Acórdão nº 1791/08.6TBAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Maio de 2012
Magistrado Responsável | BARATEIRO MARTINS |
Data da Resolução | 29 de Maio de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório A...
, viúva, e F...
, casado, ambos residentes nas ... São Pedro do Sul, intentaram a presente acção ordinária contra C...
, solteira, maior, residente na ..., em Aveiro, e D...
, residente na ..., Ílhavo, inicialmente menor e representado pela mãe (a R. C...), pedindo a anulação da perfilhação, feita por E...
, do réu D... e do averbamento da paternidade ao seu assento de nascimento.
Para o que alegaram, em resumo, que são viúva e filho do falecido E..., tendo na sequência da abertura do seu inventário tomado conhecimento de que ele havia perfilhado o réu D...; perfilhação que, segundo também agora tomaram conhecimento, foi efectuada “sob a ameaça”, feita pela 1.ª R., de informar, caso o falecido E... não perfilhasse o 2.º R., a aqui A. da relação comercial (uma casa de diversão nocturna em Aveiro) que mantinha com a 1.ª R. e bem assim da existência de relações íntimas entre ambos; ameaça que produziu no falecido E... justificado receio de que a sua estabilidade familiar fosse desfeita e a sua honra gravemente atingida, a ponto de, para evitar a sua concretização, ter feito a perfilhação, que nunca revelou à família e amigos.
Os RR. contestaram, negando rotundamente que a perfilhação haja sido precedida de qualquer ameaça, dizendo que foi um acto livre do falecido E..., que sempre aceitou o 2.º R. como seu filho biológico, como efectivamente é; acrescentando que a única ameaça que houve foi feita por parte do falecido, no sentido de evitar que a 1.ª R. revelasse o relacionamento com ele e a existência do 2.º R., a fim de não desestabilizar as relações familiares com os AA. (mesmo assim, porém, muitas pessoas de Pedro do Sul tinham conhecimento da perfilhação do 2.º R.).
Os AA. replicaram mantendo o alegado na PI.
Foi proferido despacho saneador – em que se julgou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa.
Instruído o processo, designou-se dia para audiência e, estando esta já iniciada, o Exmo. Juiz, oficiosamente, “determinou a realização pelo INML de exames genéticos aos AA e aos RR, com vista a apurar se o R. D... é filho do falecido E...”.
Realizado o exame, em que se concluiu que “o pai biológico de F...é excluído da paternidade de D...
”, vieram, então, os AA. com um articulado superveniente, em que invocam que ficaram a perceber, pelo resultado do exame, que o 2.º R. não é filho biológico do falecido E..., o que alegam para ser tomado em conta na causa.
Os RR. opuseram-se à admissibilidade do articulado superveniente.
Após o que o Exmo. Juiz proferiu despacho em que aditou à base instrutória o facto “novo” (“implicitamente” admitindo o articulado superveniente).
Reiniciada e concluída a audiência, o Exmo. Juiz proferiu decisão sobre a matéria de facto e, após, proferiu sentença em que julgou a acção procedente, declarando “impugnada a perfilhação do réu D... por E... e orden[ando] o cancelamento do averbamento da paternidade deste ao assento de nascimento daquele (assento de nascimento n.º 28227 de 2008 do Arquivo Central do Porto) por efeito daquela perfilhação.
” Inconformados com tal decisão, interpuseram os RR., separadamente, recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que julgue a acção totalmente improcedente.
Terminam a sua alegação com as seguintes conclusões: A R. C...: 1-A sentença recorrida, na opinião da apelante, configura erro de julgamento, designadamente no que respeita à resposta e fundamentação dadas ao quesito 21.º da B.I., e na subsequente subsunção ao direito aplicável, de forma a que o assim decidido não corresponde nem à realidade transmitida pelos factos provados, nem à realidade cientifica e, por isso, nem à normativa, não podendo manter-se em vigor na ordem jurídica.
2-Deve por isso, ser alterada a matéria de facto dada como provada, pois é o próprio resultado da perícia feita, que de forma iniludível porque científico, impunha uma decisão contrária à que foi dada ao quesito 21.º da matéria de facto controvertida, em violação do disposto na alínea a) e na b) do n.º 1 do art. 712.º do C.P.C., constituindo este resultado cientifico algo que por si só, impunha decisão diversa da recorrida, insusceptível de ser destruída por quaisquer outra provas.
3-A fundamentação de facto que está na base da sentença recorrida parece que não aceita o resultado da perícia e resolve acrescentar um critério que nem a perícia ponderou nem poderia ponderar de modo algum, para se desviar da correcta e mesmo inquestionável resposta que deveria ter dada ao quesito 21.º em causa que, por isso, não poderia ter senão este conteúdo – Não provado.
4-Foi violado o disposto no artigo 342.º do C.C. pois o tribunal com a interpretação que assim deu ao resultado duma perícia científica como que sancionou o incumprimento do ónus da prova que quanto ao quesito 21.º impendia sobre os AA, que assim ficaram ilegalmente isentos do dever de fornecerem a prova do facto visado nesse quesito e assim se eximiram de sofrer as legais consequências do seu incumprimento.
5-A decisão em causa arrasa por completo a referencia paternal que o filho da apelante sempre teve como certa e inquestionável, apagou do mundo a sua identidade nesse aspecto fundamental da sua existência –a certeza de quem é o seu pai, a de que sempre teve de ser filho de quem se assumiu inequivocamente como tal enquanto foi vivo, ( o falecido E...), -e, 6-Igualmente, quanto à apelante destruiu a sua maternidade, o seu passado, presente e futuro, decretou a eliminação da sua certa identidade como mãe do R D..., afectando nesse processo a sua própria dignidade.
7-São os seguintes, na opinião da recorrente, os elementos fornecidos pelo processo que impunham uma decisão diversa quanto ao mencionado quesito 21, insusceptíveis de serem destruídos por qualquer outra prova: a)-O termo de perfilhação feito pelo falecido E... junto aos autos a folhas dos autos.
b)-O resultado da prova pericial junta a folhas 304 e seguintes dos autos c)-A certidão do Tribunal de Menores do Porto, junta a folhas 275.
d)-Os documentos fotográficos juntos a fls. 143 e 144.
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Os documentos juntos aos autos a fls. 139 a 141.
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O depoimento da testemunha dos AA G..., gravado em CD único junto aos autos, entre as 10.40.43 horas e as 11.15.42 horas.
8-Ou seja, ficou provado que a profunda afeição do falecido E... com a ré C... determinou naquele o dever intimo de acompanhar a recorrente às consultas e exames de ecografias que fez quando estava grávida do filho D..., o que, pensa a recorrente, teria que pressupor como normal ter havido relação sexual reiterada e exclusiva entre ambos, de que resultou essa sua gravidez como consequência do seu relacionamento sexual contínuo e desejado.
9-Não foi demonstrado nos autos ter tido a recorrente qualquer relacionamento com outro homem, além do E..., no período da gestação do seu filho.
10-No ponto 21.º da Base Instrutória questionava-se o seguinte: “ O falecido E... não é o pai biológico do Réu D... ? “ 11-perante esta questão essencial, o relatório pericial não diz em lado nenhum, nem de forma explícita nem tácita, nem de qualquer outra forma, quem é na verdade o pai de um ou de outro, podendo-o ser quer do filho da apelante, o D... ou do F....
12-Face a esta revelação o que o Tribunal a quo fez e fez, foi, depois de reconhecer que afinal a ciência não respondeu à questão do quesito 21.º, interpretá-la de forma desviada de qualquer cientificidade, e que a apelante considera errada: determinar a paternidade a seu modo e “ desprezando “ por um lado a peremptória conclusão cientifica a que tinha lançado mão, socorrendo-se dum novo critério que nem a ciência mas nem sequer a factualidade adquirida como provada nos autos permitia: o critério inaceitável dum alegado mas limitado contexto pessoal dos intervenientes para a determinação desse facto.
13-O relatório pericial não determina qualquer linha de ascendência paternal biológica relativamente a qualquer dos filhos (o F...e o D...), pelo que não foi produzida em julgamento prova adequada que permitisse dar como provado que “O falecido E... não é pai biológico do Réu D....
14-Se está provado, de forma indubitável que o falecido E... mantinha uma relação extra conjugal com a apelante, que se manteve durante anos seguidos, uma relação dessa natureza, com a natural componente afectiva e sexual que constitui o conteúdo normal de qualquer relação de amantes, entre um homem e uma mulher muito mais nova, impunha não se poder classificar, nessa fundamentação de facto, que tudo isso é um sinal de que o filho não foi propriamente desejado nem corresponde a uma manifestação de uma relação sentimental querida.! 15-A prova documental e testemunhal junta aos autos pelos RR desmente por completo essa inocente teoria, designadamente as fotografias de folhas 143 e 144, as facturas de prendas valiosas que o falecido E... deu à apelante, e mesmo o depoimento da testemunha dos A o G..., etc.
16-Como se disse, dos depoimentos prestados pelas testemunhas acima mencionados, conjugados com as regras da experiência comum e a com a inequívoca perfilhação voluntária de D... pelo seu pai E..., resulta como indubitável a existência de relacionamento sexual entre a mãe do recorrente e o falecido E... no período correspondente ao momento em que engravidou de seu filho D..., bastante para se ter que considerar como filho de ambos; 17-A optar-se, como se fez na sentença recorrida, por uma determinação da paternidade biológica em função do critério da vida intima do falecido E..., (passe a incongruência lógico – cientifica deste raciocínio judicial) toda a prova feita teria então que conduzir, por esse critério, à conclusão de que também o filho da apelante só pode ser filho daquele E....
18-Os factos provados quanto ao intimo relacionamento da recorrente com o E..., com notória consumação de actos sexuais com a recorrente, antes...
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