Acórdão nº 528/11.7TBNZR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução13 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: 1.

A...

, residente na Rua …, T...

, impugnou a decisão proferida pelo Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, que determinou a cassação do título de condução n.º C.º 468098, cujo titular é o arguido, pelo período de 2 anos - pela prática de quatro contra-ordenações, das quais três muito graves e uma grave -, nos termos do disposto nos artigos 169.º, n.º 4 e 148.º, n.º 2, ambos do Código da Estrada, no âmbito do processo autónomo 45/2011.

*2.

Remetidos os autos ao Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da comarca da T..., este determinou o seu envio a juízo, tendo em vista a apreciação do recurso.

*3.

Pela Mm.ª Juíza foi, então, proferido o despacho que consta de fls. 92/93, no qual designou dia para audiência de julgamento.

*4.

Realizado este, por sentença de 7 de Fevereiro de 2012, foi julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido e, em consequência, mantida a decisão administrativa.

*5.

Inconformado, o arguido interpôs recurso, tendo extraído da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª - A douta sentença confundiu a notificação ao recorrente com a própria decisão do Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária considerando a verificação dos pressupostos do art. 58.º do RGCO na decisão quando apenas se encontram na notificação alguns desses pressupostos.

  1. - Deveria ter decidido que não se verificaram os pressupostos de fundamentação da decisão, senão do art. 374.º do C.P.P., pelo menos do art. 58.º do RGCO.

  1. - A notificação entregue ao impugnante, não tem o mínimo de informação que lhe permita exercer o seu direito de defesa em toda a sua plenitude, não tendo qualquer número de processo, não indicando os factos nem a sanção nem o local, tempo e natureza da contra-ordenação, tendo apenas como referência os respectivos números.

  2. - Não indica em concreto elementos suficientes para determinar a competência territorial do Tribunal.

  3. - A douta sentença concluiu que o recorrente foi devidamente notificado, quando de facto se verificou a violação do art. 119.º do C.P.P., por falta de formulação correcta que lhe permitisse tomar posição sobre os factos imputados.

  4. - A douta sentença conclui que a cassação de título de condução é de aplicação automática e sem necessidade de fundamentação ou audição prévia do arguido, interpretando erradamente o art. 148.º, n.º l, do C.E. e 50.º do RGCO.

  5. - A douta sentença embora admita que a decisão da autoridade administrativa deve obedecer aos requisitos enunciados no art. 58.º do RGCO e não ao preceituado no art. 374.º do C.P.P., conclui erradamente que tal foi respeitado.

  6. - A decisão não contém nenhum dos requisitos exigidos, mesmo que apenas fossem os do art. 58.º do diploma citado.

  7. - A autoridade administrativa está sujeita aos mesmos deveres de fundamentação da decisão judicial que também aplica uma coima, o que não fez, primando por completa ausência de fundamentação o despacho proferido.

  8. - A omissão de fundamentação da decisão administrativa deve ser equiparada à falta de fundamentação da sentença, e nessa medida terá de verificar-se a sua nulidade, aplicando-se o regime da nulidade da sentença a que se refere o art. 379.º, do Código de Processo Penal.

  9. - O impugnante não foi constituído arguido em nenhuma fase processual, não podendo ser objecto de nenhuma medida de segurança.

  10. - Apenas conheceu a natureza das transgressões invocadas em audiência de julgamento da impugnação judicial.

  11. - Coarcta irremediavelmente o direito do impugnante ao não lhe permitir conhecer todos os factos que fundamentaram tal decisão de cassação, não podendo sequer arguir eventuais nulidades processuais ou materiais, ou invocar eventual prescrição, violando nomeadamente o art. 50.º do D.L. 433/82, de 27 de Outubro, onde mesmo para aplicação de coima ou sanção acessória impõe que seja facultado ao arguido a possibilidade de, em prazo razoável, se pronunciar sobre o processo e sobre as sanções em que incorre.

  12. - Trata-se de uma decisão sustentada numa verdadeira acusação que não contém a narração, ainda que sintética, dos factos nem das disposições legais aplicáveis, violando o art. 283.º, n.º 3, als. b) e c) do C.P.P.

  13. - Verifica-se a violação directa do estatuído constitucionalmente onde se assegura ao arguido os direitos de audiência e defesa nos processos de contra-ordenação, assim como em quaisquer processos sancionatórios, conforme o art. 32, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa, que aqui se invoca.

  14. - A aplicação de uma medida de segurança, a cassação do título de condução, tem de ponderar, avaliar e ter em conta os factos em concreto, com valoração e avaliação do perigo efectivo ou abstracto que constituem, o que não se fez.

  15. - Não foi ponderada na determinação da medida da pena, o grau de culpa do agente e das exigências da prevenção, conforme aliás determina o artigo 71.º, n.º l, do C.P., nem se existe fundado receio no caso concreto da prática de outros factos da mesma espécie ou se deve ser considerado inapto para a condução de veículo com motor, estabelecendo os critérios dos artigos 101.º e 102.º do C.P..

  16. - A douta sentença interpreta de forma errada ao concluir que a decisão administrativa apenas tem de obedecer aos requisitos do art. 58.º do RGCO quando deveria exigir que a decisão deveria ser sustentada no preceituado no art. 374.º do C.P.P., devendo, por isso, ter considerado nulo todo o processo administrativo.

  17. - As medidas de segurança são poderes atribuídos e inalienáveis dos Tribunais e tal medida só pode ser aplicada por decisão judicial.

  18. - Verifica-se, assim, a violação das garantias constitucionais plasmadas no processo criminal e previstas no art. 32.º da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente nas alíneas 3, 4, 5 ,7 e 10, cuja aplicação directa aqui se invoca.

  19. - O que implica também a declaração de nulidade de todo o processo.

  20. - A norma que atribui a competência ao Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária para decidir sobre a verificação dos respectivos pressupostos e ordenar a cassação do título de condução - art. 169, n.º 4, do Código da Estrada -, na redacção dada pelo D.L. n.º 113/2008 de l de Julho, é materialmente inconstitucional.

  21. - São os Tribunais Judiciais, por força da competência constitucional atribuída e exclusiva, que podem apreciar tais pressupostos e aplicar tal medida de segurança, conforme estatuído no artigo 101.º,102.º e 103.º do Código Penal Português e artigos 27.º, n.º 2 e 202.º da Constituição da República Portuguesa.

  22. - Ao atribuir tal competência ao presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, o artigo 169.º, n.º 4 do Código da Estrada, na redacção dada pelo D.L. n.º 113/2008, de 1 de Julho, está ferido de inconstitucionalidade material.

  23. - A douta sentença deveria ter decidido pela não aplicação das normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.

  24. - O impugnante é pessoa de condução atenta, cuidadosa.

  25. - O impugnante conduz normalmente, de forma a respeitar as normas estradais.

  26. - Necessita da carta para se deslocar para o trabalho e para apoiar a sua família, nomeadamente o seu pai que padece de doença que obriga a vigilância permanente e assistência médica frequente.

  27. - Percorre e já percorreu dezenas de quilómetros em vários tipos de estrada e em diferentes horários e circunstâncias de tráfego automóvel.

  28. - Nunca esteve envolvido em qualquer acidente de viação.

  29. - A sua condução é sempre pautada por extrema atenção e por uma condução defensiva.

  30. - Só em situações extremas, esporádicas e inevitáveis tem uma prática diferente da ora alegada.

  31. - Mesmo nestas situações pondera e pesa a situação de modo a optar pelo risco menor em face das circunstâncias.

  32. - Tem necessidade de continuar a conduzir para poder assegurar a manutenção do seu posto de trabalho e a subsistência do seu agregado familiar.

  33. - A simples ameaça da pena será mais que suficiente para o consciencializar da necessidade de circular dentro dos limites de velocidade legais bem como da necessidade de cumprir com as demais normas estradais.

  34. - A douta sentença ora posta em crise considerou que, embora provados todos os factos alegados, não houve preterição do direito de defesa nem falta de fundamentação da decisão por não ser de aplicar ao caso o estatuído nos artigos 50.º e 58.º do RGCO, do art. 32.º da Constituição da República Portuguesa, 71.º do C.P., art. 283.º, n.º 3, als. b) e c) do C.P.P., artigos 101.º e 102.º do C.P..

  35. - Não considerou também que a norma que atribui a competência ao Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária para decidir sobre a verificação dos respectivos pressupostos e ordenar a cassação do título de condução ,- art. 169.º, n.º 4 do Código da Estrada - na redacção dada pelo D.L. n.º 113/2008, de l de Julho - é materialmente inconstitucional.

  36. - A douta sentença interpretou de forma errada tais preceitos impondo-se, dados os factos provados, uma aplicação das normas citadas no sentido de anular o processo e a decisão administrativa.

  37. - Pelo que deve alterar-se a decisão ora recorrida e ser declarado nulo e de nenhum efeito o processo que sustentou a decisão de aplicar a cassação do título de condução n.º C-468098 de que é titular o impugnante, por desrespeito aos pressupostos estabelecidos tanto na lei processual penal com na Constituição da República Portuguesa ou declarada nula e de nenhum efeito a decisão de cassação do título referido, proferida pelo Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, por omissão de fundamentação da decisão, ou declarada nula e de nenhum efeito por tal decisão ser tomada na sequência de poderes conferidos em violação frontal da Constituição, por sustentada em norma materialmente inconstitucional ao conferir poderes reservados constitucionalmente aos Tribunais Judiciais, ou substituir-se tal medida de cassação por uma outra menos gravosa e suspensa na...

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