Acórdão nº 1502/11.9TBGRD de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Agosto de 2012

Magistrado ResponsávelMOREIRA DO CARMO
Data da Resolução23 de Agosto de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório 1. Na presente acção declarativa de condenação tramitada sob a forma de processo sumário, veio o Autor, J (…), com domicílio na Guarda, pedir a condenação da Ré, Freguesia de Fernão Joanes, no pagamento àquele da quantia de 4.175 €, acrescida do respectivo valor do IVA, de 960,25 €; no pagamento, a título de despesas efectuadas com a elaboração do projecto, da quantia de 1.300 €; e no pagamento de juros de mora vincendos, incidentes sobre as quantias anteriormente referidas, contados desde a data da citação da Ré até integral pagamento e calculados à taxa legal em vigor.

O Autor alegou, em síntese, que, na sua qualidade de engenheiro civil, acordou, em Abril de 2009, com o presidente da Junta de Freguesia da Ré a elaboração de um projecto de melhoria do regadio da referida Freguesia, por forma a permitir a candidatura da mesma ao Programa de Desenvolvimento Rural – Modernização de Regadios Colectivos Tradicionais, sendo que tal trabalho seria pago pela Ré num montante correspondente a 5% do valor total da obra a realizar, metade após a conclusão do referido projecto e respectiva entrega, e a outra metade quando o mesmo projecto obtivesse a comparticipação de fundos comunitários ou públicos. Que o Autor por diversas vezes se deslocou ao local sobre que incidiria o projecto, procedendo a inspecções, tendo, inclusivamente, contratado os serviços de um engenheiro topógrafo para o auxiliar, acontecendo que uma vez elaborado o projecto foi o mesmo enviado, a pedido da Ré, a diversos organismos da Administração do Estado, que emitiram pareceres favoráveis ao projecto apresentado. Que o Autor interpelou a Ré para que procedesse ao pagamento de metade do custo do projecto, ou seja metade de 8.350 €, o que esta não fez.

A Ré contestou referindo que, ao contrário do que é preconizado pelo Autor, foi este que abordou a Junta de Freguesia com vista à realização do projecto, na sequência da disponibilidade manifestada pelo Autor para proceder à elaboração de tal candidatura, na qual era necessário apresentar um projecto técnico. Nessa sequência o presidente da Junta da Freguesia aqui Ré contactou o Autor que se disponibilizou a efectuar o projecto sem qualquer custo para aquela, uma vez que os custos do mesmo e da candidatura seriam suportados pelo financiamento da mesma, condição esta que presidiu à entrega da execução do projecto em causa ao Autor. O pagamento ficou, assim, condicionado à aprovação da candidatura que, contudo, não foi aprovada.

O Autor apresentou resposta, impugnando os factos aduzidos pela Ré, e referindo que não teve qualquer responsabilidade pela não aprovação da candidatura em causa, dizendo que na parte que lhe cabia, correspondente ao projecto técnico, respondeu adequadamente às exigências do mesmo.

Seguidamente, o Tribunal “a quo” suscitou a sua eventual incompetência material para apreciação da questão, tendo as partes sido notificadas para, querendo, se pronunciarem, o que fizeram, pugnando o Autor pela competência do Tribunal, argumentando a Ré em sentido divergente.

* Seguidamente foi proferido despacho saneador, no qual o tribunal “ a quo” se julgou incompetente em razão da matéria e, em consequência, absolveu a Ré, Freguesia de Fernão Joanes, da instância.

* 2. O A. interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões: I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou o Douto Tribunal Judicial da Guarda incompetente, em razão da matéria, e absolveu a ré da instância; II. Salvo o devido respeito, trata-se de uma decisão inaceitável, visto que, no nosso modesto entendimento, é competente o Tribunal Civil, ou seja, o Douto Tribunal Judicial da Guarda; III. Ao contrário do sustentado na douta sentença recorrida, não estamos perante uma relação jurídico-administrativa; IV. O objeto do contrato em causa tem natureza privada; V. Por outro lado, salvo o devido respeito por melhor opinião, o legislador não regulou o contrato celebrado entre o autor e a ré em termos específicos pelo facto de a Administração ser parte; VI. Acresce ainda que também não encontramos no contrato qualquer marca de administratividade, pois que a Junta de Freguesia de Fernão Joanes não goza de quaisquer poderes de autoridade, nem o contrato celebrado com o autor a investiu dos poderes previstos no artigo 180.º do C.P.A.; VII. Com efeito, não é possível encontrar no contrato celebrado qualquer poder da ré para modificar unilateralmente as obrigações do contraente particular; VIII. Além do mais, o autor, na sua condição de particular e para cumprimento das obrigações que para ele resultaram com a celebração do contrato, não ficou sujeito ao poder de direção da Junta de Freguesia de Fernão Joanes; IX. Com efeito, a não atribuição de poderes de direção à ré denota até que o exercício da atividade levada a cabo pelo autor não abrange sequer a satisfação imediata do interesse público; X. Na verdade, apesar de a ré ter como objetivo a melhoria do regadio tradicional da Freguesia de Fernão Joanes, tal fim não é satisfeito de forma imediata, através da celebração do contrato com o autor; XI. Por outro lado, também não se encontra qualquer marca de administratividade quanto à possibilidade de rescisão do contrato pela ré, já que esta apenas o poderia fazer no caso de incumprimento pelo autor, o que, na verdade, não aconteceu; XII. A Junta de Freguesia de Fernão Joanes, aquando da celebração do contrato com o autor, não ficou investida de poderes exorbitantes, pois que o contrato não ficou condicionado à fiscalização da ré, e nem sequer previram qualquer tipo de sanções a aplicar ao autor, no caso de inexecução do contrato; XIII. Em face do exposto, dúvidas não devem restar, quer quanto à impossibilidade da ré exercer os poderes previstos no artigo 180.° do C.P.A., quer quanto ao facto de o contrato não satisfazer, de forma imediata, o interesse público; XIV. Com efeito, não existem quaisquer condições especiais de sujeição do autor ao interesse público; XV. O que justifica até o facto de a douta sentença recorrida não especificar qualquer condição especial que reflita a falta de paridade entre as partes em razão do referido interesse público; XVI. Assim, tendo em conta que não existe qualquer elemento que permita qualificar como público-administrativa a relação contratual estabelecida entre as partes, não poderá ser atribuída...

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