro”.
Arguido: “Um euro. Sim. Nada mais que um euro. Era um euro que me faltava para aviar um medicamento”.
….
(E de 00:23:30 horas a 00:24:00 horas): DFO: “Olhe, qual é verdadeiramente a sua intenção quando entrou naquele local?” Arguido: “De pedir. Nunca de tão pouco de ferir alguém de andar à briga com alguém e muito menos de matar. Meu Deus! Isso está fora de questão”.
DFO: “Tem por hábito ou tinha por hábito pedir assim dinheiro às pessoas?” Arguido: “Tinha. Tinha ajuda de muitas pessoas que me ajudavam. Já me conheciam há algum tempo e eu vivia um pouco de caridade”).
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- A testemunha … confirmou, aliás, ser prática habitual do arguido pedir dinheiro às pessoas, dadas as suas necessidades económicas (depoimento gravado em áudio, com a duração de 00:09:11 horas conforme acta de audiência de julgamento de 20 de Dezembro de 2011, mais especificamente de 00:08:12 horas a 00:08:21 horas: Test.
: Sim. Sei que ele pedia por vezes ajudas...
Procurador: Andava a esmolar, era? Test.
: Sim. Pedia, mas de contrário não sei mais nada.”).
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- Ficou provado que o arguido vivia com uma pensão de reforma no valor mensal de 207 euros, que nos dias que correm não dá para quase nada, tanto mais que o mesmo fazia medicação regular.
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- Não se provou assim a intenção de matar e muito menos que o arguido tivesse agido com frieza de ânimo.
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- A frieza de ânimo é, como se refere no douto acórdão recorrido “qualidade do que é moralmente frio, tibieza, indiferentismo, sangue-frio, insensibilidade, indiferença”, significando “uma calma ou imperturbada reflexão no assumir o agente a resolução de matar” (Ac. do STJ de 1-03-1990, BMJ 395-218); 25.ª - “A frieza de ânimo ocorre quando a vontade se revela formada de modo lento, reflexivo, cauteloso, deliberado, calmo na preparação e na execução e persistente na resolução” (Ac. do STJ de 21-05-1997, Proc. n.º 107/97).
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- O arguido não agiu com intenção de matar o ofendido pois não sabe se está alguém dentro da garagem, e nem sequer o conhece.
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- Não reflectiu o arguido sobre os meios empregues nem formou a sua vontade de forma lenta, nem foi reflexivo, cauteloso, calmo na preparação e na execução do crime pois desconhece, em absoluto, o que iria encontrar na garagem.
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- Não agiu o arguido com “evidente sangue frio”, tendo total desconhecimento do que iria encontrar na dita garagem.
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- Não se pretende apenas contrariar a livre convicção do julgador, mas sim mostrar ao Tribunal “ad quem” que, da conjugação das regras da experiência comum e da lógica conjugadas com os depoimentos prestados em sede de julgamento, outra deve ser a decisão proferida.
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- Por outro lado, não podemos esquecer que a cicatriz que o ofendido teve no pescoço, resultante de agressão levada a cabo por parte do arguido, tem a forma de um “Z”.
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- Se o arguido tivesse efectivamente agarrado o ofendido por trás, ao deslocar o seu braço direito da esquerda para a direita no pescoço do ofendido teria que ter feito uma cicatriz em forma de linha recta na horizontal.
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- Conjugando as regras da experiência comum e da lógica, a cicatriz causada pelo arguido no corpo do ofendido só pode ter sido causada pelo modo como o arguido descreveu no seu depoimento, fruto de uma luta entre ambos, encontrando-se ambos de frente um para o outro.
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- O arguido acabou por atingir regiões corporais que alojam órgãos vitais e vasos sanguíneos estruturantes do ofendido sem noção de o ter feito, pois como referiu (declarações gravadas em áudio, com a duração de 00:48:05 horas, conforme acta de audiência de julgamento de 20 de Dezembro de 2011, mais especificamente de 00:29:54 horas a 00:30:00 horas: Arguido: “É quando ele me empurra e eu faço assim, eu não tenho noção ... se apanhasse na cara ou no pescoço...”).
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- Em consequência de todo o exposto, deve o arguido/recorrente ser absolvido da prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, n.º l, 23.º, 73.º, 131.º e 132.º, n.ºs l e 2, al. j), todos do C.P..
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- Por outro lado, deveria o Tribunal “a quo” ter alterado a qualificação jurídica dos factos, nos termos do disposto no art. 358.º, n.ºs 3 e l do C.P.P. e não o fez.
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- Houve lesões recíprocas entre ofendido e arguido.
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- Quanto ao começo das agressões, não se provou quem agrediu primeiro, dado que existem aqui apenas duas versões contraditórias e não existem, como supra se disse, testemunhas oculares dos factos.
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- Admite-se a hipótese de que o arguido devia ter sido julgado e, eventualmente, condenado por um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143.º, n.ºs l e 3...
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