Acórdão nº 3811/09.8TBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução02 de Outubro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

O Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações, declarou, por despacho de 12 de Fevereiro de 2009, publicado no DR, 2ª série, nº 36, de 20 de Fevereiro de 2009, a utilidade pública, com carácter de urgência, do prédio urbano, identificado com o nº 27, localizado em …, matricialmente inscrito sob o artigo …, descrito na conservatória de registo predial daquela cidade sob o nº …, necessária à execução da obra da EN nº 229 – beneficiação entre Sátão (Km 73+450) e Viseu (km 88+600), do qual era arrendatário A….

A expropriante, Estradas de Portugal, SA, e os proprietários da parcela – M…, e cônjuge E…, e V…– declararam, em auto de 27 de Agosto de 2009, acordar na sua expropriação amigável, mediante o pagamento pela primeira aos segundos da quantia de € 51.912,00 e que a indemnização a atribuir ao arrendatário comercial é da responsabilidade da primeira.

O acórdão arbitral computou em € 58.102,09 a indemnização global devida ao arrendatário pela expropriação, correspondente à soma das seguintes parcelas: € 9.098,70, relativa ao diferencial entre a renda actual e a nova renda; € 16 700,00, referente às despesas com a nova instalação; € 25.811,87, atinente aos prejuízos resultantes da paralisação da actividade; e € 6.491,52, respeitante às benfeitorias. No cômputo da indemnização relativa ao diferencial entre a renda actual e a futura, os árbitros ponderaram que “nos termos do artº 113 do DL nº 321-B/90, de 15 de Outubro, o arrendatário tem direito a uma compensação em dinheiro que não poderá exceder 10 vezes a renda anual”, pelo que ao arrendatário “era devida uma indemnização correspondente a dez vezes o diferencial – computado em € 909,87 mensais - entre a renda anual que irá pagar na sua nova instalação e a renda actualmente paga”.

O arrendatário – e só este – impugnou, por via de recurso, para o 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, o acórdão dos árbitros, pedindo que a justa indemnização decorrente da expropriação do direito ao arrendamento em causa fosse fixada em € 159.849,96.

O expropriado – que declarou expressamente aceitar os valores fixados no acórdão arbitral relativos às despesas com a nova instalação - € 16.700; ao prejuízo com a venda antecipada de bens perecíveis - € 1.000,00; aos encargos com pessoal inactivo - € 5.414,24; e à indemnização por benfeitorias – € 6 491,52 – alegou, como fundamento da impugnação, que aquela acórdão enferma, por lapso, de contradição entre as premissas e a conclusão, dado que, depois de enunciar que período temporal a considerar quanto ao diferencial da renda é de 10 vezes a renda anual, reportou os cálculos a 10 meses de renda, pelo que a indemnização devida, a esse título, é de € 109.184,40, que é adequada a ponderação de 10 anos de diferença entre a renda que pagava e a que irá pagar, e que discorda da ponderação de 5 anos de rendimento na fixação do lucro não realizado no período da paralisação, devendo antes ser ponderados os últimos três anos de rendimento – 2006 a 2008 - não se justificando a consideração dos anos de 2004 e 2005, muito anteriores à DUP, que não reflectem as potencialidades existentes nesse momento.

Oferecida a resposta a este recurso, procedeu-se à diligência pericial de avaliação, na sequência da qual foram produzidos dois relatórios: um, subscrito pelos peritos nomeados pelo tribunal e pelo perito indicado pelo expropriado; outro, subscrito singularmente pelo perito designado pela expropriante.

O laudo maioritário computou a indemnização em € 134.045,04, por aplicação dos seguintes parâmetros: € 64.200,00 referente ao diferencial entre a renda actual e a renda futura - € 788,75 – durante o período de 8 anos; € 35.000,00, relativo às despesas de reinstalação e início de actividade; € 10.000,00, atinente às despesas de transferência, e € 24.845,04, referido ao prejuízo com a paralisação da actividade.

O relatório minoritário mensurou aquela indemnização € 57.312,52[1], distribuída pelas parcelas seguintes: € 23.200,00 pelas despesas relativas à nova instalação; € 21.690,00 pelos diferencias da renda actual e da renda futura - € 481,50 - durante 5 anos; € 12.422,52, pela paralisação da actividade.

A sentença final - depois de observar que, no recurso da decisão arbitral, apenas poderão ser apreciados os critérios postos em causa pelo expropriado nas alegações de recurso, considerando-se assentes todos os demais por não constituírem objecto de recurso, que este visava, no tocante à indemnização pelo diferencial da renda, a rectificação do lapso dos árbitros no seu cálculo, que os critérios desse segmento indemnizatório não constituem questão que cumpra apreciar, em função do objecto do recurso, devendo, de igual foram considerar-se aceite que as despesas relativas à nova instalação ascendem a 16.700,00, que as benfeitorias a ressarcir ascendem a 6.491,52, tal como consta do acórdão arbitral que, nessa parte também não é afectada pelo recurso, e que é de acolher o montante indemnizatório apontado naquele acórdão quanto aos prejuízos resultantes da paralisação da actividade, ou seja 25.811,87 – fixou a indemnização em € 158.187,79, actualizar, em cada ano decorrido até à decisão final, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, índice esse publicado pelo INE, nos termos do nº 2 do art. 23 do CE 91, na interpretação dada pelo ac. de fixação de jurisprudência do STJ nº 7/2001, publicado no DR IS-A de 25-10-2001.

É esta sentença que a expropriante impugna por via do recurso ordinário de apelação, no qual pede a sua revogação e se ordene a reapreciação dos critérios plasmados no acórdão arbitral de acordo com a avaliação obrigatória realizada nos autos, ou fixando-se o valor de 14.400,00€ ou 11.760,00€ quanto à compensação devida pela cessação do contrato de arrendamento, sendo que, em qualquer dos casos, a actualização da indemnização final não se fará ano a ano.

A recorrente condensou a sua alegação nas seguintes conclusões: … O recorrido concluiu, na resposta, pela improcedência do recurso.

  1. Factos provados.

    O Tribunal de que provém o recurso julgou provados os seguintes factos: ...

  2. Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    O âmbito do recurso é triplamente delimitado: pelo objecto da acção; pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida; pelo próprio recorrente. Neste último caso, sempre que a parte dispositiva da sentença contenha decisões distintas sobre vários objectos, o recorrente pode restringir o recurso a qualquer delas (artº 684, nº 2, 1ª parte do CPC). Essa restrição pode ser realizada, expressa ou tacitamente, no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

    Nestas condições, tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada e das alegações da recorrente e do recorrido, a questão concreta controversa que constitui o objecto do recurso consiste na determinação do valor da indemnização devida ao recorrido por virtude da extinção, em consequência da expropriação do direito real de propriedade sobre o prédio, do direito que para ele emergia do contrato de arrendamento comercial que tinha por objecto mediato aquele mesmo prédio.

    A resolução deste problema vincula ao exame, ainda que leve, da natureza da decisão arbitral e da eficácia da composição do procedimento expropriativo pelo tribunal arbitral, dos fundamentos finais da indemnização por expropriação, dos parâmetros de cálculo da indemnização respeitante ao arrendamento e, finalmente, do critério de actualização dessa indemnização.

    Um ponto que pode dar-se como líquido e seguro – e até como aceite por todos os intervenientes no procedimento – é o relativo à lei aplicável no tocante à fixação da quantia indemnizatória devida pela expropriação.

    Essa lei é a vigente no momento da publicação do despacho declarativo da utilidade pública da expropriação, in casu, o Código das Expropriações aprovado pelo DL nº 168/99 de 18 de Setembro (CE de 1999)[2].

    E, na verdade, essa seria já a solução aplicável ao problema em face do princípio geral da aplicação das leis no tempo, mas essa é também a doutrina especialmente consagrada naquele mesmo Código[3], ao declarar que o montante da indemnização se calcula com referência à data da declaração de utilidade pública (artºs 12 do Código Civil e 24 nº 1 do CE).

    3.2.

    Natureza da decisão arbitral e eficácia da composição, por essa decisão, da acção de expropriação.

    O procedimento de expropriação decompõe-se em dois subprocedimentos: um de natureza administrativa, constituído por uma constelação de actos que gravitam em torno da declaração de utilidade pública e da decisão dos árbitros, e outro, de natureza judicial, que compreende, fundamentalmente, os actos, das partes e do tribunal, relacionados com a controvérsia sobre o valor da indemnização, cuja competência, talvez com pouca justificação, uma tradição legislativa, atribuiu aos tribunais judiciais.

    Não se trata de uma construção inspirada por qualquer ideia de repartição de poderes ou tarefas. O que está em causa é desenvolver, dentro dos parâmetros constitucionais, uma lógica de funções sensível aos interesses em jogo, à racionalidade e à eficácia.

    No pensamento da lei, a resolução do litígio entre o expropriante e os expropriados é procurada, em primeira instância, pela via da arbitragem. Do acórdão arbitral cabe sempre recurso, com efeito meramente devolutivo, para o tribunal do lugar da situação dos bens ou da sua maior extensão (artº 38 nºs 1 e 3 do CE).

    Mas não deve haver qualquer equívoco quanto à natureza da decisão dos árbitros: esta constitui uma verdadeira decisão judicial[4], proveniente de um verdadeiro tribunal arbitral necessário[5], e a sua impugnação, i.e., o pedido da sua reapreciação dirigido ao tribunal judicial constitui, verdadeira e materialmente, um recurso ordinário: realmente a impugnação do acórdão arbitral outra coisa não é que o pedido...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT