Acórdão nº 1124/11.4TBTMR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução05 de Dezembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I.

Forma de julgamento do recurso.

Dado que a questão, puramente interlocutória, objecto do recurso – que nem sequer obteve resposta – é simples, declaro que aquele será julgado liminar, sumária e singularmente (artºs 700 nº 1 c) e 705 do CPC).

II.

Julgamento do recurso.

  1. Relatório.

    No processo de inventário, consequente à extinção da comunhão de bens entre os cônjuges, que corre termos, sob o nº 1124/11, no 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar, em que são interessados V…, que exerce as funções de cabeça-de-casal, e M…, o primeiro requereu à Sra. Juíza de Direito a remessa dos interessados para os meios judiciais comuns e, em alternativa, a extinção dos autos por inutilidade superveniente da lide.

    Fundamentou estas pretensões no facto de os interessados terem celebrado um contrato promessa de partilha, através do qual se obrigaram a proceder à partilha na forma nele definida, estabelecendo que a escritura de partilha seria outorgada quando alguns deles o exigisse ao outro, através de carta registada com a antecedência mínima de 30 dias, não tendo, até hoje, nenhum deles interpelado o outro para cumprir o contrato prometido, pelo que devem as partes ser remetidas para os meios comuns, na eventualidade de a requerente negar a existência ou a validade do documento, ou, caso a requerente confirme a sua existência e validade, serem os autos extintos por inutilidade superveniente da lide.

    A cointeressada respondeu que o protocolo de acordo nada mais representa que a simples disposição de vontade das partes naquela data, disposição essa que se traduz de forma não vinculativa, para mais não tendo no seu enunciado nenhuma cláusula penal para o caso de algumas das partes vir a optar por uma forma diferente de partilhar os bens e que tudo o que fizeram foi assinar um protocolo de intenções, que, por carta registada com aviso de recepção, denunciou, não existindo qualquer impedimento para que a acção prossiga até ulteriores partilhas dos bens comuns do extinto casal.

    O cabeça-de-casal replicou, reiterando o seu requerimento.

    Por despacho de 3 de Agosto de 2012, a Sra. Juíza de Direito, com fundamento em que tal não configura um contrato promessa de partilhas, dada a inexistência de regras específicas a prometer que a partilha dos bens comuns se realize e de uma dada forma concretizando essa promessa, encontrando-nos, pois, face a um simples acordo/uma intenção de partilhar extrajudicialmente os bens comuns, nada mais relevante e concreto se avança nomeadamente, datas da sua concretização, valores de cada bem, etc. – indeferiu o requerimento.

    É esta decisão que o cabeça-de-casal impugna no recurso, no qual pede que se declare a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide já que estamos perante uma causa prejudicial de que depende a admissibilidade do processo, sob pena de se mostrar violado o artigo 1335, nº 1 do CPC.

    O recorrente extraiu da sua alegação estas conclusões: ...

    A cointeressada não respondeu.

  2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

    Para além dos factos relativos à dinâmica processual, documentados no relatório, para o julgamento do objecto do recurso releva ainda o facto seguinte, documentalmente provado: … 3.

    Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    O objecto do recurso é, antes de mais, delimitado pelo objecto da acção, pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao recorrente. Mas este pode também, no requerimento de interposição ou nas conclusões da sua alegação, limitar o âmbito, objectivo ou subjectivo, do recurso (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

    O recorrente visa, com o recurso, obter este efeito jurídico: a extinção da instância do inventário. Fundamento: a inutilidade superveniente da lide, resultante da conclusão entre os interessados de um contrato promessa.

    A instância extingue-se sempre que se torne supervenientemente inútil, i.e., sempre que por facto ocorrido na pendência da instância, a continuação da lide não tenha qualquer utilidade (artº 287 e) do CPC).

    A instância extingue-se ou finda de forma anormal todas as vezes que, ou por motivo atinente ao sujeito, ou por motivo atinente ao objecto, ou por motivo atinente à causa, a respectiva relação jurídica substancial se torne inútil, i.e., deixe de interessar a sua apreciação.

    A inutilidade da lide é, portanto, simples reflexo, no plano processual, da inutilidade aa relação jurídica substancial, quer esta inutilidade diga respeito ao sujeito, ao objecto ou à causa.

    Sempre que o efeito jurídico que se pretendia obter com a acção se mostre supervenientemente inútil, é claro que o processo não deve continuar – mas antes cessar.

    A instância extingue-se porque se tornou inútil o prosseguimento da lide: verificado o facto, o tribunal não conhece do mérito da causa, limitando-se a declarar aquela extinção.

    Face a este breve enunciado é evidente que o facto susceptível de determinar a extinção da instância por inutilidade da lide deve ser superveniente, i.e. de verificação ulterior relativamente à constituição da instância.

    Não é suficiente, portanto, a existência de um facto que torne a lide inútil; exige-se, para que se verifique a causa de extinção da instância considerada, que o facto seja superveniente.

    Como a instância se considera iniciada com a proposição da acção e esta se considera proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida pela secretaria a respectiva petição inicial, segue-se que só o facto ocorrido posteriormente ao recebimento da petição inicial se deve considerar superveniente (artºs 150 e 467 nº 1 do CPC).

    Se o facto que torna inútil a instância é anterior ao seu início, então o caso não é seguramente de inutilidade da lide – mas de improcedência da pretensão do autor ou requerente: se no momento em que propõe a acção, a relação jurídica substancial já era inútil, i.e., já era inútil a obtenção do efeito jurídico que com a acção se visa alcançar, o que sucede é que, no momento em que foi proposta, a acção não tinha condições para proceder. Neste caso, a causa adequada de extinção da instância é o julgamento e não a inutilidade superveniente da lide (artº 287 a) do CPC).

    Se aplicarmos esta doutrina a caso do recurso é bem de ver que não há qualquer inutilidade da lide, quer porque o facto que se alega como causa dessa inutilidade é anterior à constituição da instância - o contrato promessa de partilha – quer porque este facto não permite a obtenção do efeito jurídico visado com o processo: a partilha do património conjugal comum.

    E, realmente, tal como surge recortado na sua alegação, o caso é, nitidamente, de oposição ao inventário.

    A oposição ao inventário tem por escopo atacar o processo na sua razão de ser e, julgada procedente, fá-lo cessar[1].

    O oponente não pretende discutir a partilha - antes declarar que não há lugar a ela.

    Realmente, no caso o recorrente não discute qualquer aspecto relativo à partilha – antes alega que não há lugar a ela por inventário judicial – mas pelo cumprimento voluntário das obrigações de facto jurídico positivo que emergem do contrato promessa e, eventualmente, pela sua execução específica, através da emissão de sentença substitutiva da declaração negocial do faltoso (artºs 817 e 830 do Código Civil).

    Seja como for, a decisão recorrida – em concordância com o ponto de vista da apelada – desatendeu a pretensão do recorrente com este argumento: o acordo de vontades concluído entre os interessados, ainda no contexto do seu casamento, não constitui um contrato promessa – mas um simples acordo/intenção de partilhar extrajudicialmente os bens comuns.

    Abstraindo da nítida contradição intrínseca do argumento – dado que se afirma, do mesmo passo, por uma lado, que não há contrato promessa de partilha, e, de outro, que é um acordo de partilha extrajudicial dos bens comuns – o primeiro problema que deve ser resolvido é se as declarações de vontade dos interessados se subsumem ou não àquele tipo contratual.

    Resolvido esse problema, há que verificar se tal contrato é válido e – concluindo-se pela afirmativa – qual é a sua eficácia relativamente à instância do processo de inventário.

    O exame desta questão exige a definição, ainda que breve, dos requisitos do contrato promessa e uma reflexão, ainda que leve, sobre os pressupostos da sua validade.

    No julgamento do recurso importa, porém, ter presentes duas coisas.

    A primeira é que a improcedência do recurso e a consequente confirmação da decisão recorrida podem resultar da modificação pelo tribunal ad quem do fundamento dessa mesma decisão. Quer dizer: esta Relação pode aceitar a procedência do recurso, por um fundamento, distinto daquele que foi utilizado pelo tribunal recorrido, para confirmar a decisão recorrida.

    A segunda consiste na licitude da apreciação pelo tribunal ad quem de qualquer questão de conhecimento oficioso ainda que esta não tenha sido decidida ou sequer colocada na instância recorrida.

    Estas questões – como, v.g., o abuso do direito, os pressupostos processuais, gerais ou especiais, ou a litigância de má fé, ou as nulidades substantivas oficiosamente cognoscíveis – constituem um objecto implícito do recurso, que torna admissível a sua apreciação na instância correspondente.

    3.2.

    Contrato...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT