Acórdão nº 1051/09.5TBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelEM
Data da Resolução09 de Outubro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra A...., Lda, com sede na ..., Viseu, propôs a presente acção declarativa com processo sumário contra B...

, Lda, com sede em ..., Albufeira, e contra o Banco C...

, SA, com sede na rua ..., Porto, pedindo a condenação da primeira ré no pagamento da quantia de € 15 895,25, e a condenação da segunda ré no pagamento da quantia de € 14 801,06, ambas acrescidas de juros moratórios a contar da citação até integral pagamento.

Em abono das suas pretensões alegou que, no exercício da sua actividade comercial, vendeu à primeira ré diverso material; que para pagamento do respectivo preço a primeira ré entregou-lhe 8 cheques; que os cheques, apresentados a pagamento, foram devolvidos com a indicação de “recusado por falta ou vício na formação da vontade”; que a primeira ré deu ordem à segunda ré para não pagar os cheques; que ao aceitar o pedido de revogação, a segunda ré violou a primeira parte do artigo 32º da Lei Uniforme sobre Cheques [LUCH] e tornou-se responsável pelas perdas e danos causados à autora, as quais equivalem ao montante dos cheques, acrescidos das despesas com a sua devolução e dos juros moratórios a contar da citação.

Apenas o C... contestou a acção, concluindo pela improcedência da acção em relação a si. Na sua defesa, alegou que devolveu os cheques de acordo com as instruções da sociedade sacadora e de acordo com as instruções do Banco de Portugal constantes do Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária [SICOI], a que deve obediência; que a falta ou vício de vontade invocada pela sacadora constituía justa causa de revogação do cheque; que em matéria de prejuízos a autora nada alegou em concreto; que aquando da apresentação dos cheques a pagamento a conta sacada não dispunha de fundos para os pagar; que mesmo que os cheques tivessem sido devolvidos por falta de provisão nada garantia que a importância inscrita nos cheques viesse a ser recebida. O processo prosseguiu os seus termos e após a audiência de discussão e julgamento e a resposta à matéria de facto foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção: 1. Condenou a ré B..., Lda a pagar à autora a quantia de € 14.801,06 (catorze mil oitocentos e um euros e seis cêntimos), bem como os juros vencidos à taxa legal, contados sobre cada uma das quantias apostas nos cheques desde a apresentação dos cheques a pagamento, sem ultrapassar os 1 094,19€ (mil e noventa e quatro euros e dezanove cêntimos) peticionados a esse título, e os vincendos até integral pagamento; 2. Absolveu B..., Lda da parte sobrante do pedido de pagamento de juros vencidos, na medida em que sejam inferiores aos peticionados 1 094,19€ (mil e noventa e quatro euros e dezanove cêntimos); 3. Condenou o Banco C..., SA a pagar à autora a quantia de € 14.801,06 (catorze mil oitocentos e um euros e seis cêntimos), bem como os juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Para assim decidir a sentença entendeu, em síntese, que a revogação do cheque pelo subscritor só se justificava se existisse uma justa causa para tanto, considerando-se como tal o furto, o roubo, o extravio, a coacção moral, a incapacidade acidental ou qualquer outra situação em que se manifestasse a falta ou vício na formação da vontade desde que devidamente fundamentados; que a recusa de pagamento dos cheques pelo réu com base na declaração do emitente “falta ou vício na formação da vontade”, não factualmente demonstrada, não constituía causa relevante do seu não pagamento, mas antes uma revogação sem justa causa; que ao recusar o pagamento do cheque o Banco praticou um acto ilícito por violação do disposto no artigo 32º, da Lei Uniforme Sobre Cheques, constituindo-se em responsabilidade civil perante o portador pelos danos que lhe tiverem sido causados; que ao ter recusado o pagamento dos cheques por falta ou vício da vontade e não por falta de provisão, o réu incumpriu a obrigação de notificar o sacador para regularizar a situação nos trinta dias seguintes (depositando as quantias que os cheques titulavam ou entregando-as directamente á autora, nos termos do artigo 1º-A do Decreto-lei n.º 454/91, de 28/12, aditado pelo Decreto-lei n.º 316/97, de 19/11; que o Banco é responsável pelo pagamento dos cheques e pelos juros à taxa legal desde a citação.

O Banco C... não se conformou com a sentença e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo a revogação e a substituição dela por outra que o absolvesse do pedido.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes: 1. O Banco apelante agiu no transe de acordo com a ordem nesse sentido recebida da co-demandada, emitente dos cheques ajuizados, tendo, previamente, questionado a sua gerente sobre a razão de ser da revogação ordenada, que a confirmou.

  1. Não lhe cabendo sindicar as razões que haviam levado a sua cliente a tomar essa iniciativa, que, para mais, se lhe afiguraram aceitáveis.

  2. Os cheques em causa foram apresentados a pagamento em instituição congénere e não lhe foram fisicamente presentes, o que explica que não contivessem, no seu verso, a indicação da razão, concreta, da sua devolução.

  3. O Banco C... agiu na circunstância de acordo com as instruções dimanadas pelo Banco de Portugal e contidas no SICOI, a que deve estrita obediência, como é reconhecido e pacífico.

  4. Logo, não praticou qualquer conduta ilícita, nem agiu com dolo, ou, sequer, culpa.

  5. Na verdade, não faz sentido, nem se compreende e aceita, que uma determinada conduta, por um lado, corresponda ao determinado pelo Banco de Portugal e, por outro, possa a ser/seja rotulada de ilícita e culposa.

  6. Como original e estranhamente entendeu o Magistrado a quo, já que, como é bom de ver, são duas “realidades” opostas e inconciliáveis.

  7. Por outro lado, esses cheques eram pré-datados, o que afastava, de imediato, a possibilidade do seu accionamento por via criminal e eliminava a pressão sobre a devedora que, por essa via, poderia advir.

  8. A conta sobre que foram emitidos não dispunha de provisão para os pagar, aquando da sua sucessiva apresentação a pagamento, ou ulteriormente.

  9. Ao passo que a B... foi, de seguida, declarada insolvente, com imediato encerramento do processo por inexistência de activo susceptível de liquidação.

  10. Inexistindo provisão na conta sobre que os ditos cheques foram emitidos, como está assente, não pode estabelecer-se, nem, em bom rigor, existe, uma relação de causalidade ente a actuação do apelante, dita, injustamente, ilícita e o alegado prejuízo da apelada correspondente ao valor dos cheques.

  11. O que significa que a A... também não demonstrou, como igualmente lhe competia, que a acção do Banco C... tenha sido causa adequada do prejuízo que invoca, e, tão-pouco, que este correspondesse ao montante aposto nos aludidos cheques.

  12. Já que nenhuma prova foi oferecida nesse sentido, como também nada pode garantir (bem pelo contrário …) que, se o apelante tivesse agido de forma diferente, designadamente, devolvendo os cheques em causa por falta de provisão, aquela sociedade seria ressarcida do prejuízo que invoca.

  13. Ou seja, não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil delitual, invocada pela apelada como (propalado) alicerce do seu pedido.

  14. Já que a conduta do Banco C... no transe obedeceu às regras divulgadas pelo Banco de Portugal sobre o tema, ditadas no âmbito do seu poder de supervisão do sistema bancário nacional, logo foi inteiramente lícita e insusceptível de suscitar/provocar qualquer censura ou reserva.

  15. E não produziu, nem podia produzir, os prejuízos que a apelada agora invoca, cuja demonstração lhe cabia e não assegurou, melhor, nem sequer tentou.

  16. Perante o quadro traçado, a condenação do Banco C... no pedido formulado é inteiramente descabida e injusta.

  17. Ao entender de forma diversa, o Magistrado a quo violou o disposto nos artigos 483, 487 e 563 do CC, 25 e 40 da LUC, 11, 3, do DL 361/97, de 19.11. e Anexo à Instrução nº 25/03, de 15.10., do Banco de Portugal (SICOI).

    A autora/apelada respondeu, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

    * As questões suscitadas pelas conclusões do recurso são as seguintes: em primeiro lugar, trata-se de saber se a sentença errou ao decidir que o recorrente, por ter devolvido os cheques por “falta ou vício na formação da vontade”, cometeu um facto ilícito; em segundo trata-se de saber se a sentença errou ao julgar que o Banco era responsável pelo pagamento das quantias indicadas nos cheques.

    Apesar de o recorrente se ter insurgido, no corpo da alegação, contra a resposta negativa dada ao ponto n.º 6 da base instrutória, não constitui questão a resolver por este tribunal a impugnação da decisão proferida sobre o referido ponto da base instrutória. Com efeito, resulta do n.º 3 do artigo 684º do CPC, ao dispor que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, que o objecto do recurso é definido de modo definitivo pelas conclusões. Dado que não figura nas conclusões do presente recurso qualquer menção à decisão proferida sobre o ponto n.º 6 da base instrutória, segue-se daqui que esta decisão está fora do objecto do recurso.

    * Não tendo havido impugnação da decisão de facto e não havendo razões para alterar oficiosamente a matéria assente, consideram-se provados os seguintes factos discriminados na sentença: 1. Os cheques sacados sobre a conta nº 36001890001 do “Banco C..., S.A.”, com data de emissão de 12/09/2008, com o número 2559896309 e com o montante de €...

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