Acórdão nº 244/10.7JAAVR-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelOLGA MAUR
Data da Resolução19 de Dezembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

1.

Nos presentes autos o Ministério Público requereu o arresto preventivo dos bens da arguida A..., ao abrigo dos art. 228º, nº 1, do C.P.P. e 406º e segs. do C.P.C.

O pedido foi indeferido por falta de prova do pressuposto do fundado receio de perda de garantia patrimonial.

2.

Inconformado, o Ministério Público recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões: «1º O tribunal a quo ao indeferir o arresto preventivo requerido pelo Ministério Público relativamente à arguida A..., não elencou os factos alegados no respectivo requerimento no rol dos factos provados ou não provados, a saber: - no âmbito do inquérito 45/12.8TAMIR, B... declarou que a sua mãe, a aqui arguida A..., na sequência de várias penhoras que incidiram sobre bens propriedade de um seu irmão, "retirou os restantes bens que se encontravam na residência dele, guardando-os no sótão da sua residência"; - a arguida A... escondeu bens do seu irmão para evitar que fossem penhorados e levados em processos judiciais: - esses bens eram em tão grande número que tiveram que ser carregados numa viatura, por duas pessoas.

  1. Estes factos são juridicamente relevantes, na medida em que o art. 406º do CPC não encerra nenhum "numerus clausus" de comportamentos que podem conduzir ao fundado receio de perda de garantia patrimonial: basta qualquer actuação do devedor que "leve uma pessoa de são critério, colocada na posição do credo, a temer a perda da garantia patrimonial do seu crédito".

  2. A omissão terá sido um mero lapso sem consequências substanciais, já que a fundamentação da decisão recorrida revela que o tribunal a quo considerou que o único documento junto com o requerimento não tem virtualidade indiciária, pelo que terá considerado os factos alegados não provados.

    Vejamos então.

  3. O pedido arresto preventivo dos bens da arguida A... fundou-se no pedido de perda de vantagens deduzido com a acusação e nas referidas declarações de B..., filha da arguida A... e que também foi constituída arguida no decurso do presente inquérito.

  4. A douta decisão recorrida indeferiu o pedido de arresto preventivo, em função de considerar não verificado o pressuposto de fundado receio de garantia patrimonial, uma vez que: i) o interrogatório da filha da arguida não tem relevância indiciária, atenta a falta de conexão com o presente processo, a inexistência de outros documentos que provem as penhoras mencionadas pela filha da arguida, e uma vez que tais declarações poderão não passar de uma estória contada para evitar a sua responsabilização criminal em tal inquérito; ii) mesmo que o interrogatório tenha valor indiciário, nada autoriza a que se conclua do mesmo que a arguida tomará a mesma atitude relativamente aos seus bens; iii) e não existe nenhuma indicação de que a arguida tenha começado ou tentado dissipar os seus bens a partir do momento em que se encontra em prisão preventiva 6º Relativamente à primeira objecção do tribunal a quo: Não estando em causa a condenação criminal da declarante ou sequer a aplicação de uma medida de coacção, as objecções levantadas, porque conexas com o estatuto processual do arguido ou com a falta de conexão formal entre inquéritos, não fazem sentido.

    À imagem de qualquer processo cautelar, exige-se apenas a aparência da realidade do direito invocado, a conhecer através de um exame e instrução indiciários ("sumaria cognitio") – art. 384º/1 do CPC ex vis art. 228º/1 do CPP.

    Ora, apesar todas as objecções levantadas pelo tribunal a quo a verdade é que a filha da arguida, com quem esta partilhava a sua vida diária, declarou que a arguida já escondeu muitos bens do irmão para evitar que fossem penhorados, o que só por si é indiciariamente muito concludente.

  5. Relativamente à segunda objecção do tribunal a quo: De acordo com as mais elementares regras de experiência decorrentes da natureza humana: - se a arguida já ajudou um irmão a furtar-se à acção da justiça, ocultando os bens deste, é obvio que a probabilidade do arguida adoptar a mesma atitude no futuro, em seu próprio benefício é muito forte; - e, para além disso, se uma pessoa está disposta a matar testemunhas ou arguidos ou a fugir para o estrangeiro para se furtar à acção de justiça - perigos que fundaram a sua prisão preventiva - muito mais facilmente dissipa ou oculta os seus bens com o mesmo objectivo; 8º Relativamente à terceira objecção do tribunal a quo: Não tendo tais factos sido invocados pelo Ministério Público, bastará repetir que o art. 406º do CPC não prescreve taxativamente os comportamentos que podem levar ao fundado receio de perda de garantia patrimonial.

    9º Ao não dar como provado os factos enumerados em 1º com fundamento na falta de valor indiciário das declarações da filha da arguida, o tribunal a quo fez uma análise desrazoável da prova apresentada e desligada dos outros elementos constantes do processo – art. o 127º do CPP e art. 384º/1 do CPC; 10º e ao considerar que, mesmo a ter valor indiciário, essas declarações não poderiam levar à conclusão da existência de um fundado receio de perda de garantia patrimonial, violou o disposto nos arts. 384º/1 e 406º/1 do CPC, ex vis art. 228º/1 do CPP».

    Termina pedindo a revogação do despacho recorrido e o deferimento do pedido de arresto preventivo.

    3.

    O recurso foi admitido.

    4.

    O Exmº P.G.A. junto desta relação emitiu parecer de concordância com o recurso.

    5.

    Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.

    Realizada a conferência cumpre decidir.

    * * FACTOS PROVADOS 6.

    Dos autos resultam os seguintes elementos, relevantes à decisão: 1º - por despacho de 6-4-2012, tomado na sequência do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, iniciado em 4-4-2012, foi aplicada aos arguidos A..., D…, E... e F... a medida de coação de prisão preventiva e à arguida B... as medidas de coação de proibição de se ausentar do concelho da sua área de residência sem autorização, de proibição de contactar com todas as testemunhas indicadas nos autos e obrigação de apresentação diária no posto policial da sua área de residência, com base nos seguintes factos julgados indiciados: «a) Factos indiciados: 1. A... foi casado com C..., encontrando-se actualmente divorciados, desde já alguns anos; 2. Não obstante o divórcio, o relacionamento entre ambos, antes pautado por episódios de violência doméstica, não pacificou; 3. Sendo agora motivos de desavença, entre outras, questões relacionadas com a partilha dos bens do casal, ainda pendentes; 4. Este mau relacionamento do casal estendeu-se aos três filhos de ambos, designadamente à filha mais nova, B...; 5. Que, após o divórcio, tomaram o partido da mãe, passando a evitar todo o tipo de contactos com C...; 6. Não obstante residirem todos...

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