Acórdão nº 820/10.8T2AVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Dezembro de 2012
Magistrado Responsável | MARIA CATARINA GON |
Data da Resolução | 05 de Dezembro de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.
A...
, melhor identificado nos autos, intentou acção, com processo ordinário, contra Imobiliária B..., Ldª, melhor identificada nos autos, alegando, em suma, que: Mediante contrato escrito de arrendamento, celebrado em 02/09/1970, a Ré cedeu ao Autor o gozo do rés-do-chão do lado direito (duas divisões) do prédio que identifica, com destino ao exercício de comércio; no dia 02/10/2003, ocorreu um incêndio no 1º andar do referido prédio, o qual determinou a sua destruição parcial; tendo saído temporariamente do arrendado e aguardando as obras de reparação, recebeu comunicação da Ré a informar que o contrato havia terminado por caducidade, em virtude de o incêndio ter destruído a loja comercial; tal incêndio decorreu por falta de obras de conservação ordinária e extraordinária que deveriam ser executadas pela Ré e não destruiu totalmente o arrendado, sendo este susceptível de reparação.
Assim, sustentando que o contrato não caducou, alegando que o incêndio é imputável à Ré e referindo que a não realização das obras de reparação o impede de explorar o seu estabelecimento comercial e de auferir os respectivos rendimentos, pede que a Ré seja condenada a: a) Executar ou mandar executar, à sua custa, em prazo não superior a trinta dias, as obras necessárias, de forma a que o Autor possa retomar a exploração do seu estabelecimento; b) A pagar ao Autor a indemnização a liquidar em execução de sentença até que tenha efectiva autorização de retoma da exploração do estabelecimento; c) A ver declarada suspensa a obrigação de o Autor pagar à Ré a renda convencionada pelo arrendamento desde 02/10/2003; d) Nos termos do artigo 829º-A do Código Civil, na sanção pecuniária, a reverter, em partes iguais, para o Autor e para o Estado, de 100,00€ por cada dia de atraso no cumprimento da sua obrigação, em relação ao prazo fixado.
A Ré contestou, com os seguintes fundamentos: - O Autor é parte ilegítima, por estar desacompanhado do seu cônjuge; - Não é possível a procedência dos pedidos formulados nas alíneas a) e b), em virtude de o prédio já ter sido demolido e ter sido construído, no seu lugar, um novo edifício; - O Autor actua com abuso de direito, na medida em que, tendo instalado o seu estabelecimento comercial num outro local que arrendou para o efeito, fez crer à Ré que aceitava a caducidade do contrato e apenas veio propor a presente acção depois de ter sido demolido o prédio e depois de ter sido construído um novo edifício; - Impugnando diversos factos constantes da petição inicial, alega que o incêndio abrangeu todo o edifício e implicou a sua total destruição, sendo certo que não era possível nem aconselhável a sua recuperação por não apresentar condições de segurança.
Conclui pela improcedência da acção e pede, em reconvenção, que seja declarada a caducidade do contrato de arrendamento, na sequência do incêndio referidos nos autos.
O Autor respondeu, sustentando a improcedência das excepções invocadas e reafirmando – como já havia alegado na petição inicial – que o contrato não caducou e que a Ré está obrigada a efectuar obras de reparação.
Ampliando a causa de pedir, o Autor vem ainda alegar que a perda do locado implicará a perda do estabelecimento comercial e, invocando os prejuízos daí decorrentes, pede, a título subsidiário – e para o caso de o Tribunal julgar verificada a caducidade do contrato –, que a Ré seja condenada a pagar-lhe, a título de indemnização, a título de danos e lucros cessantes, pela perda do locado a quantia a liquidar em execução de sentença, a qual ascende, nessa data, à quantia de 18.000,00€.
A Ré respondeu e, na sequência de requerimento formulado nesse sentido, veio a ser admitida a intervir nos autos, como parte principal activa quanto à acção e passiva quanto à reconvenção, a requerente, G...
(cônjuge do Autor).
Foi proferido o despacho saneador, foi efectuada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória e, após realização da audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida sentença, que, julgando a acção improcedente e julgando procedente a reconvenção, absolveu a Ré do pedido e declarou extinto, por caducidade, o contrato de arrendamento celebrado entre o Autor e a Ré.
Inconformados com essa decisão, o Autor e a sua esposa (Interveniente) vieram interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: I. Em causa nos presentes autos está, por um lado, saber se o incêndio determinou a perda do locado ou se, ao invés, este é passível de ser recuperado mediante a execução de obras de recuperação; II. E, por outro lado, saber se o incêndio é imputável a alguma das partes III. O tribunal entendeu que o incêndio determinou a perda total do locado e que a causa do incêndio não poderá ser imputada a qualquer das partes: IV. Da conjugação de toda a prova, quer documental quer testemunhal produzida nos presentes autos, não resultam estas conclusões; V. Quanto à primeira questão, a conjugação dos factos provados (quesitos 5, 6, 7, 24, 25, 26 e 27), do auto de vistoria junto a fls. 148, das fotografias juntas a fls. 120 e do depoimento das testemunhas C ..., D ... e E ...permite chegar, sem qualquer margem para dúvidas, à conclusão de que o incêndio não determinou a destruição total do edifício, mas apenas a destruição do 1º andar; VI. Por outro lado, conjugado o documento junto a fls. 144 dos autos com o depoimento da testemunha C ..., do depoimento de parte da Ré e da testemunha D ... resulta que a situação do prédio não impunha a sua demolição e que a sua reconstrução não era nem técnica nem muito menos economicamente desaconselhável; VII. Para a resposta positiva aos quesitos 28 e 29 da base instrutória, o tribunal baseou-se no depoimento da testemunha D ..., que tem um interesse directo na causa, em detrimento da testemunha F ..., não fundamentando a razão da opção pelo depoimento desta testemunha em detrimento da outra; VIII. Baseou-se, ainda, o tribunal, numa hipotética estimativa do custo da reconstrução alegadamente pedida a um gabinete de engenharia e num invocado parecer técnico emitido pelo Institutos da Construção da Universidade do Porto, os quais não se encontram juntos aos autos; IX. A Ré não procedeu à reconstrução do edifício não porque a sua reconstrução fosse técnica ou economicamente desaconselhável ou inviável, mas porque pretendia “expulsar” os antigos inquilinos e celebrar novos contratos, com preços actuais, o que veio a acontecer; X. Tal intuito é reforçado pelo facto de o novo edifício ter as condições necessárias para o Autor retomar a exploração do seu estabelecimento, já que continua a ter um rés-do-chão destinado a comércio, o que desde logo resulta do depoimento de parte da Ré e do depoimento da testemunha Maria de Fátima Valente; XI. Impõe-se, assim, a alteração da resposta dada à matéria de facto, dando-se como não provados os quesitos 28 e 29 e como provados os quesitos 8 a 23; XII. Quanto à questão da culpa do acidente, o tribunal julgou não provados os quesitos 2, 3 e 4 da base instrutória, sem, no entanto, avançar qualquer fundamentação para o efeito; XIII. O tribunal não analisou os meios de prova nem indicou os meios de prova em que se baseou para responder aos indicados quesitos da forma como respondeu; XIV. É assim, quanto a este ponto concreto, a sentença nula por falta de fundamentação, nulidade que aqui se expressamente se invoca para todos os efeitos legais; XV. Por outro lado, do depoimento de parte da Ré verifica-se que nunca foram efectuadas quaisquer obras de conservação no edifício, nem na instalação eléctrica, o que determinou o seu colapso, dando origem ao acidente dos autos; XVI. Assim, dúvidas não restam de que o incêndio se ficou a dever a culpa exclusiva da Ré, por não ter cumprido o dever de conservação do edifício que sobre si impendia; XVII. Impõe-se, pois, a alteração da resposta dada à matéria de facto, dando-se como provados os quesitos 2, 3 e 4; XVIII. Quanto ao quesito 34, o Autor declarou, aquando da prestação do seu depoimento, que havia instalado o seu estabelecimento num outro local a título provisório, pelo que se impõe que seja dada uma resposta restritiva a este quesito, no sentido de ser julgado provado apenas que “o autor instalou provisoriamente o seu estabelecimento noutro local que arrendou para o efeito”; XIX. Não é certo que a perda do locado determine, ope legis, a caducidade do contrato de arrendamento; XX. Por um lado, só a perda total do locado é apta a produzir tal efeito; XXI. Perda total que, no caso, não aconteceu; XXII. Por outro, a perda total do locado apenas determina a caducidade do contrato de arrendamento se a destruição do locado não decorrer de causa imputável, dolosa ou negligentemente, ao senhorio; XXIII. O que também não é o caso dos autos, atento o facto de o incêndio ter tido origem na violação culposa, por parte da Ré, dos deveres de conservação do edifício que sobre si impendiam; XXIV. Em face do exposto, impõe-se a revogação da sentença proferida e a sua substituição por outra que condene a Ré a permitir ao Autor retomar o estabelecimento comercial arrendado, por forma a aí exercer o seu comércio e a julgar improcedente, em consequência, a reconvenção deduzida; XXV. Deve ainda a Ré ser condenada a pagar ao Autor uma indemnização em montante a liquidar em execução de sentença, até à efectiva comunicação da possibilidade de retoma do estabelecimento por parte do Autor, atento o facto de o incêndio ter deflagrado por sua culpa exclusiva, concretamente em virtude do incumprimento do dever legal de conservação do edifico que sobre si impendia, originando danos, por perda de clientela e diminuição de lucros, na esfera jurídica do Autor; XXVI. Na hipótese – que não se concede, apenas por mero dever de patrocínio se admitindo – de se considerar que o incêndio determinou a perda do locado e consequente caducidade do contrato de arrendamento, deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor uma indemnização em...
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