Acórdão nº 123/10.8TAAGN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução20 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório 1.

    No âmbito do processo n.º 10/10.0TAAGN do Tribunal Judicial de Arganil, foi deduzida acusação pública contra o arguido A..., melhor identificado nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de violação de proibições previsto e punido no art. 353.° do CP.

    1. Através de despacho judicial proferido em 30/1/2012, foi rejeitada a acusação deduzida pelo Ministério Público por entender que os factos de que vem acusado o arguido não constituem crime, ao abrigo do disposto no art. 311.º, n.º 2, al. a) e 3, al. d), do Código de Processo Penal, considerando-a pois manifestamente infundada.

    2. Inconformado com o assim decidido, recorreu o Ministério Público, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. No âmbito dos presentes autos, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido imputando-lhe a prática de crime de violação de imposições, proibições e interdições, previsto e punido pelo art. 353º do Código Penal.

    3. O Mmº Juiz a quo decidiu que os factos imputados ao arguido não consubstanciam a prática do crime que lhe fora imputado na acusação deduzida - crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo art.353º do Código Penal - rejeitando a acusação deduzida pelo Ministério Público, por a mesma ser manifestamente infundada.

    4. Conforme V. Exa. já doutamente decidiram que, a al. d) do n.º 3 do artigo 311.

      º do Código de Processo Penal apenas consente a rejeição da acusação se os factos que dela constam não constituírem crime, ou seja, se no estrito quadro dos termos em que foi deduzida a acusação, se verificar, pela leitura dos factos, que os mesmos não conformam a prática de qualquer ilícito penal - in Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/07/2010.

    5. Quanto ao entendimento vertido no douto despacho recorrido relativamente aos factos imputados ao arguido não integrarem a prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo art. 353º do Código Penal, assumimos posição diferente, porquanto entendemos que tais factos integram a prática do referido ilícito criminal.

    6. No caso em apreço, resulta suficientemente indiciado da prova coligida para os autos durante o inquérito que, por sentença transitada em julgado proferida no âmbito do processo nº39/10.8 GBAGN, o arguido foi condenado na pena acessória de conduzir veículos a motor pelo prazo de 7 meses, tendo ficado obrigado a entregar a sua carta de condução no Tribunal ou no Posto da GNR, nos 10 dias seguintes ao trânsito em julgado da sentença que o condenou, o que não cumpriu.

    7. A entrega da carta de condução pelo arguido condenado em pena acessória de proibição de conduzir a fim de iniciar o cumprimento dessa pena, é uma imposição determinada por sentença judicial transitada em julgado, cujo não cumprimento determina a frustração de sanção imposta por sentença criminal, porquanto a pena acessória de proibição de conduzir só se inicia com a entrega da carta de condução.

    8. Considerando-se que a não entrega da carta de condução no prazo estipulado não integra o tipo de ilícito criminal previsto no art. 353º do Código Penal, tal traduzir-se-ia num vazio punitivo para a conduta do arguido que não procedesse à entrega voluntária da sua carta de condução e se visse frustrada a apreensão daquele documento nos termos do artigo 500º, nº 3 do Código de Processo Penal, pois que tal culminaria na ausência de quaisquer consequências para a recusa do arguido em cumprir a pena acessória a que está obrigado.

    9. Em boa verdade, uma vez que o cumprimento da pena acessória só se inicia com a apreensão do título de condução, admitindo-se que a conduta do arguido de não entregar no prazo dos 10 dias a sua carta de condução não integraria o elemento objectivo do tipo de ilícito criminal em investigação, haveria arguidos que, tendo sido condenados na pena acessória de proibição de conduzir, por se furtarem à apreensão policial do título, não mais cumpririam essa pena, havendo outros que obedecendo à ordem legalmente dada pelo Tribunal, sofreriam efectivamente a condenação — Parecer do Ex.mo Sr. Procurador - Geral Adjunto junto do Tribunal da Relação de Coimbra, (in Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/07/2010).

    10. Ora, a eventual recusa de o arguido cumprir com a pena acessória, traduzida na falta da entrega da carta de condução, parece-nos, pois, ser merecedora de suficiente dignidade a valorar em termos penais. É que, assim não sendo, equivaleria a admitir-se a possibilidade de deixar à consideração do arguido a decisão de cumprir ou não com tal pena acessória, ou de cumpri-la apenas quando entendesse. Acreditamos, pois, que tal não seria desejado pelo legislador e daí a nova redacção do art.353º do Código Penal.

    11. Consideramos, pois, que os factos imputados ao arguido consubstanciam a prática do crime de violação de imposições, proibições e interdições, previsto e punido pelo art.353º do Código Penal, pelo que, não deve ser a acusação pública rejeitada com o fundamento que os factos imputados ao arguido não configuram a prática de crime.

    12. Face ao exposto, em nosso entendimento, o despacho ora posto em crise viola o preceituado no art.311º do Código de Processo Penal, pelo que deve ser o mesmo revogado e substituído por outro que, recebendo a acusação pública deduzida contra o arguido designe data para a realização da audiência de discussão e julgamento.

      Nestes termos e nos mais de direito doutamente supríveis, deve o presente recurso proceder, revogando-se o douto despacho recorrido e substituindo-se por outro que receba a acusação deduzida e designe data para a realização da audiência de discussão e julgamento» 4. O arguido não respondeu ao recurso.

    13. Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a este Tribunal.

    14. Na Relação, o Ilustre Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, concluindo que o recurso deve proceder.

    15. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP não foi apresentada resposta.

    16. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

  2. Fundamentação 1. Delimitação do âmbito do recurso Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões da motivação constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª Ed., pág. 335, e Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, pág. 103).

    Assim, no caso concreto a única questão que se impõe decidir traduz-se em saber se o Tribunal a quo, perante a factualidade vertida na acusação, deveria ter realizado o julgamento a fim de apurar se o arguido/recorrido incorrera na prática de um crime de Violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo artigo 353.º do Código Penal.

    1. É esta a decisão recorrida (transcrição): “(…) Autue como processo comum singular.

    * O Tribunal é absolutamente competente.

    * Ao arguido A... é imputada na acusação pública deduzida a fls. 22/23 a prática de factos susceptíveis de integrar o cometimento do crime previsto no artº 353º do Código Penal (crime de violação de imposições, proibições ou interdições), porquanto em síntese útil, o arguido não entregou a carta de condução no prazo de 10 dias conforme lhe foi cominado na sentença, apesar ter sido advertido de que se a não entregasse em tal prazo, poderia incorrer na prática de um crime.

    Todavia, entendemos que tais factos não constituem crime.

    Na verdade, não pode deixar-se de aderir aos fundamentos vertidos no Acórdão da Relação de Coimbra, de 09.11.2011, proc. nº 984/09.3 TAVIS C1, relatora, Desembargadora Maria José Nogueira, in www.dgsi,pt, remetendo-se ainda para a jurisprudência aí citada concordante com a tese de que, conforme nele se sumaria: “ O arguido, pese embora tenha sido notificado, para esse efeito, ao não proceder à entrega da sua carta de condução, no prazo de 10 dias contados do trânsito em julgado da sentença, com vista ao cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados em que foi condenado, não incorreu na prática do crime de Violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo artigo 353º, do Código Penal, já que a sua conduta não representa a violação da concreta proibição de conduzir, a qual apenas se consuma com a realização da conduta de que se está inibido”.

    Com efeito, no aludido aresto diz-se: “Por nos revermos na argumentação aí expendida transcreveremos o que a propósito ficou consignado no acórdão do TRC de 12.05.2010 [ Relator, Desembargador Ribeiro Martins], reproduzido no acórdão do TRC de 06.10.2010 [Relator, Desembargador Orlando Gonçalves], O que a norma do art. 353.º do CP diz é que pratica o crime quem violar as imposições determinadas a título de pena acessória; não diz, imposições processuais decorrentes da aplicação de uma pena acessória. Logo, só pratica o crime de violação de proibições quem puser em causa o conteúdo material da pena acessória: v.g. quem conduzir (art. 69º do CP), quem exercer função (art. 66º do CP) ou quem violar a suspensão do exercício de funções (art. 67º. do CP). Já não pratica o crime quem não cumpre as obrigações processuais decorrentes da aplicação de uma pena acessória: v.g. não entrega a carta de condução, não entrega a cédula profissional, não entrega a arma e carteira identificativa do serviço, estas obrigações processuais (…). E não se pode entender que a obrigação de entrega da carta faz parte do contéudo da própria pena acessória (…) Isto porque o legislador define o conteúdo desta no art. 69/1 do Código Penal. E o princípio da legalidade e da tipicidade da norma penal não deixam espaço para...

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