Acórdão nº 314/09.4IDAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelELISA SALES
Data da Resolução24 de Outubro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO No processo comum n.º 314/09.4IDAVR, supra identificado, após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu: 1- Condenar o arguido A...

pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo artigo 105º, n.º 1 a 5 e 7, e artigo 7º, n.º 3, ambos do RGIT, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 10, dispensando-o, porém, de pena, nos termos do artigo 22º, n.º 1 do mesmo diploma; 2- Condenar o arguido A...

pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo artigo 105º, n.º 1 a 5 e 7, e artigo 7º, n.º 3, ambos do RGIT, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 10, o que perfaz o montante de € 1.500, e no caso de não pagamento, em 100 dias de prisão subsidiária; 3- Condenar a arguida “Ww...& ., Lda” pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo artigo 105º, n.ºs 1 a 5 e 7, artigo 7º, ambos do RGIT, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 15, dispensando-a, porém, de pena, nos termos do artigo 22º, n.º 1 do mesmo diploma; 4- Condenar a arguida “Ww...& ., Lda” pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo artigo 105º, n.ºs 1 a 5 e 7, artigo 7º, ambos do RGIT, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 15, o que perfaz o montante de € 2.250.

* Os arguidos discordaram da decisão proferida, e dela interpuseram o presente recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões: A) Dos documentos juntos aos autos e ao depoimento prestado em Audiência de Julgamento pela única testemunha B..., leva-nos a concluir que, salvo melhor e douta opinião, houve erro notório na apreciação e na valoração da prova ou, pelo menos, insuficiência da prova para a decisão da matéria de facto proferida, prova essa que implicava decisão diversa da obtida pelo Tribunal a quo, B) Com efeito, atento o teor dos documentos juntos aos autos pelo Serviço de Finanças de X..., e aos documentos juntos pelos recorrentes, quer com a sua Contestação, quer aquando da realização da Audiência de Julgamento, mais precisamente dos extractos de conta corrente e balancete analítico do cliente "U..." e facturas emitidas pela recorrente àquela firma resulta desde logo que à prestação tributária de IVA referente ao mês de Janeiro de 2010, é devida, em grande parte, de trabalhos efectuados pela recorrente Ww...& ., Lda., à firma U..., Lda., cujo valor total das facturas emitidas pela Recorrente àquela firma em Janeiro de 2010, ascende a € 35.213,78 , com IVA incluído de € 5.868,96 , e não de apenas €32.508,00 como foi julgado provado na Douta Sentença em apreciação.

  1. Do total facturado pela sociedade recorrente à U... em Janeiro de 2010, - € 35.213,78 , com IVA incluído de € 5.868.96 - nada foi pago pela sobredita firma e como tal também não foi recebido pela sociedade recorrente ou seu gerente, quer no período em apreço Janeiro de 2010, quer posteriormente, pelo que também não receberam o IVA de € 5.868,96 inerente às facturas emitidas pela recorrente à U..., Lda.

  2. Assim, excluindo tal montante de € 5.868,96 não foi recebido, inerente às facturas emitidas pela sociedade recorrente à U..., Lda. no período de Janeiro de 2010, ao valor do IVA em falta de que os recorrente foram condenados - € 10.767,45 - resulta que o montante que materializa a prestação recebida pela sociedade recorrente dos clientes e que tinha obrigação de entregar ao Estado é de € 4.898,49 , isto é, inferior a € 7.500, pelo que não está verificado um dos elementos objectivos do crime.

  3. Verifica-se "contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão", vício previsto no artigo 410.°, n.º 2, alínea b), atento a que o Tribunal a quo deu como provado factos incompatíveis entre si, concretamente entre os factos referidos em 6, 7, 8, 10 e 11 e os referidos em 9, 14 e 15.

  4. Os recorrentes liquidaram o IVA referente ao período de Dezembro de 2008, na sua totalidade, em 7 de Dezembro de 2010, encontrando-se assim reposta a verdade sobre a situação tributária em data anterior muito anterior à notificação da Acusação proferida pelo Ministério Público, a qual só foi deduzida em Janeiro de 2011, pelo que no que toca aos crimes de abuso de confiança fiscal inerentes ao período do IVA referente a Dezembro de 2008, sempre deveria ter-se decidido pelo arquivamento do processo, considerando para o efeito que o IVA foi totalmente pago pelos recorrentes quando o processo ainda estava em fase de inquérito, e por se verificarem os pressupostos da dispensa da pena.

  5. A Douta Sentença ora em impugnação é violadora na sua integração jurídico-penal, porquanto, pese embora com a nova redacção do artigo 105° do RGIT - que suprimiu o termo «apropriação» - o tipo de ilícito de que os recorrentes vêm condenados prescindir do elemento de apropriação da prestação tributária, bastando-lhe a mera falta de entrega passados 90 dias sobre o termo do prazo legal da entrega da prestação, exige-se contudo, nos casos em que a prestação tributária pressuponha uma autoliquidação, que quem tenha o dever de entrega, tenha recebido a prestação tributária que é devida (neste sentido, veja-se inequivocamente Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infracções Tributárias, 2a edição, Almedina, IDEF, Coimbra, 2007 p. 168 e a mesma autora (sublinhando a sua posição) em Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Paulo Pitta e Cunha, Almedina, Coimbra, II Volume, 2009, p. 260 e Paulo Marques, Infracções Tributárias, Volume I, Ministério da Finanças e da Administração Pública, Lisboa, 2007 p. 13) e Acórdão da Relação de Coimbra de 15.12.2010, no proc. n.º 24/06.4IDGRD.C1, Acórdão da Relação de Coimbra de 29.02.2012. no proc. n.º 1638/09.6IDLRA.Cl; e Acórdão do STA de 10-12-2008, processo n.º 0579/08, (também no Ac. STA n.º 542/08 da mesma data e na mais recente jurisprudência daquele Tribunal, nomeadamente nos acórdãos de 28/5/2008, 11/2/2009, 2/12/2009 e de 21/4/2010, proferidos nos recursos n.ºs 279/08, 578/08, 887/09 e 85/10) H) Quanto à prestação tributária de IVA referente ao mês de Janeiro de 2010, a mesma resulta, em grande parte, de trabalhos efectuados pela recorrente Ww...& ., Lda., à firma U..., Lda., cujo valor total das facturas emitidas pela Recorrente àquela firma no período em apreço - Janeiro de 2010 -, ascende a € 35.213,78 , com IVA incluído de € 5.868,96 , o qual não foi recebido pela sociedade recorrente ou seu gerente, quer em Janeiro de 2010, quer posteriormente, pelo que também não receberam o IVA de € 5.868,96 inerente àquelas facturas emitidas pela sociedade recorrente à U..., Lda.

  6. Assim, excluindo tal montante de € 5.868,96 não foi recebido, ao valor do IVA em falta de que os recorrente foram condenados - €10.767,45 - resulta que o montante que materializa a prestação recebida pela sociedade recorrente dos clientes e que tinha obrigação de entregar ao Estado é de € 4.898,49 , isto é, inferior a €7.500, pelo que não está verificado um dos elementos objectivos do crime.

  7. Ao decidir nos termos da Douta Sentença em recurso, o Tribunal "a quo" violou o disposto nos artigos 410°, n.º 2, do Código de Processo Penal, art. 105° do RGIT.

TERMOS EM QUE, Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a Douta Sentença recorrida e, em consequência os recorridos absolvidos dos crimes de que vêm condenados.

*Respondeu a Magistrada do MºPº junto do tribunal “a quo” defendendo a improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido, acompanhando a resposta da Magistrada do MP junto do tribunal recorrido.

Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, os arguidos não responderam.

Os autos tiveram os vistos legais.

*** II- FUNDAMENTAÇÃO Da sentença recorrida consta o seguinte (por transcrição): “ II – Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos: 1. A arguida é uma sociedade comercial por quotas e tem por objecto a manutenção industrial – serralharia civil e mecânica, e iniciou a actividade em 28-05-1999.

  1. A empresa arguida encontra-se enquadrada, em sede de IVA, no regime normal, com periodicidade mensal.

  2. O arguido A..., à data dos factos infra descritos, era o único gerente que tomava todas as decisões atinentes à gestão quotidiana da arguida, designadamente, gerir os fluxos financeiros da empresa em termos de pagamentos e recebimentos, tudo em nome e no interesse da empresa arguida.

  3. O arguido, enquanto representante legal, na qualidade de gerente e agindo em nome e no interesse da empresa arguida, remeteu à Direcção de Serviços de Cobrança do IVA, as declarações periódicas, relativa aos meses infra discriminados, sem qualquer meio de entrega da prestação tributária referente ao IVA que lhe era exigível e que foi auto-liquidado pela empresa arguida, tudo conforme resulta do quadro infra: Período --------------------------------------------------------- Valor do IVA Dezembro de 2008 -------------------------------------------------€ 12.867,80 Janeiro de 2010...

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