Acórdão nº 96/11.0TAGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução19 de Dezembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – RELATÓRIO: Nestes autos de processo comum que correram termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos: (…) Julgo a acusação procedente e, em consequência, decido:

  1. Condenar o arguido A..., pela prática de um crime de difamação cometido através de meio de comunicação social, p. e p. pelos artigos 180°, n° 1 e 183°, nº 2, do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 10€ (dez euros), o que perfaz o montante global de 2.000,00€ (dois mil euros); e b) Condenar o arguido nas custas do processo (artigo 513° do CPP), fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UCs (artigo 8°, n° 5 do RCP e Tabela III a este anexa) e nos encargos do processo (artigo 514° do CPP).

    * Após trânsito, remeta Boletim ao Registo Criminal.

    Deposite (artigo 372°, n° 5 e 373°, n° 2 do Código Processo Penal).

    * 3.2 - Parte Cível Julgo parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido nestes autos por B... e, em consequência, decido:

  2. Condenar o arguido A... no pagamento ao assistente da quantia de 2.000,OO€ (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a presente data até efectivo e integral pagamento; b) Absolver o arguido A... do restante peticionado; e c) Condenar o arguido e o ofendido nas custas inerentes ao pedido de indemnização civil, na proporção do seu decaimento, nos termos do disposto no artigo 446°, n.? 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 523° do Código de Processo Penal.

    Fixo ao pedido de indemnização civil o valor de 2.000,OO€ (dois mil euros). Notifique.

    (…).

    Inconformado, o arguido interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. Ao contrário do propugnado e prescrito pela sentença ora posta em crise, as expressões proferidas pelo recorrente e que constituem, na sua essência e forma, o objecto mediato dos presentes autos, devem, de uma vez por todas ser reconduzidas a um verdadeiro contexto de confronto político-partidário, isentando, por aí, a conduta do arguido de qualquer tipo de censura penal.

    1. Na verdade, mesmo que seja certo e seguro que tais afirmações podem preencher, em abstracto, um certo conceito de difamação - revestindo, assim, ainda maior gravidade dado o meio de difusão utilizado - o certo é que, olhando não só ao seu momento primordial de produção, bem como ao contexto que lhes deu origem, sempre se deverá, em qualquer caso, fazer notar que ao recorrente outro comportamento não lhe seria exigível.

    2. De resto, tal como resultou provado, é por demais sabido que o recorrente nunca, em momento algum da entrevista em que tais declarações, ditas difamatórias ou injuriosas, foram proferidas, soube e quis referir-se, directamente, à pessoa do assistente; 4. Tendo preferido, outrossim, deixar no ar uma certa insinuação ou inuendo que, em boa verdade, seria sempre de livre interpretação por parte dos receptores dessa mesma mensagem.

    3. Ora, embora seja certo que, de acordo com as regras da experiência comum, o emprego desse estilo de jocosidade facilmente seria facilmente depreendido pelo auditório autárquico - principal interessado em tais notícias -, menos certo não será que tal sempre se deveu a uma primeira acção, legítima, nunca se discutirá, do próprio assistente que, no âmbito do debate de ideias havido em várias sessões da Assembleia Municipal de W..., soube e quis por em causa a genuinidade e o carácter inovador de certa iniciativa da autoria do recorrente; e sempre apoiado por certos elementos que acreditava serem verdadeiros e colocando até de parte outras possíveis causas - que se vieram a verificar - para o aparecimento de um rótulo que atribuía a produção do queijo inserto no Kit de produtos regionais a pessoa com negócio em Castelo Branco e não em W....

    4. Deste modo, haverá sempre que perguntar, em nome do princípio do tratamento mais favorável, se o «desabafo» do recorrente - pessoa que, tal como ficou provado, «ferve em pouca água» e tem «um pavio curto» - foi assim tão descabido ou indesculpável, na certeza de que, em virtude daquela conduta do assistente, viu aquele a sua honorabilidade e dignidade pessoais postas em causa, em muitos dos comentários de blogues locais que se debruçaram sobre tal, diga-se mesmo, «faitdivers».

    5. Embora se possa sempre clamar, diariamente, por uma desejável elevação do debate político, nunca deixará de ser verdadeiro que o mesmo contará sempre com uma certa dose de «cor local» e alguns excessos que, muito antes de poderem ser vistos como tutelados pela acção penal, mais não são do que, muitas vezes, o resultado esperado pela pessoa que, como o assistente, mantém um confronto partidário aberto com outra, no caso, o recorrente.

    6. Nesse mesmo sentido e olhando para todo o contexto circundante, inserto no episódio de que os presentes autos cuidam, até se poderá afirmar, com toda a propriedade, de que estamos perante o recurso à figura da caricatura; se semelhante à realidade, ou dela totalmente afastada e, por aí, censurável, será sempre outra questão - a ser tratada no plano da moral e dos bons costumes políticos, nunca a nível da tutela jurídico-penal.

    7. Até porque a aceitar-se que o presente caso venha a servir, por alguma forma, para o estabelecimento de certas regras de bom senso e de bom gosto - com todos os perigos que tal comporta, ao atentar-se nas notas de regionalismo e especificidade cultural local, que devem, em todos os casos, serem observadas -, passar-se-á a contar com o poder jurisdicional para a densificação de um debate que, até ao presente momento, se revela como pura e naturalmente político-autárquico.

    8. Deste modo, e encontrando-se afinal o recorrente ao abrigo de uma causa de justificação natural - concretizada no desabafo que o mesmo entendeu fazer perante uma situação de crítica e de mal-estar produzido pela primeira acção do assistente (que o. confrontou anteriormente com dados que, veio-se a descobrir, eram falsos) - deveria o mesmo, como deve, ter sido absolvido do crime por quem vem acusado.

    9. O que, por ora, naturalmente se requer.

    10. De qualquer modo e na hipótese, meramente académica, de assim não se entender, logo a medida concreta da sanção penal que lhe foi aplicada, bem como o montante indemnizatório arbitrado, devem ser objecto de uma mais que devida reforma.

    11. Na verdade, ainda será aquele mesmo contexto do caso concreto - de que o julgador nunca se poderá dissociar - que ajudará à tomada de verdadeira consciência acerca das efectivas necessidades de prevenção geral e especial aqui em causa, bem como do real grau de culpa do agente.

    12. Ou seja, ao recordar-se quer todas as notas da personalidade do recorrente, bem como até a sua conduta posterior (ao admitir que as afirmações proferidas eram dirigidas ao assistente e ao reconhecer que se teria excedido com o teor das mesmas - embora nunca tendo, nesse primeiro momento, referido quaisquer nomes) e até o contexto de mal-estar por si - provocado pelos comentários em blogues a que a intervenção do assistente na Assembleia Municipal deu azo - nunca a pena de multa aplicável pela prática de um crime de difamação deveria ter ultrapassado o mínimo legal estabelecido pelo número 2 do artigo 1830 do Código Penal; 15. Devendo, desta feita, e neste momento de reexame da matéria de direito, ser fixada medida concreta de tal pena nos 120 dias, uma vez que tanto ao nível das necessidades de prevenção, geral e especial, quer no toca ao grau de culpa do recorrente, aquela nunca deixará de traduzir o ponto óptimo de encontro entre umas e outro.

    13. Já no que toca ao quantitativo diário de tal pena, também o mesmo deverá ser objecto de uma consciente reforma que leve em linha de conta tudo quanto ficou provado.

    14. Até porque, não se podendo dizer que o recorrente - gestor de empresas, que aufere cerca de 1200 euros mensais, que tem uma filha menor a seu cargo e que paga uma prestação mensal ao banco, devida por conta de um empréstimo, no valor de quinhentos e cinquenta euros - seja um indigente incapaz de suportar, pelo menos o pagamento diário do mínimo legal de cinco euros, o certo é que, tais encargos havidos com a sua vida pessoal e familiar têm de ser levados em efectiva linha de conta, longe de quaisquer moralismos ou de uma perspectiva que apenas se debruce sobre o que se tem, e nunca sobre o que, ao fim do mês e do ano, se deve.

    15. Nesse mesmo sentido, e por se achar mais adequado à realidade económico-social do recorrente, desde já se requer que também o quantitativo diário da pena de multa a aplicar àquele - e apenas no caso da sua não absolvição - se venha a situar num valor nunca superior a 7 (sete) euros diários; 19. Tudo perfazendo assim o montante global de oitocentos e quarenta euros, correspondente a 120 dias de multa à razão diária de sete euros.

    16. Por outro lado, e atendendo, uma vez mais, à circunstância de a conduta do arguido ter sucedido no âmbito de uma luta política que vai mantendo com o recorrido, nunca o grau de culpa daquele, em sede de responsabilidade aquiliana, se pode ter como elevado (valendo aqui todas as considerações precedentes, que foram sendo feitas quer nas presentes conclusões, quer no corpo do recurso).

    17. Melhor dito, nunca os danos supostamente causados na esfera, privada ou pública, do recorrido se podem ter como permanentes e, por aí, a merecer um ressarcimento superior à quantia de setecentos e cinquenta euros; 22. Peticionando-se, em consequência, lá está, a redução do montante arbitrado pelo tribunal recorrido para tal valor.

    18. Em suma, foram violadas, entre outras, e por erro de interpretação e aplicação, as normas dos artigos 1800 nº 1 e 1830 nº 2 do Código Penal e dos artigos 4830 e ss. do Código Civil.

      TERMOS EM QUE: Deve o presente recurso proceder, por provado, e a sentença ora posta em crise ser substituída por acórdão que: i) absolva o recorrente da prática...

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