Acórdão nº 344/08.3TACBR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução12 de Dezembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Nos autos de processo comum, a correr termos, sob o n.º 344/08.3TACBR, na Vara de Competência Mista de Coimbra, por despacho proferido em 05-09-2012, foi decidido pelos juízes que integram o tribunal colectivo remeter as partes do pedido de indemnização civil deduzido por A... para os tribunais civis, nos termos do disposto no artigo 82.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

*2.

Inconformado, o demandante civil A... interpôs recurso desse despacho, tendo formulado na respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1.ª - A questão que importa decidir no presente recurso é a de saber se deverão ou não ser as partes remetidas para os tribunais civis quanto ao conhecimento do pedido de indemnização civil formulado nestes autos pelo Assistente, ora Recorrente.

  1. - Não se vislumbra, de modo algum, que o facto de ter sido apresentada contestação por excepção e impugnação ao PIC deduzido pelo Assistente/Recorrente, por si só, impeça uma decisão rigorosa ou um conhecimento cabal das questões levantadas em sede de contestação do PIC.

  2. - Tanto mais que, como se reconhece no douto despacho recorrido, a prova quer dos factos alegados no PIC em causa, quer dos factos alegados em sede de contestação, é essencialmente prova documental - certidões de decisões judiciais já transitadas em julgado.

  3. - O “trabalho” por parte do tribunal recorrido quanto à mataria cível está fortemente facilitada.

  4. - Por outro lado, tais questões - quer as levantadas no PIC quer as levantadas em sede de contestação - não são susceptíveis de gerar qualquer incidente capaz de retardar o fim deste processo penal.

  5. - Alias, e em abono da verdade, todos os incidentes que poderiam ter lugar, já tiveram: foi deduzido PIC, foi apresentada contestação e, posteriormente, o Assistente apresentou a sua réplica. Mais nenhum incidente é possível! 7.ª - Para além disso, o julgamento nos presentes autos já teve duas datas, anteriormente designadas - o dia 7 de Dezembro de 2011 e o dia 4 de Abril de 2012 - tendo ambas sido adiadas, sem que antes, e no seu devido tempo, fosse proferido qualquer despacho e remeter as partes em causa para os meios comuns.

  6. - Só agora, nove meses depois da primeira data designada para a realização de julgamento, é que o tribunal a quo vem remeter as partes para os meios comuns com o fundamento, note-se, de se poder retardar o fim do processo penal.

  7. - O tribunal a quo remeteu para os meios comuns o assistente/demandante e os demandados B... e C...; porém existe nos autos um outro PIC, em que é assistente D... e demandado F..., em que os factos alegados no PIC deste demandante, na sua grande maioria, são os mesmos que são alegados no PIC do ora recorrente.

  8. - O que torna a fundamentação dada pelo tribunal ainda mais desapropriada quanto ao possível retardamento da acção penal.

  9. - A decisão recorrida remeteu as partes civis (apenas o ora assistente e os demandados supra indicados) e respectiva instância para os tribunais civis, para além de, como vimos, ser extemporâneo/intoleravelmente tardio, o mesmo carece de oportunidade.

  10. - A decisão recorrida carece também de fundamentação, dado que não enuncia minimamente quais as questões levantadas pelo demandante e pela demandada que, pela sua particular complexidade, viriam provocar um retardamento intolerável do processo.

  11. - O demandante e a demandada nenhuma questão suscitaram que não possa ser resolvida nestes autos, tendo em conta a abundante prova documental (certidões judiciais) junta e após a competente produção de prova e que não seja absolutamente normal.

  12. - O que se discute neste processo são questões de natureza civil e criminal e nem podiam ser outras.

  13. - O despacho recorrido estriba-se numa interpretação equívoca do art. 82.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, que estipula: 16.ª - O tribunal recorrido fez um uso que reputamos de completamente arbitrário e indevido dos poderes que lhe são conferidos pelo n.º 3 do artigo 82.º do Código de Processo Penal.

  14. - O tribunal a quo, em concreto, não se chegou a deparar com nenhuma dificuldade; 18.ª - Nem sequer ponderou que a remessa das partes para os tribunais civis, além de injustificada, também acarretaria maior onerosidade relativamente à causa penal, envolvendo bem maiores riscos de retardamento da decisão civil.

  15. - Foram violadas e erradamente interpretadas e aplicadas as seguintes disposições legais: artigo 71.º, artigo 82.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, bem como os princípios da celeridade e da economia processuais e o princípio da adesão obrigatória do sistema de dependência da decisão civil da decisão penal.

  16. - As questões que foram reputadas como sendo susceptíveis de inviabilizar uma decisão rigorosa e poderem vir a gerar incidentes retardadores do processo penal, considera o recorrente não serem suficientes para justificar a remessa dos sujeitos processuais para os meios civis, como supra referimos.

  17. - Existe nos autos prova documental suficiente, sendo ainda que, tais questões não se antolham geradoras de incidentes ou demoras que inviabilizem uma decisão rigorosa ou que possam gerar incidentes que venham a retardar intoleravelmente o processo penal.

  18. - Não se descortinando outros incidentes que, pela sua complexidade ou morosidade, possam ser retardadores de uma decisão rigorosa no processo penal.

  19. - Por todo o exposto, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deve ser revogado o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que admita a tramitação do pedido civil formulado pelo assistente, ora recorrente, no processo instaurado na acção cível.

    *3.

    Não foram apresentadas resposta(s) ao recurso.

    *4.

    Subidos os autos a esta Relação, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto apenas apôs “visto”, por se tratar de recurso relativo a pedido de indemnização civil.

    *5.

    Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

    *II. Fundamentação: 1. Poderes cognitivos do Tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso: Conforme Jurisprudência uniforme nos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respectiva motivação que delimitam e fixam o objecto do recurso, sem prejuízo da apreciação das demais questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

    No caso sub judice, vistas as conclusões, o recurso comporta uma única questão a decidir, exclusivamente de direito, e que consiste em determinar se existe fundamento legal para a remessa das partes relativas ao pedido cível deduzido por A... para os tribunais civis, ao abrigo da disposição normativa do n.º 3 do artigo 82.º do Código de Processo Penal.

    *2. Elementos relevantes à decisão:

    1. Em 10 de Maio de 2010, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos B..., C... e F..., tendo-lhes imputado, com base nos factos infra transcritos, a co-autoria material, em concurso real, de um crime de burla qualificada na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, n.º 1, 217.º, n.º l e 218.º, n.º 2, al. a) (do qual é ofendido H...); e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. a) (do qual é ofendido A…): «Em Novembro de 2003 o arguido B..., que é casado com a arguida C..., era o único sócio e gerente da sociedade comercial “W... - Café Restaurante, Unipessoal, Lda.” cujo estabelecimento comercial (restauração e café) funcionava num imóvel sito na Estrada da … , W..., área desta comarca de Coimbra, o qual era propriedade do arguido F... que para o efeito o tinha arrendado àquela sociedade.

      Acontece que a sociedade “W...” tinha uma dívida de cerca de €99.000,00 para com H..., idf. a fls. 83, e, titulando este uma letra de câmbio no valor Esc. 18.000.000$00 sobre a dita sociedade, no dia 5 de Novembro de 2003 instaurou contra ela o processo executivo n.º 2291/03.6TBCBR, tendo a penhora do estabelecimento sido realizada em 12 de Maio de 2004 e a subsequente venda judicial da “W...” ao H... veio a ocorrer em 13 de Dezembro de 2005, incluindo o direito ao trespasse e ao arrendamento do prédio onde o dito estabelecimento comercial funcionava.

      Apercebendo-se da iminente entrega do referido estabelecimento ao exequente H..., os arguidos B...e C..., de comum acordo e em conjugação de esforços, decidiram envidar esforços para evitar serem desapossados de tal estabelecimento e virem a obter vantagens patrimoniais, com o objectivo de vir a excluir da citada penhora o direito ao arrendamento do local onde funcionava o estabelecimento de forma a frustrar por completo o efeito útil do dito processo executivo e causar prejuízo ao H....

      Para tal, abordaram o arguido F... para, em conjunto, adoptarem uma posição que os salvaguardasse a todos, pois o arguido F...estava a par do processo executivo movido pelo H... contra a “W...” já que tinha sido notificado da penhora sobre o estabelecimento comercial e que essa penhora englobava o direito ao arrendamento.

      Assim, por acordo entre todos, decidiram os arguidos criar outra sociedade comercial com o mesmo objecto social e que funcionaria no mesmo local depois de a “W...” ser dali despejada por ordem judicial, tudo com o único objectivo obstar à sentença judicial proferida no âmbito do citado processo executivo a fim de retirar da penhora o direito ao arrendamento e trespasse do dito imóvel, o que beneficiaria os arguidos B...e C... mas também o arguido F... porque assim não passaria a estar vinculado a um contrato de arrendamento com H....

      Ora, no desenvolvimento desse plano traçado pelos três arguidos, no dia 4 de Abril de 2005 o arguido F... intentou contra a “W...” uma acção de despejo com fundamento na falta de pagamento de rendas, facto que bem sabia não corresponder à verdade, e, como o arguido, em representação da “W...”, não contestou essa acção como haviam previamente combinado, em 15 de Junho de 2005 foi proferida sentença que declarou a resolução do contrato de arrendamento datado de 17 de Março de 1976 e...

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