Acórdão nº 15/12.6PAMGR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA PILAR DE OLIVEIRA
Data da Resolução19 de Dezembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Tribunal da Relação de Coimbra ____________________ 5ª Secção (Criminal) Proc. 92/10.4GAOFR.C1 Pág. 24 I. Relatório No processo sumário 15/12.6PAMGR do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande, mediante acusação pública, o arguido A..., identificado nos autos, foi submetido a julgamento acusado da prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: Pelo exposto julga-se procedente por provada a acusação deduzida pelo Ministério Público, em função do que se decide: » Condenar o arguido A... pela prática de um crime de desobediência, p.p. pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão, a qual substituo por 120 (cento e vinte) horas de trabalho a favor da comunidade.

(…) Inconformado com esta decisão, dela recorreu o arguido A...

, rematando a correspondente motivação com as seguintes conclusões: 1) Dado o carácter subsidiário da incriminação prevista no art. 348.º, n.º 1, al. B) do código penal, a autoridade e o funcionário só podem fazer uma tal cominação quando o comportamento em causa constitua um ilícito previsto pelo legislador para sancionar essa conduta, seja ela de natureza criminal, contraordenacional ou outra [1-9]; 2) No caso dos autos a apreensão do veículo teve por base o disposto no art. 162.º, n.º 1, al. F) do código da estrada, que implica a apreensão do documento de identificação desse veículo e caso o mesmo circule tal corresponde a uma contraordenação sancionada com coima, como decorre do art. 161.º, n.º 7 do código da estrada [10-11]; 3) Por isso não podia o agente da autoridade efetuar tal cominação por a mesma ser ilegal, não se mostrando, por isso, preenchido o crime de desobediência da art. 348.º, n.º 1, al. B) do código penal [12-13].

4) Mediante este ilícito pretende tutelar-se a autonomia intencional do estado, na vertente de subordinação às ordens legalmente emanadas pelas autoridades estaduais ou pelos seus agentes.

5) Trata-se, porém, de um crime com tamanha amplitude que deve ser tendencialmente restringido às situações expressamente previstas num normativo legal, não podendo estar dependente do livre arbítrio de qualquer autoridade ou funcionário, sob pena de tratar-se de uma norma penal em branco de cariz inconstitucional.

6) E isto por violar o princípio da legalidade contido no art. 29.º, n.º 1 da Constituição, segundo o qual "ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior", 7) Também a natureza fragmentária do direito penal e o correspondente princípio de intervenção mínima impõe que essa restrição se restrinja às situações de desobediência legal, na medida em que, segundo o art. 18.º, n.º 2 da constituição "a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos", 8) Daí que as situações integradoras de um crime de desobediência que prescindem de disposição legal cominatória, devem ter sempre subjacente um dever legal relevante, cujo desrespeito seja significativamente desvalioso para os fins visados com a proibição desse incumprimento, de tal modo que se justifique a necessária cominação funcional prevista na al. B), do n.º 2 do art. 348.º.

9) Na verdade, apesar de haver quem entendesse que a conduta do arguido seria subsumível à previsão do artigo 22º, nº 2, do decreto-lei nº 54/75, de 12/02, o certo é que, com a recente publicação do acórdão de fixação de jurisprudência nº 5/2009 (publicado no dr nº 55, 1 ª série a, de 19.03.2009), ficou clarificado que «o depositário que faça transitar na via pública um veículo automóvel apreendido por falta de seguro obrigatório comete, verificados os respetivos elementos constitutivos, o crime de desobediência simples do artigo 348º, nº 1, alínea b), do código penal e não o crime de desobediência qualificada do art. 22º, nºs 1 e 2, do decreto-lei nº 54/75, de 12 de fevereiro.» 10) Note-se que este acórdão apenas afirmou que o depositário que faça transitar na via pública um veículo automóvel apreendido por falta de seguro obrigatório não comete em caso algum um crime de desobediência qualificada, não tomando posição quanto à efetiva verificação, ou não, dos elementos constitutivos do crime de desobediência simples.

11) Importa, por isso, averiguar se a apurada conduta do arguido integra a previsão da alínea b) do n.º 1 do art. 348º do código penal.

12) Ora, apesar de não se discutir a legalidade da ordem e a legitimidade da autoridade que a proferiu (pois a falta de seguro constitui contraordenação, devendo o veículo ser apreendido pelas autoridades de fiscalização ou seus agentes quando transite sem que tenha sido efetuado o seguro de responsabilidade civil nos termos da lei - cfr. Art.s 150º, nºs 1 e 2, e 162º, nº 1, al. F), do código da estrada, na redação introduzida pelo decreto-lei nº 44/2005, de 23/02), bem como a regularidade da comunicação, o certo é que, existindo ilícito próprio no qual se subsume a conduta do agente que não respeite a proibição de conduzir um veículo apreendido por falta de seguro obrigatório (cf. Art. 161 º, nº 7, do código da estrada), considera-se que a autoridade policial não podia cominar com o crime de desobediência o desrespeito pela ordem dada.

13) Ora, Tendo a apreensão do veículo, no caso concreto, tido por base o disposto na alínea f), do n.º 1, do artigo 162º, do Código da Estrada, e implicando ela, de acordo com a alínea e), do n.º 1, do artigo 161º, do mesmo diploma, a apreensão do documento de identificação do automóvel, a condução do veículo nessa situação constitui, apenas, contraordenação e é sancionada com uma coima de €300 a €1500 (n.º 7 do artigo 161º, do código da estrada, na redação anterior ao decreto-lei n.º 113/2009, de 18 de maio) e que, por isso, dado o carácter subsidiário da incriminação do artigo 348º, n.º 1, alínea b) (apenas para os casos em que nenhuma norma jurídica, seja qual for a sua natureza, prevê um comportamento desobediente), como no caso dos autos não podia o agente da autoridade efetuar a cominação do crime de desobediência.

14) Dispõe, por sua vez, o artigo 150º, n.º 1, do código da estrada: «1. Os veículos a motor e seus reboques só podem transitar na via pública desde que seja efetuado, nos termos de legislação especial, seguro de responsabilidade civil que possa resultar da sua utilização,» A violação de tal comando constitui contraordenação, sancionada com coima, nos termos do n.º2 do mesmo artigo.

15) Por sua vez, estabelece o artigo 162.º, n.º 1, alínea t), do código da estrada, sob a epígrafe «apreensão de veículos»: «1. O veículo deve ser apreendido pelas autoridades de investigação criminal ou de fiscalização ou seus agentes quando: ( ... ) t) Não tenha sido efectuado seguro de responsabilidade civil nos termos da lei;» 16) Verificado tal condicionalismo, devem ser os documentos do veículo (de identificação e respeitantes à circulação), igualmente, apreendidos [cf Artigo 161.º, n.º 1, al. E) e 2, do código da estrada].

17) Finalmente, de harmonia com o n.º 7 do artigo 161.º, do código da estrada, na redação anterior ao decreto-lei n.º 113/2009, de 18 de maio, quem conduzir veículo cujo documento de identificação tenha sido apreendido é sancionado com coima de €300 a e1500. Com as alterações introduzidas por aquele decreto-lei, o anterior n.º7 passou a n.º8, mantendo-se a redação.

18) Não é, porém, isso que acontece uma vez que, dado o carácter subsidiário desta incriminação, a autoridade ou o funcionário só podem fazer uma tal cominação quando o comportamento em causa não constitua um ilícito previsto pelo legislador para sancionar essa mesma conduta, seja ele de natureza criminal, contraordenacional ou outra.

19) Entendeu, ainda, o Tribunal a quo que para aplicação da medida concreta da pena, o arguido "releva acentuada dificuldade de interiorização da especial valência axiológica do bem tutelado através do comando penal desatendido" 20) Ainda que considerado dolo direto intencional, devia ter-se atendido, na douta sentença, ao facto de que "a realização típica não constituiu fim ultimo, o móbil da atuação do agente, e sim o pressuposto ou estádio intermédio necessário do seu conseguimento" (in. Figueiredo Dias, in Questões Fundamentais. A Doutrina do Crime, 1996), 21) Tendo neste caso que relevar a motivação do agente/arguido para efeitos de culpa e/ou medida da pena, não se devendo presumir, como se fez na sentença ora recorrida, que o arguido manifestou "uma plena consciência dos perigos advenientes da sua apurada conduta", até porque 22) Não resulta dos autos qualquer prova sobre a existência de quaisquer perigos ou mesmo a intenção de os causar.

23) Tratou-se, isso sim, de uma manifesta urgência de realização de dinheiro para conseguir suprir algumas das muitas dificuldades económicas que já há largos meses o arguido vem a experienciar.

24) É nosso entendimento que o arguido não manifestou nos autos quaisquer sinais de plena consciência dos perigos advenientes da sua apurada conduta.

25) O arguido não detinha, naquele momento, a plena consciência dos perigos que poderia provocar com aquela atuação, até porque nada decorre dos autos, que nos faça crer o contrário.

26) Tratam-se, necessariamente, de ilações aferidas pelo Tribunal a quo sem, contudo, existir qualquer prova carreada nos autos que permitam tais conclusões.

27) O Tribunal a quo não poderia, também, ter concluído que o arguido ao praticar aquele ato demonstrou que a sua passagem pelo Tribunal, durante as três acusações supra referidas, tratou-se de algo que não ficou "vivo" dentro da sua consciência pois 28) Deveria, no entendimento do arguido, ter o Tribunal a quo optado...

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