Acórdão nº 263/07.0GTLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Dezembro de 2012
Magistrado Responsável | ORLANDO GON |
Data da Resolução | 12 de Dezembro de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Porto de Mós, sob pronúncia que recebeu o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente A..., foi submetido a julgamento em processo comum, com a intervenção do Tribunal Singular, o arguido B...
, residente na … , Porto de Mós, imputando-se-lhe a prática de factos susceptíveis de integrar, em autoria material e na forma consumada, um crime homicídio por negligência, p. e p. pelos artigos 137.º, n.º 1, do Código Penal.
A assistente A... e os demandantes civis C... e D..., deduziram pedido de indemnização civil, em conjunto, contra a Demandada “W...–Companhia de Seguro,S.A.”, requerendo o pagamento global de € 213.009,00, a título de danos não patrimoniais, patrimoniais futuros e patrimoniais, bem como ainda a condenação da demandada na reparação do motociclo ... por forma a que o mesmo fique em condições de circular e no estado em que se encontrava antes do acidente, e tudo acrescido de juros de mora à taxa legal desde a data da notificação do pedido, contando-se os mesmos até ao integral pagamento. Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 20 de Fevereiro de 2012, decidiu: - Condenar o arguido B..., pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime homicídio por negligência, p. e p. pelos artigos 137.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão; - Suspender a execução da pena de prisão ora aplicada ao arguido, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, pelo período de 1 (um) ano; Mais decidiu: - Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por A..., C... e D... contra a Demandada “W...–Companhia de Seguro,S.A.” e, consequentemente, condenar a Demandada a pagar-lhes a quantia global de € 134.000,00 (cento e trinta e quatro mil euros), sendo: - € 50.000,00 [cinquenta mil euros] a título de indemnização pela perda do direito à vida de F...; - € 7.000,00 [sete mil euros] a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por F...; - € 37.000,00 [trinta e sete mil euros] a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelos Demandantes – imputados à razão de € 17.000,00 [dezassete mil euros] para a demandante A... e os remanescentes € 20.000,00 [vinte mil euros] repartidos por C... e D..., e - € 40.000,00 [quarenta mil euros] a título de indemnização pelos danos patrimoniais futuros, tudo acrescido de juros de mora, contados à taxa legal, desde a data da notificação da Demandada para contestar e até integral pagamento; e - Absolver a Demandada do demais peticionado pelos Demandantes; Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido B..., concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1. Na matéria de facto destes autos encontram-se em oposição duas versões diferentes ( a versão das autoridades/GNR, que sustenta a do arguido e a versão da pronúncia, sustentada pelos assistentes); 2. O relatório que contém a versão das autoridades (GNR/Núcleo de Investigação de Acidentes de Viação) foi feito por agente que inspeccionou o local 2/3 dias após o acidente.
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O relatório que suporta a versão da pronúncia/sufragada pelo Tribunal recorrido foi feito com cópias de elementos que lhe foram facultados, em 12-3-2010 ( tendo o presente acidente, ocorrido em 17-6-2007). 4. No local do acidente, a via tem 10,40 metros ( 5,20 m as hemifaixas de rodagem).
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Não resulta inequívoca da sentença, o porquê da escolha do Tribunal por uma destas versões ( e não a outra) a qual não pode pois ser “ casuística”.
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A livre apreciação da prova não pode ser o livre arbítrio, tornando-se necessário a prova de que o agente ( o arguido) possa e seja capaz de , face às circunstâncias, conhecer e tomar as precauções para evitar o resultado, só assim podendo ser alvo de qualquer reprovação ético-social.
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A fundamentação insuficiente da sentença recorrida, sem devida e concretamente tidos em consideração todos os factos, consubstancia nulidade de sentença.
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Acresce que, no caso dos autos, estamos perante prova incerta ou factos incertos e, consequentemente, a decisão desta incerteza deve favorecer o arguido, por aplicação do princípio “in dúbio pro reo” ( quer se entenda este como princípio de prova que vigora em geral, quer como princípio geral do processo penal).
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Porque, apesar de toda a prova recolhida, os factos relevantes para a decisão, não são susceptíveis de ser subtraídos à “ dívida razoável” e, porque, a falta dessa mesma prova não pode, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido.
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O Tribunal recorrido não aplicou, como devia, este princípio, violando assim um preceito consagrado na Lei e na Constituição da República Portuguesa, tornando a decisão, para além de ilegal, inconstitucional.
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Foram, pois, violados, entre outros, os artigos 2.º, 50.º e 137.º do C.P., 60.º, 61.º, 379.º, n.ºs 1, al. a) e n.º2 e 368.º C.P.P. e 32.º e 204.º da Constituição da República Portuguesa.
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Assim, deve ser revogada a sentença recorrida e a decisão nela decretada substituindo-a por outra que absolva o arguido e contemple as presentes conclusões. Também inconformados com a douta sentença dela interpuseram recurso os demandantes A..., C... e D..., concluindo a sua motivação do modo seguinte: I- Os recorrentes restringem o objecto do seu recurso aos montantes indemnizatórios atribuídos pela douta sentença de que se recorre aos danos não patrimoniais, bem como à improcedência dos pedidos de reparação do motociclo e pedido indemnizatório pela paralisação do mesmo.
II- Assim, tendo por base que a vida é o bem mais supremo do Direito, e que jurisprudencialmente o dano morte tem sido indemnizado com valores situados entre os 50.000,00 Euros e os 80.000,00 Euros, tendo em conta que a vítima era saudável, era feliz, era activa, trabalhadora, com os seus 54 anos estava ainda longe de atingir o último patamar da sua esperança de vida, tinha gosto em sair com a família, aproveitava a vida, não parece desadequado compensar o dano morte com o valor de Euros: 75.000,00 peticionados.
IV-A vítima não teve morte imediata. Ainda enquanto o F...se encontrava deitado no asfalto do IC 2, conseguiu ainda, quando perguntado, dizer o seu nome e para onde se dirigia, não obstante ter fractura bilateral das costelas, contusão e perfurações pulmonares, contusão do saco pericárdico, laceração do fígado, infiltração sanguínea peri-renal, hemoperitoneu, fractura completa de D6 e D12, com secção completa da medula, infiltração dos tecidos moles circundantes, fractura do fémur esquerdo.
V- A vítima apercebeu-se perfeitamente da inevitável morte e sofreu dores profundas durante os mais de 30 minutos que permaneceu vivo; tal dano não deverá ser compensado com valor inferior a Euros: 12.500,00, valor pelo qual se pugna.
VI-A douta sentença de que se recorre considerou serem de grau elevado os danos morais vivenciados pela viúva e pelos seus dois filhos.
VII- A viúva chorou e chora a morte do marido, perdeu 10 quilos, entrou em profunda depressão, vai com frequência ao cemitério, esteve sem trabalhar quase um ano, tentou suicidar-se atirando-se de um veículo em andamento, perdeu a alegria de viver.
VIII- Ora, se atentássemos nos valores atribuídos pela tabela da Portaria 679/2009 de 25/06, encontrando-se a viúva casada há mais de 25 anos à data da morte do marido, tal dano seria compensado, extrajudicialmente e em sede de “proposta razoável” com Euros: 25.650,00 - para um dano médio e padronizado.
IX- Não se vislumbra assim, quando nesta situação concreta o dano é supremo e o sofrimento tem sido muito, porquê compensar tal dano com valor inferior a Euros: 27.500,00, valor que se requer.
X- Os filhos também sofreram muito com a morte do pai, sendo-lhe chegados e com ele convivendo diariamente.
XI- Assim, se a tabela inserida na Portaria já citada, para um dano médio e padronizado atribui um valor base de Euros: 10.260,00, XIII- Não se vislumbra mais uma vez, e uma vez que no caso concreto o dano foi elevado, qual a não atribuir aos filhos valor inferior a Euros: 20.000,00 para cada filho, valor este que se considera adequado.
XIII- Ficou provado que o veiculo, motociclo conduzido pela vítima, sofreu danos.
XIV- A regra geral para a reparação dos danos é a sua reconstituição natural a ser feita pelo lesante.
XV- Tendo os Demandantes provado o dano e não tendo o lesante (ou quem o substitui contratualmente - seguradora) provado qualquer facto que obstasse à reparação (reconstituição natural) - nomeadamente a sua impossibilidade ou excessiva onerosidade deve a seguradora ser condenada à reparação do motociclo (enquanto prestação de facto), ainda que o dano não esteja contabilizado pecuniariamente.
XVI- Ainda que não se tivesse provado que o motociclo seria utilizado por qualquer um dos herdeiros, os mesmos, passando a ser os seus proprietários, não puderam dispor do mesmo na sua esfera patrimonial, retirando do mesmo quaisquer utilidades, nomeadamente vendê-lo no estado em que se encontrava antes do acidente.
XVII- Pelo que o dano existe.
XVIII- E não sendo exactamente contabilizável não se vê motivo para que equitativamente o mesmo não se compense com valor não inferior a 2.000,00 Euros, tendo em conta o tempo decorrido entre a data do acidente e a presente data.
XIX- Por tudo o que se referiu, violou a douta sentença o disposto nos arts. 562.º, 564.º n.º 1 e 2, 566.º n.º 3 e 1305 todos do Código Civil, nomeadamente quanto à valorização equitativa dos danos por se entender que subvalorizou os mesmos indemnizando-os por defeito, devendo assim essa valorização ser corrigida pela atribuição dos valores ora pugnados.
A demandada “W...–Companhia de Seguro,S.A.” respondeu ao recurso interposto pelos demandantes pugnando pela total improcedência do recurso por estes interposto e manutenção integral da decisão recorrida.
A assistente e demandantes civis responderam ao recurso interposto pelo arguido pugnando pela sua improcedência.
O Ministério Público na Comarca de Porto de...
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