Acórdão nº 912/10.3TAGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução23 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Por despacho proferido nos autos supra identificados, decidiu o tribunal: “A Associação U..., queixou-se contra o Arguido, A......, alegando, em síntese, que, tendo estabelecido negociações com este para a aquisição de um Sousaphone, vulgo "Sacabucha", pagou o respectivo preço por depósito bancário, não tendo recebido, em troca, como impunham os termos negociais, o referido instrumento.

Mais alegou que deixou de conseguir contactar o Arguido ao fim de alguns meses de tentativas e que o mesmo já se encontraria, aquando da celebração do negócio, em situação de pré-insolvência/insolvência e fortemente limitado na sua capacidade de acção.

Por tais factos imputou a Queixosa ao Arguido, na sua queixa, um crime de burla.

Decorrido o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento (fls. 68/73), nos termos do art. 277°, nº 1 do CPP, concluindo que da prova apurada resultou a não verificação, in casu, do crime imputado ao Arguido, porquanto, tendo presente os elementos típicos da burla constantes do art. 217° do CP, aquilo que se apurou remeteu para um puro e simples incumprimento a sancionar no quadro de um mero não cumprimento contratual, sem relevância criminal.

Inconformada com tal desfecho do inquérito veio a Queixosa requerer a sua constituição como Assistente e, concomitantemente, a abertura da fase de instrução com vista à pronúncia do Arguido.

Cumpre apreciar, então, desde logo, a legitimidade da Queixosa para a constituição como Assistente; atento o facto de, pronunciando-se nos autos (fls. 101/102), o Ministério Público ter pugnado pela inadmissibilidade de tal constituição, alegando em síntese, que a Queixosa carecia de legitimidade para se constituir Assistente, atento o facto de, desde logo, não ter sofrido qualquer prejuízo patrimonial com os factos documentados nos autos, uma vez que o pagamento, que determinará o eventual prejuízo, teve por base um cheque sacado sobre a CGD, em nome de ....

Notificado para se pronunciar nos termos do art. 68°, nº 4 do CPP, o Arguido disse nada ter a opor à constituição da Queixosa como Assistente.

* Ponderemos.

A legitimidade para a constituição de Assistente afere-se, logo à partida, pelo estatuído no art. 68°, nº 1, ais. a) e b) do CPP, donde resulta que têm legitimidade para assumir aquele estatuto o ofendido e a pessoa de cuja queixa ou acusação particular dependa o procedimento.

Detalhemos o que vem dito.

De efeito, para se aferir da legitimidade de alguém para se constituir Assistente importa, desde logo, desenvolvendo o que já se escreveu, ter presente que o art. 68°, nº 1, al. a) do CPP define o conceito de ofendido, para efeitos processuais penais, como sendo o titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, explicitando, na al. b) que, naquele âmbito, com a faculdade de se constituir assistente, se inscrevem, também, as pessoas de cuja queixa ou acusação particular dependa o procedimento criminal, assim se fazendo uma directa ligação ao preceituado no art. 113° do CP, que recorta, logo no seu nº 1, o âmbito do titular do direito de queixa, circunscrevendo-o, no que aqui interessa, ao ofendido, tal qual ele é definido nos expostos termos do art. 68° do CPP.

Assim, para a boa decisão da questão agora em apreciação importa analisar, ainda que de forma simplificada, a tipicidade do crime de burla, previsto no art. 217° do CP.

Defendendo, enquanto bem jurídico, o património, o crime em apreço, no que ao tipo objectivo se refere apresenta os seguintes elementos: a intenção do agente obter para si ou para terceiro, um enriquecimento ilegítimo; a utilização pelo agente, como meio, de um erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou; que o erro ou engano determine o sujeito passivo à prática de actos e, por fim, que tais actos causem ao sujeito passivo ou a terceiros, um prejuízo patrimonial (vejam-se, entre outros os Acs. do STJ de 04/06/2003 (proc. n003P1528), de 04/10/2007 (proc. n007P2599, ambos disponíveis in, www.dgsi.pt). e de 02/07/1992 (proc. n042779, citado em Código Penal Anotado, Leal Henriques, Simas Santos, p. 557).

Ainda no âmbito da tipicidade objectiva, o crime de burla pressupõe, como decorre dos elementos elencados, um duplo nexo de imputação que, melhor explicitado, se traduz na circunstância de a conduta astuciosa...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT