Acórdão nº 1058/09.2TBTMR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelVIRG
Data da Resolução23 de Outubro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NESTA RELAÇÃO DE COIMBRA O SEGUINTE: I – Relatório: Em inventário subsequente ao divórcio e no qual são interessados os ex-cônjuges H (…) e A (…) (sendo este o cabeça de casal), este veio apresentar o requerimento de 17.11.09 dizendo que os únicos bens comuns são móveis e já foram partilhados extraprocessualmente, pelo que não há lugar a inventário.

Em resposta, a interessada H (…) veio dizer a fls. 63 e 64 que, além do mais, faltou relacionar o prédio urbano que identificou. Alegou, designadamente, que foi construída uma casa durante o casamento, mediante empréstimo contraído por ambos os cônjuges, em prédio rústico que fora doado ao cabeça de casal pelos pais dele, tendo a construção da casa de habitação terminado em finais de 1998 e sido inscrita na matriz em 12.01.1999 e tendo sido o armazém construído posteriormente mediante novo empréstimo bancário ao ex-casal. Concluiu que deve o referido imóvel ser relacionado como bem comum e que devem ainda ser relacionados como passivo os dois empréstimos.

Notificado, o cabeça-de-casal veio alegar que o imóvel não constitui um bem comum e, quando muito, corresponderá a benfeitorias feitas no prédio rústico inscrito na matriz sob o art. x...secção P, da freguesia da ..., que foi doado ao cabeça-de-casal no estado de solteiro pelos seus pais (…) cuja aquisição foi registada a seu favor em 19.05.1995 sob o nº y.../110570, inscrição G-3. O cabeça-de-casal aceita que foi contraído um empréstimo no qual figuram ambos como sujeitos passivos, mas refere que é ele quem tem assumido na íntegra o seu pagamento, e aceita também relacionar tal valor como passivo.

A interessada, através de requerimento, veio admitir que o prédio urbano identificou foi construído sobre um imóvel pertencente ao cabeça de casal, embora continue a pugnar pela sua inserção na relação de bens como bem comum, adquirido por acessão.

Foi essa questão decidida por despacho, que concluiu de direito: «sem prejuízo de à relação de bens deverem ser levadas as benfeitorias correspondentes a todas as obras realizadas no prédio, como um direito de crédito (embora descritas na sua materialidade e não apenas pelo seu valor), improcede nesta parte da reclamação de bens, quanto ao dever de relacionar o referido prédio urbano». Depois de no despacho de 05.07.2010 ter decidido que «Uma vez que a interessada reclamante não justificou a reclamação do seu relacionamento apenas neste momento, é a mesma condenada em 2 UCs de multa, nos termos do disposto no artigo 1348.º, n.º 6 do CPC», veio a 1ª instância, no despacho de 24 de Agosto de 2011, a respeito da mesma reclamação, condenar a reclamante novamente «em multa que se fixa em 2 UC».

Inconformada, veio a interessada recorrer de apelação, concluindo a sua alegação: A.- A recorrente vem recorrer dos despachos proferidos pelo Tribunal a quo com a referência 1622983, nos termos e para os efeitos do artigo 691º, n.º2 alínea c) e m), do Código de Processo Civil, B.- O recurso vem interposto da decisão que considerou que as construções edificadas sobre o prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo x..., Secção P, correspondente hoje também à inscrição na matriz do artigo w..., é um bem próprio, pelo facto de a casa terem sido implantadas em terreno que era exclusivamente do cabeça de casal considerando-as benfeitorias efectuadas pelo casal; bem como da decisão que condenou pela segunda vez a apelante em 2 UC.

C.- Decidiu o tribunal a quo, que as construções edificadas sobre o prédio rústico composto por duas parcelas, uma de cultura arvense e outra de olival, com a área de 0.346000 ha, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o nº. y.../110570 – freguesia de ..., Tomar, que adquiriu antes do casamento por doação, é um bem próprio, são benfeitorias efectuadas pelo ex-casal, pelo facto de a casa ter sido implantada em terreno que era exclusivamente do cabeça de casal.

D.- Salvo melhor opinião o Tribunal “a quo” não fez uma correcta interpretação da factualidade carreada já aos autos, tão pouco melhor enquadramento jurídico, senão vejamos… E.- Com efeito se é certo que está provado que ambos os membros do casal contribuíram, quer pela contratação de financiamentos em comum, quer com a colaboração na execução de trabalhos ou de contratação de trabalhadores, não é menos certo que está indiscutivelmente assente que o prédio rústico onde foi construída a moradia e anexo era da exclusiva propriedade do cabeça de casal.

(As “conclusões” F a J limitam-se a transcrever os factos dados como provados e portanto não são verdadeiras conclusões, no sentido do artigo 685º-A/1 e 2 do CPC).

K.- Da factualidade que dispomos, podemos concluir com segurança que antes do casamento de ambos, apenas existia o prédio rústico pertença do cabeça de casal e em 12 de Janeiro de 1999, foi inscrito a casa de habitação, e a sua inscrição na matriz urbana sob o artigo w... da freguesia de ..., Tomar e não descrito na conservatória.

L.- Donde só pode concluir-se que o mesmo foi construído, por ambos, na constância do casamento em terreno próprio do recorrido. Importa saber se o prédio urbano construído pela recorrente e recorrido, na constância do casamento, com trabalho e financiamentos obtidos por ambos é um bem próprio do cônjuge que era dono do terreno ou é um bem comum.

M.- Para que a moradia fosse considerada bem próprio do recorrido, necessário se tornava que a mesma fosse considerada uma benfeitoria do pré-existente prédio rústico ou lhe adviesse por via da acessão, sendo que o art. 1340º do C.C. corresponde com alterações ao art 2306º do Código de 1867.

N.- Ora, critério distintivo deve fundar-se na finalidade e no regime jurídico de ambas as figuras: no caso de simples benfeitorias, atribui a lei ao autor delas um direito de levantamento (ius tollendi) ou um direito de crédito contra o dono da coisa benfeitorizada (CC, artº 1273º), não, porém, um direito de propriedade sobre a coisa, pois a benfeitoria não se destina senão a conservar ou melhorar a coisa, conforme foi amplamente desenvolvido no corpo destas alegações.

O.- No caso de acessão, diversamente, não se trata apenas de conservar ou melhorar uma coisa de outrem, mas de construir uma coisa nova, mediante alteração da substância, é feita, atribuindo, assim, a lei, em certas condições, ao autor da acessão a propriedade da coisa.

P.- Do que acaba de referir-se podemos concluir com segurança que no caso não estamos nem perante uma situação de benfeitoria, nem de acessão.

Q.- Ademais, o próprio dono do terreno participou na construção e o cônjuge não proprietário não desconhecia que o prédio rústico onde estavam a construir a moradia pertencia ao outro cônjuge.

E a construção da moradia e anexo também não podem ser havidas como benfeitorias porquanto estas são apenas as obras ou intervenções que se destinam a conservar ou melhorar a coisa, no caso o prédio rústico e não já as que alteram a sua substância.

R.- Ora a construção duma moradia num prédio rústico, com posterior alteração da sua qualidade de prédio rústico para prédio urbano, altera a substância daquele e portanto não pode ser havida como benfeitoria (Menezes Leitão considerou "artificial" e "forçada" a qualificação da construção de uma casa como benfeitoria, in O Enriquecimento sem causa no Direito Civil –Cadernos de Ciência e Técnica nº 176 , p. 517, nota 68.), e como afirma Oliveira Ascensão (Direitos Reais, 4ª ed., 43), não há prédio urbano sem aderência a uma determinada porção de terreno.

S.- O prédio rústico após a implantação do prédio urbano, perde autonomia, uma vez que a sua função específica foi absorvida no novo conjunto.

T.- Com a construção da moradia o terreno deixou de ter existência jurídica autónoma, tendo ficado integrado no prédio urbano, entretanto constituído e inscrito como tal, passando o terreno e a edificação a formar uma unidade jurídica indivisível - cfr. art. 204º nº 2; U.- Mas ainda que se qualificasse a construção da moradia como uma benfeitoria, nem assim a mesma poderia ser considerada como bem próprio do apelado porquanto como salienta Rita Lobo Xavier no estudo sobre As relações entre o Direito Comum e o direito matrimonial: «as benfeitorias realizadas em bens próprios de cônjuges casados no regime da comunhão de adquiridos devem ser qualificadas como bens comuns, por força do disposto no art.º 1733º n.º 2 do CC. Vejamos agora os factos à luz do direito matrimonial e em particular do regime jurídico da comunhão de adquiridos. De acordo com o artigo 1724.° do Código Civil, fazem parte da comunhão "o produto do trabalho dos cônjuges" e "os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados pela lei», já neste sentido salientam F. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, vol. I., pp. 530 e 545.

V.- Aí se pode ler: "A lei reconheceu expressamente que o valor das benfeitorias úteis realizadas num imóvel próprio, em vez de se integrar no património próprio do cônjuge dono do prédio, é um valor do activo comum" (I. 530).

X.- Na página 527, estes Autores mencionam a situação em que um dos cônjuges realiza melhoramentos em terreno seu com bens que pertencem ao património comum; e aí se diz que "de acordo com a aplicação normal do artigo 1728º - que dispõe que, em geral, os bens adquiridos em virtude da titularidade de bens próprios são também próprios - a mais valia assim obtida pertencerá ao proprietário"...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT