Acórdão nº 630/09.5TACNT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA PILAR OLIVEIRA
Data da Resolução23 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório No processo em fase de instrução 630/09.5TACNT do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede, em que A... apresentou queixa porque teria sido alvo de ameaças e tentativa de internamento compulsivo, tendo sido constituídos arguidos B..., C..., D..., E... e F..., findo o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho ordenando o arquivamento dos autos nos termos do artigo 277º, nº 2 do Código de Processo Penal.

A... constituiu-se assistente e requereu a realização de instrução, pretendendo a pronúncia dos arguidos F..., C... e D... a quem imputa a prática de um crime de sequestro na forma tentada p. e p. pelo artigo 158º, nº 2, alínea c) do Código Penal e de um crime de difamação p. e p. pelo artigo 180º do Código Penal.

Por despacho proferido em 8 de Julho de 2011 a Mmª Juiz de Instrução rejeitou o requerimento de instrução por inadmissibilidade legal. Inconformada com o teor de tal despacho, dele recorreu a assistente, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões: 1. Não é exacto que, com vista a obter a pronúncia do arguido pela prática do crime de sequestro previsto e punido pelo artigo 158°, nº 2 do Código Penal em, concurso efectivo com um crime de difamação previsto e punido pelo artigo 180° do mesmo diploma, a assistente se tenha limitado a alegar a matéria dos números 36° a 63° do seu requerimento de abertura de instrução.

  1. Os números 19 a 29, 33 a 38, 48 a 51, 63, 64 e 65 do requerimento de Abertura de Instrução, atrás transcritos, contêm todos os factos que definem o tipo legal do crime de sequestro e o tipo legal do crime de difamação.

  2. Designadamente, estão alegados todos os elementos subjectivos dos referidos crimes.

  3. Ao rejeitar o requerimento de abertura de instrução deduzida pela assistente, o Senhor Juiz Recorrido violou as normas dos artigos 287° e 308° do Código de Processo Penal e 158°, nº 2, alínea c) e 180°, nº 1, ambos do Código Penal.

  4. A correcta interpretação das mencionadas normas impõe a admissão do requerimento de abertura de instrução, ao contrário do que decide o douto despacho recorrido.

    Termos em que o presente recurso deverá ser julgado procedente, revogando-se o douto despacho recorrido e proferindo-se acórdão que julgue admissível o requerimento de abertura de instrução deduzido pela assistente, aqui recorrente, com o que se fará JUSTIÇA.

    Notificado, o Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo o seguinte: 1.ª Vem a assistente recorrer do douto despacho de fls. 496 e seguintes, que decidiu rejeitar, por legalmente inadmissível, o requerimento de abertura de instrução por ela apresentado.

    1. Nos termos do artigo 188.°, n.º 1, do Código Penal, o procedimento criminal pelo crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.°, n.º 1, do Código Penal, depende de acusação particular, o que significa que, como decorre dos artigos 48.° e 50.°, n.º 1, do Código de Processo Penal, para que o procedimento prossiga é necessário que o ofendido, para além de se queixar, se constitua assistente e, findo o inquérito, deduza acusação particular.

    2. Assim, e face à sua natureza de crime particular, a sujeição do arguido a julgamento pelo crime de difamação depende única e exclusivamente (salvo se o arguido requerer abertura de instrução, caso em que, naturalmente, dependerá também de despacho de pronúncia) da iniciativa processual do assistente, traduzida na dedução de acusação particular.

  5. a A falta de notificação do ofendido para se constituir como assistente (no termos dos artigos 246.°, n.º 4, e 68.°, n.º 2, do Código de Processo Penal) ou, findo o inquérito, para deduzir acusação particular (nos termos do artigo 285.°, n.º 1, do Código de Processo Penal), configura uma nulidade dependente de arguição pelo interessado, nos termos do artigo 120.°, n.º 1, e n.º 2, al. d), do Código do Processo Penal, que, sendo tempestivamente arguida e judicialmente reconhecida, implica invalidade do acto e do processado posterior que com ela contender, bem como a repetição do acto nulo (ou seja, a realização das notificações em falta) e do processado subsequente.

  6. a Pelo que, a preterição de tais formalidades não obsta à constituição como assistente, nem à dedução de acusação particular - implicando, sim, que as nulidades sejam arguidas pelo interessado, de modo a ser corrigido o processado, não se podendo suprir a falta desta através da abertura de instrução com vista à pronúncia dos arguidos por crime de natureza particular.

  7. a Assim, estando a sujeição dos arguidos a julgamento pelo crime de difamação dependente apenas do impulso processual da assistente, concretamente da dedução de acusação particular, não podia o requerimento de abertura de instrução ser admitido.

    1. Nos termos dos artigos 287.°, n.º 2, in fine, do Código de Processo Penal, e 283.°, al. b), do mesmo diploma, o requerimento de abertura de instrução deverá conter - sob pena de nulidade, a qual implica a rejeição do respectivo requerimento, nos termos do artigo 287.°, n.º 3, do Código de Processo Penal - "a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança (. . .)".

    2. Compulsado o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente, concretamente a factualidade nela descrita, constata-se que a mesma não imputa aos arguidos factos consubstanciadores do elemento subjectivo do crime de sequestro, pois que dos factos descritos não resulta que os arguidos representaram que, com a conduta descrita, privavam a assistente da sua liberdade, muito menos que quiseram esse resultado (antes aludindo-se a outra intenção, como seja a de que a assistente não se defendesse da acção que contra ela foi proposta), tiveram esse resultado como uma consequência necessária da sua conduta, ou previram e conformaram-se com esse resultado.

  8. a Ademais, na dita factualidade também não são descritos factos no sentido que sabiam e queriam determinar outrem à prática do facto criminoso, não obstante a assistente pretender - tanto quanto se retira das suas alegações de recurso - imputar o crime de sequestro aos arguidos a título de autoria mediata.

  9. a Sendo assim, e porque a matéria de facto constante do requerimento de abertura de instrução é insuficiente no que toca ao preenchimento do crime de sequestro por que a assistente pretende ver os arguidos pronunciados, cremos que andou bem o Tribunal a quo ao rejeitar o requerimento de abertura de instrução.

    Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida.

    Notificados os arguidos, apenas a arguida C... respondeu ao recurso pugnando pela manutenção do despacho recorrido.

    O Mmº Juiz a quo admitiu o recurso interposto não se pronunciando nos termos do artigo 414º, nº 4 do Código de Processo Penal.

    Nesta Relação a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer: No parecer que nos cumpre emitir deixamos exarado que sufragamos a resposta da Magistrada do Ministério Público na 1ª Instância - cfr. fls. 533/541 no sentido de não ser merecedora de reparo a decisão recorrida.

    Assim, em abono da tese expendida, limitamo-nos a citar os ensinamentos jurisprudenciais, sobre a matéria, colhidos nos Acórdãos do STJ, nomeadamente no Acórdão de 07.05.2008, proc. 07P4551, disponível in www.dgsi.pt.

    cujo sumário se transcreve: I - No caso de ter sido proferido despacho de arquivamento, o requerimento de abertura de instrução determinará o objecto desta, definindo o âmbito e os limites da investigação a cargo do juiz de instrução, bem como os da decisão de pronúncia.

    11- Atento o paralelismo que se estabelece entre a acusação e o requerimento para abertura de instrução deduzido pelo assistente na sequência de um despacho de arquivamento, sendo que tal requerimento contém substancialmente uma acusação, deverá o mesmo conter a narração dos factos e indicar as provas a produzir ou a requerer, tal como para a acusação o impõe o art. 283.°, n.º 3, als. b) e d) do CPP.

    III - Na verdade, consubstanciando o requerimento de abertura de instrução uma manifestação de discordância em relação a um despacho de arquivamento, e sendo o essencial da fase de instrução o controlo da acusação - quer tenha sido deduzida pelo MP quer pelo assistente r: a submissão à comprovação judicial só faz sentido com a apresentação de uma narrativa de factos cuja prática é imputada ao arguido, pois a confirmação, o reconhecer-se como bom o requerimento (ou a acusação), terá de passar necessariamente pela aferição de factos concretos da vida real.

    IV - A exigência de rigor na delimitação do objecto do processo - note-se que a exigência feita ao assistente na elaboração do requerimento para abertura de instrução é a...

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